Com os tricórnios de Ana Batista e Rui Salvador (que lhos atiraram), D. Francisco de Mascarenhas recebeu ontem a primeira de muitas ovações da noite na última corrida do ano no Campo Pequeno |
António Telles lidou com primor o primeiro e complicado Passanha da noite |
Os corações pararam enquanto toureou Salvador! Grande e valorosa actuação! |
Fermín Bohórquez teve uma digna, mas não triunfal, despedida em Portugal |
Ana Batista levantou a praça. Foi a sua melhor actuação dos últimos anos, talvez mesmo a melhor de sempre! |
A garra, a raça e a força de Marcos Bastinhas fizeram-no renascer nesta fase final da temporada. Teve ontem um triunfo enorme no Campo Pequeno |
Luis Rouxinol Jr. tem bem a quem sair! Ontem evidenciou enormes progressos |
Miguel Alvarenga - Treze memoráveis
espectáculos depois da inauguração da temporada, a 9 de Abril, o Campo Pequeno
fechou ontem as portas à mais fantástica e mais marcante época desde a sua
reabertura, com uma grande noite de toiros que abriu, como manda a tradição,
com o sempre glamoroso cortejo de gala à antiga portuguesa a evocar as Touradas
Reais. A praça encheu, sem esgotar, registando três quartos fortes das bancadas
preenchidos em noite de solenidade e onde se destacaram, com estilos bem
distintos, os seis cavaleiros e os dois valentes grupos de forcados. Chama-se a
isso fechar o ano com chave de ouro. Foi notável e há que reconhecê-lo, todo o
trabalho levado a cabo ao longo da temporada pela equipa de sucesso que gere a
primeira praça do país. Foi no Campo Pequeno, como eu previ no início do ano (e
até houve quem criticasse...) que tudo aconteceu. Foi à volta do Campo Pequeno
e a partir do que aconteceu no Campo Pequeno, que a temporada girou. E assim
voltou a ser ontem. Uma corrida com princípio, meio e fim, sem tempos mortos,
com triunfos emotivos - e emocionais - e sobre a qual não há grande necessidade
de dissercar ao pormenor, uma vez que todos a viram através da RTP.
Glória ao cavaleiro-fidalgo
A primeira das muitas voltas que se
deram ontem à arena, com o público de pé a aplaudir todo um passado de glória,
foi a de D. Francisco de Mascarenhas, o cavaleiro-fidalgo agraciado pela
empresa do Campo Pequeno com o Galardão "Prestígio", que este ano já
contemplara, ex-aequo, o Grupo de Forcados de Santarém pelo seu centenário. D.
Francisco ofereceu ao Museu do Campo Pequeno a pequena casaca com que aos 10
anos de idade se estreou naquela praça, entregando-a à Drª Paula Mattamouros
Resende, administradora da primeira praça do país. Ao longo da corrida, todos
os cavaleiros e os dois grupos de forcados brindaram-lhe as suas lides e (duas)
pegas em nome dos seus 70 anos de alternativa, mas também da invejável
juventude que continua a irradiar e da grande e louvável aficion que o mantém
como honrosa presença em quase todas as praças.
De irrepreensível apresentação - eram
verdadeiras estampas - e jogo variado, os toiros de Passanha acabaram por contribuir para o
sucesso da corrida, sobretudo os três últimos. Os primeiros, mais reservados e
a puxar para o manso, vieram a menos e acabaram-se a meio das lides, depois de
no início sairem à arena com imensa pata e a prometer, não dando depois
facilidades aos forcados. Os três da segunda parte tiveram melhor comportamento e proporcionaram melhores êxitos aos cavaleiros. No geral, a ganadaria fechou também com chave de ouro a sua temporada num ano em que alcançou destacados triunfos em Portugal e em Espanha.
Salvador em noite grande
António Ribeiro Telles teve uma lide em
crescendo, destacando-se em dois curtos com a sua marca de classe, ao estribo,
mas abusando da velocidade em algumas sortes, o que retirou algum brilho a esta
sua terceira e última passagem pela temporada lisboeta. O toiro não era pêra
doce e António deu-lhe inteligentemente a lide adequada. Chama-se a isso
experiência, sabedoria.
O toiro de Rui Salvador atravessava-se e
adiantava-se aflitivamente. E o cavaleiro puxou dos seus galões de exímio
lidador, de toureiro que arrisca e nunca defrauda. O resultado foi uma lide de
guerreiro com ferros de parar a respiração, impróprios para cardíacos. À
Salvador, melhor dizendo. Uma actuação de muito valor.
Fermín Bohórquez veio a Lisboa
despedir-se, mas não teve noite brilhante. Começou bem, cravou os compridos de
praça a praça, mas algo aliviado e sempre à tira. Endireitou-se mais nos
curtos, mas a lide veio a menos ao falhar um primeiro ferro de palmo e depois o
par de bandarilhas, acabando por deixar só uma na segunda cravagem. Mesmo assim
e atendendo a tratar-se do seu adeus ao público português, respeitou-se toda a
sua trajectória e foi carinhosamente aplaudido na volta que deu à arena.
Ana Batista: a melhor actuação de sempre
Ana Batista teve a melhor actuação que
lhe vimos em Lisboa e provavelmente uma das melhores desta temporada em que
comemora 15 anos de alternativa. Vou mais longe: talvez mesmo a melhor actuação
da sua carreira.
Dois ferros compridos de praça a praça a
esperar e a aguentar até ao fim foram o mote para uma noite de ouro da
cavaleira de Salvaterra.
Nos curtos, esteve valente como as
armas, entrou destemidamente pelos terrenos do toiro, cravou ferros que
resultaram numa tremenda emoção e que foram momentos de uma imensa verdade.
Bastinhas renascido faz
"explodir" Campo Pequeno
Marcos Bastinhas renasceu nesta fase
final da temporada. Está com outra moral e com outras ganas. Tivera, a meio da
temporada, uma presença menos feliz no Campo Pequeno - mas ontem vingou-a. Fez
um comovido brinde a seu Pai, que assistia à corrida pela televisão, emocionou-se,
cresceu e esteve enorme a receber o toiro, dobrando-se, colocando o oponente
onde quis e citando depois do outro lado da arena, vindo ao encontro do toiro
assim que este se arrancou, cravando com verdade e emoção, causando uma
verdadeira explosão nas bancadas. Foi assim duas vezes, nos dois ferros
compridos que demonstraram a decisão, a afirmação e o querer do jovem
Bastinhas. Depois, com os curtos, bregando e lidando primorosamente, pôs a
praça em verdadeiro alvoroço ferro após ferro. Terminou com um de palmo e com um
ousado par de bandarilhas, saltando do cavalo e vindo até ao meio da arena,
braços abertos, depois apertados no coração, lágrimas nos olhos, emoção
incontida. Por tudo.
Rouxinol Jr. vai ser um caso sério
Fechou a corrida o jovem Luis Rouxinol
Júnior e fê-lo da melhor forma, evidenciando grandes progressos, um apurado
sentido de lide e uma forma contagiante de chegar ao público. Também, não
admira, tem bem a quem sair.
Bem a colocar o toiro, a bregar, a lidar
e a cravar, marcou de forma triunfal esta sua primeira apresentação no Campo
Pequeno de casaca. Está apto e mais que apto para dar o decisivo passo da
alternativa e esperamos que o faça no próximo ano.
O jovem Luis nunca me enganou: vai ser
um caso sério. E a história repete-se, se bem que noutros tempos e com novos
contextos, hoje sem as dificuldades que de início criaram a seu Pai, um
verdadeiro vencedor. Rouxinol Júnior tem valor, tem raça, sabe o que faz e tem
o condão de não querer imitar ninguém.Vai ser ele, por ele próprio.
Noite de emoção nas pegas
Noite de emoção nas pegas, a culminar
uma temporada que foi de glória para os Forcados.
Manuel Guerreiro abriu a noite pelos
Amadores de Lisboa com a arte e a experiência que o caracterizam, consumando, à
primeira, uma grande pega. O toiro desviou-se do grupo, deu-lhe um violento
derrote para baixo, mas Manuel jamais desarmou ou se deu por vencido. Ficou na
cara do toiro, fechado que nem uma lapa, até os companheiros fecharem o cerco.
Uma grande pega, repito. E um grande Forcado.
Pedro Gil, outro elemento de eleição do
grupo lisboeta, foi o segundo forcado de cara do grupo lisboeta. Esteve muito
bem a recuar, fechou-se com ganas, mas acabou derrotado, consumando à segunda
com aplaudido valor.
Eurico Medronheira pegou o quinto toiro à segunda, sem
dificuldade de maior e com o grupo a ajudar muito bem.
O pegão de Nuno Santana
Nuno Santana fez o pegão da noite, à
segunda tentativa, ao segundo toiro da corrida, primeiro para os Amadores de
Alcochete. Na primeira tentativa, aguentou estoicamente até não poder mais. Na
segunda, fechou-se com braços de ferro, suportou sem pestanejar um
violentíssimo e bem alto derrote e desta feita aumentou o já vasto número de
grandes pegas que este ano se viram na primeira arena de Portugal. Deu volta à
arena com Salvador e mais uma sózinho, merecida, merecidíssima. Grande Forcado!
A segunda pega dos Amadores de Alcochete
(ao quarto toiro da noite) foi estoica e brilhantemente consumada por António José
Cardoso, jovem forcado que se vem revelando esta temporada como mais um dos
grandes pilares do grupo. Esteve bem a citar, a recuar e a receber, fechou-se
com decisão, mas faltaram as ajudas. Na segunda tentativa levou um
"bombazo" que o projectou e ao primeiro-ajuda João Rei uns bons
metros adiante. Recompôs-se e consumou à terceira, com técnica perfeita e uma
impressionante vontade de ficar na cara do toiro, agora com o grupo a ajudar
"carregado" e bem.
O último toiro foi pegado pelo cabo
Vasco Pinto à segunda. Pega dura na primeira tentativa e depois mais fácil, com
o toiro a ir sereno pelo seu caminho e sem dificultar como da primeira vez.
Os dois grupos atravessaram em conjunto
a arena no final e foram calorosamente despedidos com os aplausos do público.
Muito bem no desempenho das suas funções
o director de corrida Pedro Reinhardt.
Aplausos ao bom desempenho dos toureiros
de prata: João Ribeiro "Curro" e António Telles Bastos (um Senhor,
eficiente e sereno na colocação para os forcados), José Bartissol, Adriano
Marques, Pedro Paulino, Filipe Gravito e Sérgio Silva, Ricardo Raimundo e
Gonçalo Veloso, Josué Salvado e Sérgio Silva, bem como os espanhóis da
quadrilha de Bohórquez.
Um reconhecimento final
Terminou a melhor temporada dos últimos
anos no Campo Pequeno. Já se começa a sentir a nostalgia do defeso. É tempo de
fazer balanços e de daqui aplaudir, com justiça e todo o mérito do mundo, a
brilhante campanha de 2015 na praça da capital. Há uma equipa empenhada e há o
espírito de um por todos e todos por um. Mas permitam-me que destaque o querer
e o rigor da Drª Paula Resende e a eficiência e aficion de Rui Bento.
Graças ao louvável entendimento entre
ambos (podia não ter acontecido, podia cada qual puxar a corda para seu lado,
tudo isto podia ter sido um descalabro para o Campo Pequeno e para a Festa, mas
felizmente a administradora da insolvência envolveu-se a fundo neste mundo dos
toiros, respeitou a tradição e cumpriu a missão com empenho, com saber e com
entusiasmo tornando-se uma verdadeira e empreendedora aficionada e uma grande
gestora); graças à união de esforços e ao entrelaçar de decisões, umas mais
fáceis, outras menos, tivemos a temporada que tivemos.
E quando os Velhos do Restelo apregoavam
o fim do Campo Pequeno, a compra por empresários asiáticos e outras chinesices,
a verdade é que eles arregaçaram as mangas, deitaram mãos à obra e montaram os
melhores cartéis de sempre. Venha 2016!
Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com