sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Campo Pequeno: gala de triunfos fecha temporada de sonho

Com os tricórnios de Ana Batista e Rui Salvador (que lhos
atiraram), D. Francisco de Mascarenhas recebeu ontem a
primeira de muitas ovações da noite na última corrida do
ano no Campo Pequeno
António Telles lidou com primor o primeiro e complicado Passanha da noite
Os corações pararam enquanto toureou Salvador! Grande e valorosa actuação!
Fermín Bohórquez teve uma digna, mas não triunfal, despedida em Portugal
Ana Batista levantou a praça. Foi a sua melhor actuação dos últimos anos, talvez
mesmo a melhor de sempre!
A garra, a raça e a força de Marcos Bastinhas fizeram-no renascer nesta fase
final da temporada. Teve ontem um triunfo enorme no Campo Pequeno
Luis Rouxinol Jr. tem bem a quem sair! Ontem evidenciou enormes progressos



Miguel Alvarenga - Treze memoráveis espectáculos depois da inauguração da temporada, a 9 de Abril, o Campo Pequeno fechou ontem as portas à mais fantástica e mais marcante época desde a sua reabertura, com uma grande noite de toiros que abriu, como manda a tradição, com o sempre glamoroso cortejo de gala à antiga portuguesa a evocar as Touradas Reais. A praça encheu, sem esgotar, registando três quartos fortes das bancadas preenchidos em noite de solenidade e onde se destacaram, com estilos bem distintos, os seis cavaleiros e os dois valentes grupos de forcados. Chama-se a isso fechar o ano com chave de ouro. Foi notável e há que reconhecê-lo, todo o trabalho levado a cabo ao longo da temporada pela equipa de sucesso que gere a primeira praça do país. Foi no Campo Pequeno, como eu previ no início do ano (e até houve quem criticasse...) que tudo aconteceu. Foi à volta do Campo Pequeno e a partir do que aconteceu no Campo Pequeno, que a temporada girou. E assim voltou a ser ontem. Uma corrida com princípio, meio e fim, sem tempos mortos, com triunfos emotivos - e emocionais - e sobre a qual não há grande necessidade de dissercar ao pormenor, uma vez que todos a viram através da RTP.

Glória ao cavaleiro-fidalgo

A primeira das muitas voltas que se deram ontem à arena, com o público de pé a aplaudir todo um passado de glória, foi a de D. Francisco de Mascarenhas, o cavaleiro-fidalgo agraciado pela empresa do Campo Pequeno com o Galardão "Prestígio", que este ano já contemplara, ex-aequo, o Grupo de Forcados de Santarém pelo seu centenário. D. Francisco ofereceu ao Museu do Campo Pequeno a pequena casaca com que aos 10 anos de idade se estreou naquela praça, entregando-a à Drª Paula Mattamouros Resende, administradora da primeira praça do país. Ao longo da corrida, todos os cavaleiros e os dois grupos de forcados brindaram-lhe as suas lides e (duas) pegas em nome dos seus 70 anos de alternativa, mas também da invejável juventude que continua a irradiar e da grande e louvável aficion que o mantém como honrosa presença em quase todas as praças.
De irrepreensível apresentação - eram verdadeiras estampas - e jogo variado, os toiros de Passanha acabaram por contribuir para o sucesso da corrida, sobretudo os três últimos. Os primeiros, mais reservados e a puxar para o manso, vieram a menos e acabaram-se a meio das lides, depois de no início sairem à arena com imensa pata e a prometer, não dando depois facilidades aos forcados. Os três da segunda parte tiveram melhor comportamento e proporcionaram melhores êxitos aos cavaleiros. No geral, a ganadaria fechou também com chave de ouro a sua temporada num ano em que alcançou destacados triunfos em Portugal e em Espanha.

Salvador em noite grande

António Ribeiro Telles teve uma lide em crescendo, destacando-se em dois curtos com a sua marca de classe, ao estribo, mas abusando da velocidade em algumas sortes, o que retirou algum brilho a esta sua terceira e última passagem pela temporada lisboeta. O toiro não era pêra doce e António deu-lhe inteligentemente a lide adequada. Chama-se a isso experiência, sabedoria.
O toiro de Rui Salvador atravessava-se e adiantava-se aflitivamente. E o cavaleiro puxou dos seus galões de exímio lidador, de toureiro que arrisca e nunca defrauda. O resultado foi uma lide de guerreiro com ferros de parar a respiração, impróprios para cardíacos. À Salvador, melhor dizendo. Uma actuação de muito valor.
Fermín Bohórquez veio a Lisboa despedir-se, mas não teve noite brilhante. Começou bem, cravou os compridos de praça a praça, mas algo aliviado e sempre à tira. Endireitou-se mais nos curtos, mas a lide veio a menos ao falhar um primeiro ferro de palmo e depois o par de bandarilhas, acabando por deixar só uma na segunda cravagem. Mesmo assim e atendendo a tratar-se do seu adeus ao público português, respeitou-se toda a sua trajectória e foi carinhosamente aplaudido na volta que deu à arena.

Ana Batista: a melhor actuação de sempre

Ana Batista teve a melhor actuação que lhe vimos em Lisboa e provavelmente uma das melhores desta temporada em que comemora 15 anos de alternativa. Vou mais longe: talvez mesmo a melhor actuação da sua carreira.
Dois ferros compridos de praça a praça a esperar e a aguentar até ao fim foram o mote para uma noite de ouro da cavaleira de Salvaterra.
Nos curtos, esteve valente como as armas, entrou destemidamente pelos terrenos do toiro, cravou ferros que resultaram numa tremenda emoção e que foram momentos de uma imensa verdade.

Bastinhas renascido faz "explodir" Campo Pequeno

Marcos Bastinhas renasceu nesta fase final da temporada. Está com outra moral e com outras ganas. Tivera, a meio da temporada, uma presença menos feliz no Campo Pequeno - mas ontem vingou-a. Fez um comovido brinde a seu Pai, que assistia à corrida pela televisão, emocionou-se, cresceu e esteve enorme a receber o toiro, dobrando-se, colocando o oponente onde quis e citando depois do outro lado da arena, vindo ao encontro do toiro assim que este se arrancou, cravando com verdade e emoção, causando uma verdadeira explosão nas bancadas. Foi assim duas vezes, nos dois ferros compridos que demonstraram a decisão, a afirmação e o querer do jovem Bastinhas. Depois, com os curtos, bregando e lidando primorosamente, pôs a praça em verdadeiro alvoroço ferro após ferro. Terminou com um de palmo e com um ousado par de bandarilhas, saltando do cavalo e vindo até ao meio da arena, braços abertos, depois apertados no coração, lágrimas nos olhos, emoção incontida. Por tudo.

Rouxinol Jr. vai ser um caso sério

Fechou a corrida o jovem Luis Rouxinol Júnior e fê-lo da melhor forma, evidenciando grandes progressos, um apurado sentido de lide e uma forma contagiante de chegar ao público. Também, não admira, tem bem a quem sair.
Bem a colocar o toiro, a bregar, a lidar e a cravar, marcou de forma triunfal esta sua primeira apresentação no Campo Pequeno de casaca. Está apto e mais que apto para dar o decisivo passo da alternativa e esperamos que o faça no próximo ano.
O jovem Luis nunca me enganou: vai ser um caso sério. E a história repete-se, se bem que noutros tempos e com novos contextos, hoje sem as dificuldades que de início criaram a seu Pai, um verdadeiro vencedor. Rouxinol Júnior tem valor, tem raça, sabe o que faz e tem o condão de não querer imitar ninguém.Vai ser ele, por ele próprio.

Noite de emoção nas pegas

Noite de emoção nas pegas, a culminar uma temporada que foi de glória para os Forcados.
Manuel Guerreiro abriu a noite pelos Amadores de Lisboa com a arte e a experiência que o caracterizam, consumando, à primeira, uma grande pega. O toiro desviou-se do grupo, deu-lhe um violento derrote para baixo, mas Manuel jamais desarmou ou se deu por vencido. Ficou na cara do toiro, fechado que nem uma lapa, até os companheiros fecharem o cerco. Uma grande pega, repito. E um grande Forcado.
Pedro Gil, outro elemento de eleição do grupo lisboeta, foi o segundo forcado de cara do grupo lisboeta. Esteve muito bem a recuar, fechou-se com ganas, mas acabou derrotado, consumando à segunda com aplaudido valor. 
Eurico Medronheira pegou o quinto toiro à segunda, sem dificuldade de maior e com o grupo a ajudar muito bem.

O pegão de Nuno Santana

Nuno Santana fez o pegão da noite, à segunda tentativa, ao segundo toiro da corrida, primeiro para os Amadores de Alcochete. Na primeira tentativa, aguentou estoicamente até não poder mais. Na segunda, fechou-se com braços de ferro, suportou sem pestanejar um violentíssimo e bem alto derrote e desta feita aumentou o já vasto número de grandes pegas que este ano se viram na primeira arena de Portugal. Deu volta à arena com Salvador e mais uma sózinho, merecida, merecidíssima. Grande Forcado!
A segunda pega dos Amadores de Alcochete (ao quarto toiro da noite) foi estoica e brilhantemente consumada por António José Cardoso, jovem forcado que se vem revelando esta temporada como mais um dos grandes pilares do grupo. Esteve bem a citar, a recuar e a receber, fechou-se com decisão, mas faltaram as ajudas. Na segunda tentativa levou um "bombazo" que o projectou e ao primeiro-ajuda João Rei uns bons metros adiante. Recompôs-se e consumou à terceira, com técnica perfeita e uma impressionante vontade de ficar na cara do toiro, agora com o grupo a ajudar "carregado" e bem.
O último toiro foi pegado pelo cabo Vasco Pinto à segunda. Pega dura na primeira tentativa e depois mais fácil, com o toiro a ir sereno pelo seu caminho e sem dificultar como da primeira vez.
Os dois grupos atravessaram em conjunto a arena no final e foram calorosamente despedidos com os aplausos do público.
Muito bem no desempenho das suas funções o director de corrida Pedro Reinhardt.
Aplausos ao bom desempenho dos toureiros de prata: João Ribeiro "Curro" e António Telles Bastos (um Senhor, eficiente e sereno na colocação para os forcados), José Bartissol, Adriano Marques, Pedro Paulino, Filipe Gravito e Sérgio Silva, Ricardo Raimundo e Gonçalo Veloso, Josué Salvado e Sérgio Silva, bem como os espanhóis da quadrilha de Bohórquez.

Um reconhecimento final

Terminou a melhor temporada dos últimos anos no Campo Pequeno. Já se começa a sentir a nostalgia do defeso. É tempo de fazer balanços e de daqui aplaudir, com justiça e todo o mérito do mundo, a brilhante campanha de 2015 na praça da capital. Há uma equipa empenhada e há o espírito de um por todos e todos por um. Mas permitam-me que destaque o querer e o rigor da Drª Paula Resende e a eficiência e aficion de Rui Bento.
Graças ao louvável entendimento entre ambos (podia não ter acontecido, podia cada qual puxar a corda para seu lado, tudo isto podia ter sido um descalabro para o Campo Pequeno e para a Festa, mas felizmente a administradora da insolvência envolveu-se a fundo neste mundo dos toiros, respeitou a tradição e cumpriu a missão com empenho, com saber e com entusiasmo tornando-se uma verdadeira e empreendedora aficionada e uma grande gestora); graças à união de esforços e ao entrelaçar de decisões, umas mais fáceis, outras menos, tivemos a temporada que tivemos.
E quando os Velhos do Restelo apregoavam o fim do Campo Pequeno, a compra por empresários asiáticos e outras chinesices, a verdade é que eles arregaçaram as mangas, deitaram mãos à obra e montaram os melhores cartéis de sempre. Venha 2016!

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com