Presente! |
A arte, o saber e a classe de Manuel Telles Bastos. Duas excelentes actuações com os toiros de Passanha Sobral e David R. Telles |
Duas soberbas actuações de um "novo" Francisco Palha, seguro, maduro e confiante, bem montado, frente aos toiros de António Silva e Canas Vigouroux |
Miguel Alvarenga - Vila Franca viveu
ontem uma tarde de toiros carregada de emoções, de recordações, de enorme
simbolismo e, acima de tudo, de grande saudade. Saudade de Fernando Palha,
aquela figura inconfundível e ilustre, que nos dava uma imagem de um tempo
outro e que transbordava dignidade e respeito nas bancadas onde, sempre com seu
típico chapéu, honrava as gentes com a sua presença. Na "Palha
Blanco" rendeu-se homenagem ao ganadeiro e também ao Homem. Rendeu-se
homenagem à distinção, ao exemplo, à vida - à diferença com que este Grande
Senhor marcou a Festa.
A filha, Rola Palha, os netos e o
maioral da ganadaria atravessaram à arena, já então emoldurada por campinos e
ficaram ali nos médios, ladeados pelos campinos "Janica" e
"Café", que depois e ao longo da corrida, haveriam também de brilhar
na recolha eficiente de todos os toiros a cavalo. Foi lido um bonito texto onde
se prestou tributo ao homenageado. Ao intervalo, nos corredores da praça,
descerrou-se uma placa a voltou-se a lembrar Fernando Palha pela voz de membros
da Santa Casa da Misericórdia. A Dª Isabel, sua viúva, sua companheira de uma vida,
Senhora exemplar, foram oferecidas algumas lembranças por parte de instituições
e tertúlia taurinas.
Na arena, fez-se a festa e foram os três
cavaleiros, sobrinhos de Fernando Palha, que lhe renderam a maior das
homenagens. O toiro "Romeiro" da sua ganadaria, superiormente lidado
por António Telles (afilhado do homenageado), venceu muito justamente o troféu
para a bravura neste regressado Concurso de Ganadarias da "Palha
Blanco".
O troféu para a apresentação foi também
merecidamente ganho pelo toiro de Canas Vigouroux, não excessivamente grande,
com o tipo e a morfologia que um toiro deve ter e que, além disso, teve digno
comportamento diante de um Francisco Palha muito seguro e muito senhor de si.
O toiro da ganadaria Branco Núncio
inutilizou-se nos curros, no acto de embolação e por isso foi lidado em
primeiro lugar o sobrero de Ribeiro Telles, um toiro bravo e que proporcionou lide
séria e muito bem executada a António Telles, pena que não tenha entrado no
concurso.
O segundo toiro, com um peso excessivo
de 630 quilos (!) pertencia a Passanha Sobral, foi um toiro que impôs seriedade
e que Manuel Telles Bastos lidou na perfeição, conseguindo ferros de muita
emoção e imensa verdade, após colocações perfeitas e brega muito bem
desenvolvida.
O terceiro toiro era de António Silva e
foi manso, procurando ao longo de toda a lide um "buraco" por onde se
escapar à luta. Cedo procurou refúgio nas tábuas e Francisco Palha lidou-o com
saber e garra, arriscando e triunfando. Pisando terrenos de compromisso, pôs a
carne no assador, não cruzou os braços, fez-se à guerra e o resultado foi uma
lide de grande nível, onde o jovem cavaleiro se mostrou seguro e confiante, com
um toureio de muita maturidade e que surpreendeu pela positiva. Está um Senhor
Toureiro.
O toiro de Fernando Palha saíu em quarto
lugar e proporcionou a António Telles uma lide que não se descreve, daquelas
que se sentem no momento e depois não é fácil reproduzir em palavras. O toiro
foi crescendo ao longo da lide e António, moralizado e talvez mesmo emocionado
pelo facto de estar diante do exemplar da ganadaria do seu padrinho, que ali se
recordava, agigantou-se e esteve simplesmente enorme. Assim se toureia, assim
se cumprem à letra todas as regras da arte de tourear a cavalo. Foi um
monumento e tão cedo não se vai esquecer. Grande António! Tanta maestria, tanto
bom gosto, tanto aprumo, tanta arte, meu Deus!
Dizem os antigos que "não há quinto
mau". O toiro de David Ribeiro Telles investiu com alegria e emoção, a
lide de Manuel Telles Bastos foi excelente e uma vez mais marcada pela classe
de um jovem que nunca foi atrás das modas e sempre se manteve fiel ao estilo
"antigo" que aprendeu com o Mestre, seu Avô. Brega rigorosa, emoção
nos cites, ferros de verdade e em terrenos onde não pode haver hesitações, só
mesmo êxitos. Foi assim que triunfou Manuel Telles Bastos neste segundo toiro
do seu lote.
O último toiro, vencedor do troféu de
apresentação, era de Pedro Canas Vigouroux. Um toiro bonito e que se revelou
sério ao longo da lide, com codícia e excelente desempenho. Um toiro que pediu
contas e que teve pela frente o "renovado" Francisco Palha, arrisco
chamar-lhe assim, já que nas últimas temporadas nem sempre foram brilhantes as
suas passagens por arenas nacionais. Desta vez, Palhinha esteve por cima,
demonstrou, repito, maturidade e segurança, voltou a andar tranquilo, senhor
das situações, muito bem montado e cheio de moral. Brindou a sua Tia Isabel,
viúva de Fernando Palha e acho que esse brinde, até às lágrimas, o terá
inspirado. Foi uma lide perfeita. E agora, sim, podemos e devemos voltar a
acreditar num toureiro bom que nunca defraudou ninguém e sempre prometeu que um
dia haveria de dar o salto. Foi ontem. Um forte olé, Francisco!
Sobre as pegas dos Forcados de Vila
Franca e das Caldas, já aqui ficou tudo dito anteriormente. O troféu que tem o
nome do saudoso João Villaverde e que era atribuído pelo segundo ano
consecutivo por louvável iniciativa do empresário Paulo Pessoa de Carvalho, foi
merecidamente ganho pelo Grupo das Caldas, sem que isso tenha desprestigiado,
antes pelo contrário, o brilhante e decidido desempenho dos Amadores de Vila
Franca. Houve competição.
Aplausos para todos os bandarilheiros
participantes e para a também emotiva e brilhante actuação dos fantásticos
campinos "Janica" e "Café", que impuseram a sua arte (é
arte, sim senhor) na recolha dos seis toiros a cavalo, sendo premiados com
justíssima volta à arena no quinto toiro da tarde.
Rogério Jóia dirigiu a função com a
sempre usual aficion e distinção. Esteve bem em todos os pormenores, inclusivé
na exibição do lenço azul, que apesar de se tratar de um Concurso de Ganadarias
e ainda faltar lidar um toiro, permitiu a merecida recolha de aplausos na arena
de Luis Palha, representando a ganadaria de seu pai. Foi também uma distinta
homenagem ao ganadeiro que ali se lembrava, por parte do eficiente e atento
director de corrida.
Por fim, uma única "queixa": a
sombra estava cheia, no sol havia clareiras. A memória de um Senhor como foi
Fernando Palha impunha - e merecia - que os aficionados tivessem ontem esgotado
a "Palha Blanco". Mas na nossa Festa, para mal dos nossos pecados,
nem sempre tudo é como deveria ser. Pena.
Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com