sexta-feira, 7 de julho de 2017

Campo Pequeno: Juan del Álamo, um mago em ebulição

Arte e magia no toureio estático, sólido e templado de Juan del Álamo, um
mago em ebulição
Muito lugar vazio para uma noite de tão bons toureiros. Qualquer coisa não
bate certo neste Portugal das Toiradas...
Justiça para um valente: "El Fandi" pôs Campo Pequeno em alvoroço


Miguel Alvarenga - Se calhar vai ser preciso ressuscitar Mestre Núncio, José Mestre Batista, Zoio, Manuel dos Santos, “Paquirri”, José Falcão, trazer de volta o mítico “El Cordobés”, fazer com que Ruiz Miguel, “Niño de la Capea” e Dámaso González regressem às arenas, sei lá, qualquer coisa para que o público volte a acorrer em força às praças. Uma coisa é certa e não tem discussão: a Festa perdeu o seu glamour de outrora e não há hoje, a confirmar pela pouca presença de público ontem no Campo Pequeno (cerca de um terço de casa), motivos (que é o mesmo que dizer: toureiros, ídolos) que arrastem gente às praças. Não há também a aficion que havia e muito menos a cultura taurina dos antigos. Melhor dizendo: já não há aficionados, estão todos no céu. Hoje vai-se aos toiros por ir. E há corridas a mais. A solução passa drasticamente pela redução de espectáculos, que os haja poucos, mas bons e que cada um seja um acontecimento, como o são (e enchem) os concertos no Meo Arena e noutros espaços. De outra forma, o desinteresse é cada vez maior. E foi assim, lembrem-se, que fechou o Parque Mayer e perdeu a sua chama o teatro de revista.
Grave, também: há uma falta de educação, taurina e cívica, neste publicozinho que hoje vai às touradas. Uma falta de respeito gritante pelos toureiros. Manifestada ontem quando parte do conclave abandonou as bancadas quando ainda faltava tourear - e perderam o melhor da noite, coitados! - o matador Juan del Álamo.
O que é que a empresa do Campo Pequeno precisa de fazer mais para encher a praça? Ontem tourearam dois figurões de Espanha, “El Fandi” e Juan del Álamo. E a praça apresentava uma desoladora e fraca ocupação das suas bancadas, não obstante tratar-se da Corrida “Flash”, que já não se publica como revista, mas apenas online. Alguns convidados da vida social e artística, mas sem o glamour de outros tempos…
João Pedro Bolota trouxe máximas figuras a Santarém e ninguém as foi ver. Em contrapartida, Évora esgotou na sexta-feira e Vila Franca encheu até às bandeiras no domingo. Aqui está a prova do que acabo de escrever: haja menos corridas, haverá mais enchentes.
Na semana passada, entre quarta-feira e domingo, houve oito corridas no continente e duas nos Açores. O pessoal não tem poder de compra para ir a todas. E não há, como havia antigamente, ídolos que levem gente às praças. É necessário e urgente que se repense a Festa, que se faça uma profunda e cuidada reflexão ao estado a que isto chegou. Seja a Protoiro, sejam os senhores empresários, sejam quem for, mas que a façam o mais urgentemente possível. Um dia, pode ser tarde…

Toureio a pé ressurgiu? Já tenho sérias dúvidas…

O toureio a pé estava adormecido e afundado nos mares do esquecimento e emergiu das profundezas repentinamente por obra e graça da fantástica gestão do Campo Pequeno. Houve um tempo antes e um tempo depois daquela noite grande de “El Juli” no “mano-a-mano” com Ventura. Depois prosseguiu com Juan del Álamo, com Finito de Córdoba, com o nosso Manuel Dias Gomes, agora com António João Ferreira e também no ano passado com Morante de la Puebla, mas sobretudo e principalmente com o fenómeno Padilla. Mas acho que ficou por aí.
E já tenho dúvidas, sérias dúvidas mesmo, de que o toureio a pé esteja de novo a ressurgir. O que está a ressurgir é o interesse do público por um toureiro-fenómeno que, à semelhança do que aconteceu com o mexicano Gregório Garcia nos anos 40, está alvoroçar as nossas gentes.
As nossas touradas são (quase) sempre mais do mesmo, era preciso qualquer coisa de novo. E essa qualquer coisa chama-se, apenas e só, Juan José Padilla. Fosse ele toureiro a pé ou toureiro a cavalo. É a novidade. E pronto.
Se eu estou errado, expliquem-me então por que raio dois toureiros tão bons como “El Fandi” e Juan del Álamo (sobretudo este, que acaba de explodir em Madrid) não levaram ontem quase ninguém ao Campo Pequeno
É ou não é preciso repensar tudo isto, mas repensá-lo a sério e sem o romantismo do costume, tipo deixa andar?...

“El Fandi”, o todo-poderoso

David Fandilla “El Fandi” é um toureiro todo-poderoso e um profissionalão de se lhe tirar o chapéu. Ontem no Campo Pequeno houve toureiros, mas faltaram toiros. Os de Falé Filipe, que durante um período de estado de graça foram os eleitos para o toureio a pé, sairam ontem mansos, sem casta e sem raça. Só o último, o “Dominante” com o nº 228, se assemelhou - e bem - ao que era antigamente esta belíssima ganadaria.
“El Fandi” criou alvoroço na praça com as bandarilhas. Tem, na realidade, um poderio do outro mundo e domina como poucos esse vistoso tércio tão do agrado da aficion portuguesa. O que ele faz, parece fácil e o domínio sobre o toiro, seja bom ou seja mau (como foram os de ontem), é uma constante da presença do valoroso matador de Granada na arena.
Antes de bandarilhar, brilhou nos dois toiros e nos quites feitos aos de Álamo, com o capote. “El Fandi” desenhou arte e voltou a demonstrar pleno domínio, fazendo alarde das suas atléticas e poderosas faculdades.
Com a muleta, nos dois toiros, foi de uma entrega extrema e fez das tripas coração para obrigar os toiros a investir, andou, andou e andou até conseguir os seus propósitos. Chama-se a isso pundonor, profissionalismo, honestidade e respeito pelo público pagante. Lisboa reconheceu-lhe o brio e premiou-o com aplaudidas voltas à arena.

Juan del Álamo... e a magia se fez arte

Juan del Álamo andava há três anos a bater à porta, até que a abriu de par em par e saiu aos ombros pela (porta) grande de Madrid, a mais importante do mundo. Tinha dito que isso um dia ia acontecer, estava-se à espera que isso ocorresse a todo o momento e a hora finalmente chegou. Reconheça-se, por inteira justiça, o seu mérito enorme. Mas também o mérito e o trabalho desenvolvido pelo nosso Rui Bento, que foi, dos poucos, aquele que mais acreditou nele e na esperança que se adivinhava de um dia vir a explodir.
Ontem no Campo Pequeno, Juan del Álamo reafirmou que vive indiscutivelmente o seu momento de ouro. Está um toureiro com convicção, com confiança em si próprio e com atitude, senhor das situações, ciente de que pode com todos os toiros e nenhum o vai travar.
O seu primeiro Falé era um manso perdido. E Álamo não baixou os braços. Foi à luta, entregou-se, expôs-se e arrimou-se, terminando por sacar, com brilhantismo e muito esforço, a faena que o toiro não tinha, nem ninguém sonhava que tivesse. Foi uma faena de tremendo valor e bem demonstrativa do toureio que vai dentro de Álamo. E, sobretudo, do momento de serenidade e de grandeza que o toureiro vive.
A compensação veio depois no último toiro da noite, o único que prestou e que foi um toiro quase de bandeira. Cedo Juan del Álamo se apercebeu de que tinha ali matéria para triunfar e então a magia veio acima. A primeira série de “derechazos”, com um sabor e uma profundidade que é só apanágio dos eleitos, foi o mote para uma faena de sonho, em que esteve o toureiro centrado, confiante nas suas potencialidades, revelador do que lhe vai na alma. Fechou-se em si mesmo e esqueceu tudo. Toureou apenas. Com arte, com gosto, com recorte. Deu duas voltas à arena, houve quem criticasse o “excesso”. Por mim, dava quatro ou cinco. E tinha-as merecido por inteiro. Grande Álamo! Um mago em ebulição.

E de novo Parreirita...

Os dois toiros lidados a cavalo também não serviram. Mansos, parados, reservados, sem codícia e sem raça. Com arrancadas perigosas, a defender-se, em nada ajudaram à consagração, que todos esperávamos, dos dois jovens cavaleiros que, por seus méritos próprios, na quinta-feira anterior, tinham ganho a honra de estar ali ontem naquele cartel.
Jacobo Botero protagonizou uma lide demasiado irregular, com altos e baixos e evitáveis toques nas montadas, que retiraram brilhantismo à sua actuação. Não repetiu, nem de longe, nem de perto, o triunfo que conquistara uma semana antes.
Parreirita Cigano voltou a chamar as atenções e voltou também a dizer que é a grande revelação do toureio a cavalo. E que pode ser diferente e marcar. Muito mais sério e a dar muito mais emoção, o Veiga Teixeira da alternativa, na semana anterior, permitira-lhe um brilhantismo elevado qua ontem Parreirita não repetiu porque o toiro de Falé Filipe lhe não permitiu. É verdade que procurou o toureio de frente e as sortes de verdade e conseguiu-o nalguns ferros, mas a lide, embora boa e meritória, ficou algo aquém do que todos e ele próprio, certamente, esperávamos.
Valeu a atitude, o querer e a ousadia deste toureiro novo que, acreditem, vai dar muito que falar. Não dorme na fila e quando menos esperarem, vai explodir como Álamo explodiu em Las Ventas. Está a prometer isso com todas as forças que lhe enchem a alma. Um toureiro de alma, isso mesmo.

Tarefa dura do Aposento da Moita

Os valentes forcados do Aposento da Moita não tiveram ontem tarefa nada fácil com dois toiros de Falé Filipe que lhes deram água pela barba. Foi, como se dia na gíria, uma verdadeira noite de “sopa de corno”. Até doeu a quem assistia…
Ruben Serafim citou muito bem e recuou sem contudo mandar na investida do toiro, que arrancou solto e não lhe permitiu fechar-se, projectando-o no ar a ele e aos companheiros. A segunda tentativa foi igual. Só a terceira, com as ajudas carregadas, o brioso forcado conseguiu consumar a pega.
Para a segunda saltou à arena Leonardo Mathias, um jovem valor que se vem afirmando e ontem voltou a confirmar todo o seu brio. Fechou-se que nem uma lapa, aguentou todos os violentos derrotes até mais não poder nas duas primeiras tentativas, sempre com escassez de ajudas. À terceira foi de vez, com uma enorme primeira ajuda de Bernardo Cardoso e o grupo a fechar bem. Deslocou um ombros e recolheu à enfermaria.
Não houve voltas à arena para os forcados. Mas ficou bem patente o valor deles todos frente a toiros que não queriam, por nada deste mundo, ser pegados.
Nota alta para a diferença do valoroso peão de brega Joaquim de Oliveira, da quadrilha de Parreirita, toureando com suavidade, sem nunca deixar tocar o capote, fazendo as coisas com saber. Nota alta, também, para a quadrilha de Álamo com as bandarilhas no último toiro. Destaque para a eficiência na brega de Pedro Roldán e de “Jarocho”, sobretudo.
Tiago Tavares dirigiu com muita aficion e competência a corrida de ontem, assessorado pelo médico veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva e o cornetim José Henriques destacou-se, como sempre, pela sua arte.
Ao início da corrida guardou-se um minuto de silêncio em memória de Carlos Alecrim, que durante muitos anos chefiou a equipa de socorristas da Cruz Vermelha no Campo Pequeno; pelo novilheiro mexicano Ramiro Alejandro Celis, que morreu na semana passada vítima de cornada; e por Dª Maria do Carmo Barata, proprietária do restaurante dos aficionados “Casa das Enguias” e mãe do antigo forcado e ex-empresário tauromáquico António Manuel Barata Gomes.
É tudo de uma noite marcada pela magia de Juan del Álamo, pelo poderio arrasador de “El Fandi” e por mais uma chamada de atenção do jovem cavaleiro Parreirita Cigano - numa corrida que devia servir para todos pensarmos, reflectirmos e encontrarmos uma solução. Porque uma praça sem público com dois figurões de Espanha em cena reflecte que qualquer coisa não está a bater certo neste Portugal das Toiradas

Fotos Maria Mil-Homens