A manchete do "Correio da Manhã" do dia seguinte, reproduzida no livro biográfico de Mário Coelho, da autoria de António de Sousa Duarte |
Henrique de Carvalho Dias foi um dos poucos repórteres que registaram as imagens de emoção da tarde de Setembro de 1984 na Moita. Aqui, a estocada de Mário Coelho |
Loucura e apoteose na praça da Moita |
Mário Coelho com o rabo e as orelhas do "Corisco", acompanhado pelo seu bandarilheiro e apoderado Mário Freire |
Diamantino Vizeu assumiu nessa tarde a direcção da corrida, depois da estocada de Mário Coelho |
Mário Coelho no banco dos réus, com António Luis de Castro, filho do ganadeiro Ernesto de Castro, vendo-se também à esquerda o matador de toiros Diamantino Vizeu e o empresário Jorge Pereira dos Santos |
Recorte da última página do "Diário Popular" (Setembro de 1984): os empresários Jorge Pereira dos Santos e Manuel Bento, promotores da corrida, foram multados em 65 contos cada |
Em tempo de quarentena e porque estamos (ou devemos estar) fechados em casa, tempo para lembrar a tarde histórica de 12 de Setembro de 1984, quando Mário Coelho matou na Moita o toiro "Corisco" de Ernesto de Castro
Cumprem-se 36 anos no próximo mês de Setembro. Era a tarde de 12 de Setembro de 1984, Feira da Moita, corrida à espanhola, com picadores, com o matador português Mário Coelho (ao tempo com 48 anos) e os espanhóis Pedro Gutiérrez Moya "Niño de la Capea" e Paco Ojeda, sendo os toiros da ganadaria de Ernesto de Castro.
Mário Coelho deu nessa tarde um estocada fulminante ao toiro "Corisco", que deixou a praça em delírio. Cortaram as orelhas e o rabo ao toiro e o diestro passeou-as numa apoteótica volta à arena aos ombros. O primeiro matador de toiros português Diamantino Vizeu assumiu então o lugar de director de corrida, depois de a autoridade ter abandonado a praça face ao acto do matador.
"Entusiasmado por uma corrida à espanhola, cujo curro apresenta toiros com cinco anos, naturalmente em pontas, picadores e ao lado de duas figuras máximas da tauromaquia espanhola e mundial, Mário decide acabar com a vida de 'Corisco', da ganadaria de Ernesto de Castro", recorda o jornalista e escritor António de Sousa Duarte no livro biográfico do matador vilafranquense ("Mário Coelho - Um Homem Inteiro", Âncora Editores), acrescentando:
"O caso culminou com Mário Coelho sentado no banco dos réus e um Ministério Público desesperado por lhe aplicar uma pena exemplar. Mas as suas alegações na sala de audiências e a narração, entusiástica e genuína, de um acto não premeditado mas simplesmente contagiado pela emoção e pelo apoio vibrante do público terão contribuído para uma sentença apesar de tudo tolerável e não extremada".
Os dois empresários promotores da corrida, Jorge Pereira dos Santos e Manuel Bento, foram condenados em multas de 65 contos cada, como aqui nos recorda um recorte do jornal "Diário Popular" da época.
À margem do sucedido, conta António de Sousa Duarte no livro, António Luis de Castro, filho do ganadeiro Ernesto de Castro e hoje responsável pela ganadaria Fernandes de Castro, "mantém ainda hoje a acusação a Mário Coelho por ter estoqueado um toiro que 'daria um possível semental', pois, sublinha, 'tratava-se de um toiro que tinha sido muito mimado para reproduzir e a prova disso é que deu uma lide de bandeira'. O ganadeiro queixa-se de que quando protestou nas trincheiras com o toureiro levou uma bofetada de David Medina, um matador mexicano que se encontrava na teia e que não perdoou a António Castro a tentetiva de perturbar a onda de entusiasmo gerada pelo golpe misericordioso do matador português".
Trinta e seis anos depois, Mário Coelho afirma, no livro, a Sousa Duarte ter "uma ideia muito vaga do sucedido" e enfatiza:
"A verdade é que aqueles momentos foram um êxtase indescritível e não me passa pela cabeça que perderia tempo com alguém que protestasse o que quer que fosse, não é?".
Mário Coelho viria a retirar-se das arenas seis anos depois da estocada na Moita, no ano de 1990, na praça de toiros do Campo Pequeno, onde seu filho, o também matador de toiros Mário Vizeu Coelho, lhe cortou a coleta.
Dezassete anos depois, em Setembro de 2001, também Pedrito de Portugal matou um toiro da ganadaria de Conde Cabral nessa mesma arena da praça moitense "Daniel do Nascimento". A juísa Sandra Conceição, do Tribunal da Moita, condenou-o ao pagamento de uma coima de 100 mil euros. No julgamento, foram várias as personalidades que testemunharam a favor de Pedrito de Portugal, entre as quais o político Pedro Santana Lopes, o fadista Nuno da Câmara Pereira e o jornalista Miguel Alvarenga.
Desde que as touradas de morte foram proibidas em Portugal em 1928, estas não foram as duas únicas estocadas que agitaram a aficion e o país. No final dos anos 50, Manuel dos Santos e seu primo António dos Santos também mataram toiros no Campo Pequeno. Em 1974, José Falcão estoqueou também um toiro na arena de Lisboa. Em 1977, a 7 de Maio, a praça de Vila Franca de Xira viveu uma tarde de muita emoção com José Júlio, António de Portugal e o toureiro venezuelano Rayito da Venezuela também a matarem os toiros. Armando Soares e Parreirita Cigano foram outros matadores que estoquearam toiros nos anos que se seguiram ao 25 de Abril.
Fotos Henrique de Carvalho Dias e D.R.