terça-feira, 7 de abril de 2020

Jaime Amante recorda: "A famosa data do Guarany fica para a História do Campo Pequeno, mas não só..."



Jaime Martínez Amante recorda ao "Farpas" alguns episódios ocorridos no célebre Domingo de Páscoa de 1977 quando Fernando Guarany se colocou dentro de um caixão à porta do Campo Pequeno, história que ontem aqui relembrámos

O Jaime Amante (foto de cima) tem uma memória prodigiosa e estes episódios que hoje aqui nos recorda vêm agora a propósito, primeiro porque têm a ver com um dia que ontem aqui relembrámos, depois porque são histórias que, à falta de outras, nos ajudam a passar em casa este período conturbado e enlouquecedor de quarentena. E é para isso que aqui estamos.
Ao Jaime, todos conhecem. Foi crítico tauromáquico, canta o fado - e canta bem! - e foi o mais famoso dos nossos toureiros cómicos. Formou em Portugal o grupo "El Gran Totó" (que ainda recentemente aqui recordámos também) e depois integrou durante vários anos o famosíssimo grupo taurino-cómico espanhol "El Bombero Torero". Foi e ainda é moço de espadas.
Esta história tem a ver com o dia 10 de Abril de 1977, Domingo de Páscoa, quando havia ainda a tradição de se inaugurar nessa tarde a temporada taurina em Portugal e muito concretamente na praça da capital, a do Campo Pequeno.
Foi precisamente nessa manhã que, como ontem aqui lembrámos, o toureiro brasileiro Fernando Guarany (foto ao lado) se prostrou às primeiras horas à porta da praça de toiros vestido de toureiro e dentro de um caixão - que a Polícia depois apreendeu - reclamando uma oportunidade para ali actuar.
Na corrida dessa tarde tomou a alternativa o saudoso cavaleiro José Francisco Varela Crujo, apadrinhado por Mestre David Ribeiro Telles e pelos matadores José Júlio e Armando Soares. Lidaram-se oito toiros do Dr. Ortigão Costa e pegaram os forcados Amadores de Beja, a terra de Varela Crujo.
E Jaime Amante recorda-nos:
- Nesse mesmo dia houve três corridas num raio de 50 quilómetros. Uma numa praça portátil em Algés, creio que organizada pelo antigo matador Fernando dos Santos e em que se apresentava em Portugal a novidade do momento, o sevilhano Gabriel Puerta, sobrinho do grande Diego Puerta; e outra no Montijo cujo cartaz era composto por D. José João Zoio e Emídio Pinto e os matadores Gabriel Puerta e António de Portugal. Lidaram-se toiros (roubados de Cunhal Patrício) em nome de uma Cooperativa Agrícola Torre dos Coelheiros e pegavam os Amadores do Montijo.
- Gabriel Puerta estava anunciado nas duas corridas à mesma hora?...
- Isso mesmo! Gabriel Puerta aparecia anunciado nos dois espectáculos no mesmo dia e à mesma hora. Isso originou uma troca de galhardetes entre as duas empresas, que chegou a ter eco na comunicação social e no final o toureiro espanhol acabou por ir tourear a Algés.
- E quem o substituiu no Montijo?
- Para substituir o matador sevilhano no Montijo, o Senhor João Mascarenhas (creio que era o organizador da corrida) contratou em cima da hora outro sevilhano chamado Curro Camacho, que actuaria passados cinco dias na Feira de Sevilha. Curro Camacho chegou a Vila Franca na véspera da corrida, no sábado, sózinho, sem quadrilha e sem moço de espadas. Eu na altura era ajudante de moço de espadas na quadrilha do António de Portugal, cujo moço de espadas era o popular Chana. E acabei por ser o moço de espadas ao serviço do sevilhano Camacho. E chegamos então domingo ao Montijo.
- E não sabiam de nada do que tinha acontecido nessa manhã no Campo Pequerno, da história do Guarany dentro do caixão?
- Nada! Vivia-se uma época muito revolucionária, pós-25 de Abril (1974), as pessoas andavam muito agitadas com a política, não havia a Ponte Vasco da Gama e não havia, sobretudo, telemóveis.
- E como souberam então?
- Quando chegámos ao Montijo de manhã, para fazer o sorteio, não havia meio de aparecer o José Agostinho dos Santos, que era o apoderado do Emídio Pinto. Esperou-se, esperou-se e a empresa e o director de corrida acharam por bem atrasar o sorteio até que ele chegasse. Mas como o tempo passava e José Agostinho não chegava, decidiram por fim começar o sorteio dos toiros. E mesmo na altura em que se iniciava, chegou o José Agostinho, super aborrecido, completamente fora de si, todos percebemos que alguma coisa tinha acontecido. O José Agostinho trabalhava desde os tempos do seu primo Manuel dos Santos na empresa do Campo Pequeno e nesse momento continuava a trabalhar lá, depois da morte de Manuel dos Santos, com o filho deste, Manuel Jorge Díez dos Santos, que ao tempo liderava a empresa.
- E foi então que souberam?
- Foi. A barafustar por todos os lados, o José Agostinho contou que logo de manhã recebera um telefonema do Manuel Jorge a pedir-lhe para passar pelo Campo Pequeno pois "estava um maluco na porta principal dentro de um caixão a pedir uma oportunidade para tourear". E essa fora a razão do atraso, ele que era sempre super pontual. E foi assim que todos soubemos ali no Montijo da história do Fernando Guarany. Muitos de nós, quando a corrida acabou, fomos ao Campo Pequeno ver o toureiro brasileiro, que ali permanecia e permaneceu durante um mês, mas já sem o caixão...
- E o tal Curro Camacho, como esteve no Montijo?
- Mal, nada de especial. Cinco dias depois, a 15 de Abril, toureou em Sevilha também sem pena nem glória, apesar de se ter cruzado, lembro-me bem, com um toiro fantástico dos Herdeiros de Salvador Guardiola Fantoni, o terceiro da corrida, que se chamava "Comando Gris" e foi premiado com volta à arena no arraste. Curro Camacho foi assobiado nesse toiro e silenciado no seu segundo. Rapartiu nessa tarde cartel com José Luis Parada e Manuel Rodríguez e toureou ainda o rejoneador Fermín Bohórquez.

Fotos Emílio de Jesus/Arquivo e D.R.