Jaime Martínez Amante recorda ao "Farpas" alguns episódios ocorridos no célebre Domingo de Páscoa de 1977 quando Fernando Guarany se colocou dentro de um caixão à porta do Campo Pequeno, história que ontem aqui relembrámos
O Jaime Amante (foto de cima) tem uma memória prodigiosa e estes episódios que hoje aqui nos recorda vêm agora a propósito, primeiro porque têm a ver com um dia que ontem aqui relembrámos, depois porque são histórias que, à falta de outras, nos ajudam a passar em casa este período conturbado e enlouquecedor de quarentena. E é para isso que aqui estamos.
Ao Jaime, todos conhecem. Foi crítico tauromáquico, canta o fado - e canta bem! - e foi o mais famoso dos nossos toureiros cómicos. Formou em Portugal o grupo "El Gran Totó" (que ainda recentemente aqui recordámos também) e depois integrou durante vários anos o famosíssimo grupo taurino-cómico espanhol "El Bombero Torero". Foi e ainda é moço de espadas.
Esta história tem a ver com o dia 10 de Abril de 1977, Domingo de Páscoa, quando havia ainda a tradição de se inaugurar nessa tarde a temporada taurina em Portugal e muito concretamente na praça da capital, a do Campo Pequeno.
Foi precisamente nessa manhã que, como ontem aqui lembrámos, o toureiro brasileiro Fernando Guarany (foto ao lado) se prostrou às primeiras horas à porta da praça de toiros vestido de toureiro e dentro de um caixão - que a Polícia depois apreendeu - reclamando uma oportunidade para ali actuar.
Na corrida dessa tarde tomou a alternativa o saudoso cavaleiro José Francisco Varela Crujo, apadrinhado por Mestre David Ribeiro Telles e pelos matadores José Júlio e Armando Soares. Lidaram-se oito toiros do Dr. Ortigão Costa e pegaram os forcados Amadores de Beja, a terra de Varela Crujo.
E Jaime Amante recorda-nos:
- Nesse mesmo dia houve três corridas num raio de 50 quilómetros. Uma numa praça portátil em Algés, creio que organizada pelo antigo matador Fernando dos Santos e em que se apresentava em Portugal a novidade do momento, o sevilhano Gabriel Puerta, sobrinho do grande Diego Puerta; e outra no Montijo cujo cartaz era composto por D. José João Zoio e Emídio Pinto e os matadores Gabriel Puerta e António de Portugal. Lidaram-se toiros (roubados de Cunhal Patrício) em nome de uma Cooperativa Agrícola Torre dos Coelheiros e pegavam os Amadores do Montijo.
- Gabriel Puerta estava anunciado nas duas corridas à mesma hora?...
- Isso mesmo! Gabriel Puerta aparecia anunciado nos dois espectáculos no mesmo dia e à mesma hora. Isso originou uma troca de galhardetes entre as duas empresas, que chegou a ter eco na comunicação social e no final o toureiro espanhol acabou por ir tourear a Algés.
- E quem o substituiu no Montijo?
- Para substituir o matador sevilhano no Montijo, o Senhor João Mascarenhas (creio que era o organizador da corrida) contratou em cima da hora outro sevilhano chamado Curro Camacho, que actuaria passados cinco dias na Feira de Sevilha. Curro Camacho chegou a Vila Franca na véspera da corrida, no sábado, sózinho, sem quadrilha e sem moço de espadas. Eu na altura era ajudante de moço de espadas na quadrilha do António de Portugal, cujo moço de espadas era o popular Chana. E acabei por ser o moço de espadas ao serviço do sevilhano Camacho. E chegamos então domingo ao Montijo.
- E não sabiam de nada do que tinha acontecido nessa manhã no Campo Pequerno, da história do Guarany dentro do caixão?
- Nada! Vivia-se uma época muito revolucionária, pós-25 de Abril (1974), as pessoas andavam muito agitadas com a política, não havia a Ponte Vasco da Gama e não havia, sobretudo, telemóveis.
- E como souberam então?
- Quando chegámos ao Montijo de manhã, para fazer o sorteio, não havia meio de aparecer o José Agostinho dos Santos, que era o apoderado do Emídio Pinto. Esperou-se, esperou-se e a empresa e o director de corrida acharam por bem atrasar o sorteio até que ele chegasse. Mas como o tempo passava e José Agostinho não chegava, decidiram por fim começar o sorteio dos toiros. E mesmo na altura em que se iniciava, chegou o José Agostinho, super aborrecido, completamente fora de si, todos percebemos que alguma coisa tinha acontecido. O José Agostinho trabalhava desde os tempos do seu primo Manuel dos Santos na empresa do Campo Pequeno e nesse momento continuava a trabalhar lá, depois da morte de Manuel dos Santos, com o filho deste, Manuel Jorge Díez dos Santos, que ao tempo liderava a empresa.
- E foi então que souberam?
- Foi. A barafustar por todos os lados, o José Agostinho contou que logo de manhã recebera um telefonema do Manuel Jorge a pedir-lhe para passar pelo Campo Pequeno pois "estava um maluco na porta principal dentro de um caixão a pedir uma oportunidade para tourear". E essa fora a razão do atraso, ele que era sempre super pontual. E foi assim que todos soubemos ali no Montijo da história do Fernando Guarany. Muitos de nós, quando a corrida acabou, fomos ao Campo Pequeno ver o toureiro brasileiro, que ali permanecia e permaneceu durante um mês, mas já sem o caixão...
- E o tal Curro Camacho, como esteve no Montijo?
- Mal, nada de especial. Cinco dias depois, a 15 de Abril, toureou em Sevilha também sem pena nem glória, apesar de se ter cruzado, lembro-me bem, com um toiro fantástico dos Herdeiros de Salvador Guardiola Fantoni, o terceiro da corrida, que se chamava "Comando Gris" e foi premiado com volta à arena no arraste. Curro Camacho foi assobiado nesse toiro e silenciado no seu segundo. Rapartiu nessa tarde cartel com José Luis Parada e Manuel Rodríguez e toureou ainda o rejoneador Fermín Bohórquez.
Fotos Emílio de Jesus/Arquivo e D.R.