Manuel Andrade Guerra morreu ao princípio da noite de ontem, terça-feira, aos 75 anos de idade (cumpridos no passado dia 20), depois do seu estado clínico se ter agravado substancialmente na manhã desta segunda-feira, após duas semanas internado na Unidade de Cuidados Intensivos da Ala Covid do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. O Jornalismo e o mundo tauromáquico perdem um dos seus maiores e mais respeitados vultos.
Manuel José de Sá Osório de Andrade Guerra nasceu em Lisboa em 20 de Novembro de 1946. Iniciou a sua carreira jornalística no “Diário de Notícias”, então dirigido por Augusto de Castro, sendo a Redacção chefiada por João Coito.
Em 1971 partiu para Angola integrado num Batalhão de Cavalaria, como oficial miliciano. Permaneceu ano e meio na Zona Militar Leste, onde foi ferido em campanha sem gravidade e recebeu um louvor pela sua acção como Comandante de Grupo de Combate. Posteriormente ocupou o cargo de Comandante Militar de Benguela.
Após o seu regresso ao “Diário de Notícias” - onde, além das funções jornalística, assinou também críticas tauromáquicas - participa activamente, por altura do chamado Verão Quente de 1975, no célebre “Grupo dos 24”, que defendeu a liberdade de Imprensa, resistindo à “ditadura” editorial então ali imposta pelo novo director do jornal, o escritor José Saramago, com o apoio da célula comunista. Tal atitude valeu aos vinte e quatro jornalistas a expulsão do seu local de trabalho, uma arbitrariedade que mais tarde viria a ser considerada ilegal pelas autoridades judiciais.
Foi um dos fundadores do matutino “O Dia”, dirigido por Vitorino Nemésio e David Mourão-Ferreira, onde permaneceu até 1979, ano em que participa, como subchefe de Redação, no lançamento do semanário “Dez de Junho”, o orgão de informação que revelou o nascimento da Aliança Democrática. Neste jornal exerce também as funções de crítico tauromáquico a par com o Dr. Fernando Teixeira e José Sampaio (também antigo jornalista do “Diário de Notícias” e co-organizador, com Raúl Nascimento, das célebres Corridas da Imprensa no Campo Pequeno), trio que se denominava o dos “três Dons” (D. Fernando, D. Manuel e D. José).
Em 1978 desempenhou funções de cronista parlamentar da Rádio Renascença, por impossibilidade temporária do titular do cargo, José Salvado.
A partir de 1980 faz parte da Chefia de Redacção do “Correio da Manhã” e em 1991 Vitor Direito nomeou-o Director-adjunto daquele jornal, que entretanto conquistara a liderança no âmbito da imprensa diária. Sob a sua chefia, o “Correio da Manhã” passa a ser o orgão de informação que mais espaço dedica diariamente à Tauromaquia, através da pena dos críticos Américo Saraiva Mendes e José Manuel Severino.
Nesse mesmo ano de 1980, José Eduardo Moniz convida-o a intervir numa série de debates na RTP, que foram os primeiros programas políticos , ao vivo e em directo, com a participação de público. Entretanto, foi também, fundador e Chefe de Redacção do semanário de espectáculos “Êxito”.
Em 2000 começa a desenvolver o projecto “Combatentes do Ultramar”, a convite do jornalista e produtor espanhol Manuel Campos Vidal. Só no ano de 2002, a série inicial de três episódios, cada um com a duração de uma hora, foi exibida repetidamente num total de noventa horas pelo Canal História. O êxito alcançado levou a que o tema adaptasse periodicidade semanal, mantendo-se o programa até 2006.
Na sua também actividade sócio-cultural, Andrade Guerra era membro decano da Direcção do Prémio Infante D. Henrique, presidido pelo Duque de Bragança, a cujo Gabinete pertenceu durante onze anos.
Membro do Círculo Eça de Queiroz e da Associação de Amizade Portugal-Estados Unidos, era actualmente Presidente Emérito da Real Tertúlia Tauromáquica D. Miguel I, instituição fundada em 1979 por Vitor Escudero, Miguel Alvarenga, João Pedro Cecílio e José da Cunha Mota e que mais tarde (há trinta anos) Andrade Guerra reformou, tendo-lhe D. Duarte de Bragança atribuído o título de Real.
Enquanto presidente da Real Tertúlia, instituiu os Troféus ao Mérito, que distinguiram anualmente figuras do mundo tauromáquico e homenageou também diversas individualidades com o título de Sócio de Honra, entre as quais a Condessa de Barcelona, Dª. Maria de las Mercedes de Bourbon (cujo diploma integrou pessoalmente no Camarote Real da Monumental de Madrid). Foi também fundador do Clube dos Combatentes.
Manuel Andrade Guerra possuía cinco condecorações, entre as quais a Medalha de Mérito do Voluntariado.
No âmbito tauromáquico, a sua aficion revelou-se quando era ainda criança. Iniciou em 1970 a actividade de cronista, em simultâneo com a de Jornalista profissional. Presidiu ao II (Santarém) e ao III (Salvaterra de Magos) Congressos Nacionais de Tauromaquia.
Foi, durante seis anos consecutivos, comentador do programa televisivo “Festa Brava” e participou, desde 1974, em mais de uma centena de conferências e colóquios.
Colaborou também em diversas obras literárias - foi, com Rui Oliveira, responsável pela coordenação dos textos de vários autores no livro comemorativo dos 125 anos da inauguração da praça de toiros do Campo Pequeno - e escreveu quatro livros: “João Moura - o Mito e as Efemérides” (1998), “Combatentes do Ultramar - Memória da Geração que Viveu a Guerra” (2003), “A Dor da Nação” (2005”) e “Cavaleiros - Heróis com Arte” (2009), a sua última obra, dada à estampa, como as outras três, com a colaboração fotográfica de Marques Valentim e na qual abordou as carreiras dos cavaleiros tauromáquicos D. Francisco de Mascarenhas, Luis Miguel da Veiga e D. José João Zoio.
Fotos Marques Valentim e D.R.
Os dois livros sobre Tauromaquia escritos por Andrade Guerra: "João Moura - o Mito e as Efemérides" (1988) e "Cavaleiros - Heróis com Arte" (2009) |