terça-feira, 30 de julho de 2024

Espanha chora a morte do "Nino Sábio": a noite em que fui aos fados em Lisboa com Paco Camino

Paco Camino em Lisboa com Amadeu dos Anjos
fotografados por M. Alvarenga em 1991

Miguel Alvarenga - Era um homem simples, discreto, com imenso sentido de humor, cheio de interesse, espécie de anti-herói, como se não tivesse sido, apenas e só, um dos maiores ídolos do mundo tauromáquico do século passado. Conheci "El Nino Sábio" nos inícios da década de 90, quando aqui passou uma semana em Lisboa com o seu - e meu - grande amigo Amadeu dos Anjos. E foram dias inesquecíveis.

Paco Camino tinha 83 anos e morreu esta madrugada no Centro Hospitalar de Navalmoral de la Mata, onde estava internado há alguns dias por agravamento dos problemas de de saúde que o afectavam há já vários anos.

A sua história é conhecida e está contada hoje em todos os sites e jornais espanhóis. Abriu em doze ocasiões a Porta Grande da Monumental de Madrid, onde ficou na História a tarde de 4 de Junho de 1970, a Corrida da Beneficência, em que matou seis toiros em solitário e cortou oito orelhas; tomou a alternativa em 17 de Março de 1960 em Valencia, apadrinhado por Jaime Ostos, com o testemunho de Juan García "Mondeño", cortando duas orelhas, uma a cada toiro da ganadaria Urquijo. Confirmou-a no ano seguinte em Madrid com Júlio Aparício como padrinho e o testemunho de José Maria Clavel.

Paco Camino foi padrinho de alternativa dos matadores portugueses José Simões (em Badajoz, a 24 de Junho de 1963, sendo testemunha "El Viti"), de Amadeu dos Anjos (em Salamanca, a 13 de Setembro de 1963, sendo testemunha "El Cordobés") e de José Falcão (em Badajoz, a 23 de Junho de 1968, com "Paquirri" a testemunhar) e toureou inúmeras vezes em Portugal, inclusivé no célebre festival de 16 de Outubro de 1966 no Campo Pequeno em que morreu o cavaleiro Joaquim José Correia. Organizado por João de Castro, seu compadre, um dos seus grandes amigos portugueses.

Nesses princípios da década de 1990 a que em cima me referia, mais concretamente em 1991, passei com Paco Camino, na companhia de Amadeu dos Anjos, aquilo a que se podem chamar uns dias históricos em Lisboa

Numa manhã, fomos tirar fotografias junto a alguns monumentos emblemáticos da capital, como a estátua do Marquês de Pombal e a Torre de Belém - numa reportagem para o semanário "O Título".

Entrevistei o Maestro numa esplanada em Belém, momentos que não esqueço, em que recordou as suas passagens por Portugal, as suas noites de glória no Campo Pequeno, a sua amizade de muitos anos com João de Castro, seu compadre, o aficionado que organizava precisamente todos os anos o festival a favor do Orfanato-Escola Santa Isabel e que o deixou de promover depois da trágica morte de Quim-Zé em 1966 - no último.

Numa noite, fomos aos fados ao "Velho Pátio de Sant'Anna". Paco Camino vinha com sua Mulher Isabel. Passámos um serão "à portuguesa" com os fadistas Beatriz da Conceição e Nuno de Aguiar. E também com o João Duarte. E o nosso querido Amadeu.

Paco Camino regressaria dois anos depois a Portugal para receber um dos Troféus ao Mérito outorgados pela Real Tertúlia Tauromáquica D. Miguel I, que nesse ano distinguiriam também o matador José Júlio, o cavaleiro Emídio Pinto e o bandarilheiro Carlos Falcão.

Manuel Andrade Guerra, saudoso presidente da Real Tertúlia, tinha uma admiração enorme por Paco Camino, a quem referenciava como "o seu toureiro" e um dos maiores do século XX.

Espanha e o mundo taurino choram esta manhã a morte do seu ídolo. O "Niño Sábio" de Camas, a terra que o viu nascer, foi um dos toureiros mais inteligentes e mais brilhantes de toda a História. Nunca apareceu outro igual.

Que em paz descanse.

Fotos M. Alvarenga, Marques Valentim, Henrique de Carvalho Dias e D.R.

No "Velho Pátio de Sant'Anna" em Lisboa, 1991: Amadeu dos
Anjos, M. Alvarenga e o Maestro Paco Camino
Ness mesma noite de fados, com o fadista Nuno de Aguiar
(ao fundo, à esquerda) e o proprietário do "Pateo de Sant'Anna"
Em Lisboa, no jantar da Real Tertúlia (1993), com Miguel
Alvarenga e seu pai, Comandante João Carlos D'Alvarenga

Os quatro distinguidos nessa noite pela Real Tertúlia, com o
presidente Manuel Andrade Guerra (atrás): Paco Camino, José
Júlio, Emídio Pinto e Carlos Falcão

Fotografado por Carvalho Dias num festival na "Palha Blanco".
Na foto de cima, com Gustavo Zenkl, vendo-se atrás Inácio
Saraiva, o histórico apoderado de José Mestre Batista
Concedendo a alternativa a Amadeu dos Anjos
em 1963 em Salamanca, com "El Cordobés"
como testemunha
E aqui dando a alternativa a José Falcão em Junho de 1968 em
Badajoz, com "Paquirri" como testemunha
4 de Junho de 1970, a loucura em Madrid: toureou seis toiros e
cortou oito orelhas!
Paco Camino foi um dos maiores toureiros do
século XX