Miguel Alvarenga, 57 anos de idade, 40
anos de jornalismo. Com um estilo próprio de escrita, uma postura de verdade
doa a quem doer, cedeu-nos uma entrevista nesta data marcante. Parabéns,
Miguel!
Entrevista de Luis Miguel Pombeiro
- Viemos entrevistar-te porque não
estávamos nas bancas quando comemoraste 40 anos de Jornalismo. Conta-nos um
pouco da tua história, que jornais, etc. etc.
- Cedo me apercebi de que a escrita e o
jornalismo eram a minha paixão. Eu acho que não se aprende a ser jornalista,
nasce-se jornalista, depois podemos aperfeiçoar-nos, como em tudo na vida.
Comecei cedo, escrevia no jornal da minha turma no Colégio Valsassina, depois
comecei a publicar uns artigos no jornal "Cidade de Tomar", cidade de
onde a minha Família, pelo lado paterno, é natural. E em 1976 iniciei-me a
sério, com 18 anos, no jornal "O Diabo", fazendo parte, como
estagiário, da equipa dirigida por Vera Lagoa e que nesse ano fundou o jornal,
vão passados exactamente 40 anos. Passei por outros jornais, nomeadamente por
"A Rua" e "O Crime" (de que fui director), depois fundei
"O Título", o "Festa Brava" e mais tarde o
"Farpas", que se mantém agora em formato digital.
- Na Tauromaquia consideras-te mais
aficionado ou mais jornalista?
- Primeiro que tudo, jornalista. Logo,
aficionado. Mas confesso que, como as coisas estão hoje em dia, sou muito menos
aficionado do que era quando comecei, quando com 7 ou 8 anos comecei a ir aos
toiros com meu Pai. Ser aficionado, hoje em dia, é o mesmo que ser Madre Teresa
de Calcutá... Suporta-se tudo com cara de bondade...
- Colocam-te o epíteto de
"polémico". Achas que o és?
- Se ser polémico é, como Vera Lagoa me
ensinou, não arquivar queixas da gaveta, pôr o dedo nas feridas quando é
preciso pô-lo, denunciar os escândalos e contar as verdades, por mais incómodas
que sejam, então, sim, sou polémico. Podem chamar-me muitas coisas, nunca me
importei com o que dizem de mim. Desde que me leiam... e, na verdade, lêem!
- Abusas da tua liberdade de Jornalista?
- Já fui acusado disso... mas continuo a
dormir descansado e ando de consciência tranquila. Graças a Deus!
- Muitas vezes és mal entendido?
- Muitas vezes há quem,
propositadamente, não me queira entender... ou prefira fazer outras
interpretações e tirar as ilacções que lhe são mais propícias, do que eu falo
ou escrevo. Mas eu suporto bem essas más interpretações, já estou habituado há
anos e continuo a ser à prova de bala...
- Como vês o actual momento da nossa
Festa?
- Mal. Há raríssimos empresários a
sério, como havia, noutro tempo, homens como Manuel dos Santos, Alfredo Ovelha,
Manuel Gonçalves e tantos mais. Há raríssimos empresários a sério e há muita
gente a dar corridas. Há interesses, trocas e baldrocas, está tudo ao revés.
Quem triunfa não é repetido, quem tem valor fica em casa. Enfim, isto precisava
de levar uma volta radical. Há um assustador amadorismo na Festa em Portugal,
há muito poucos profissionais e por isso isto está como está. E não evolui.
Basta dizer que as corridas continuam a ser pessimamente promovidas, com os
mesmo cartazes dos anos 60, sem o recurso às novas tecnologias... e isto é o
único espectáculo onde à noite se vendem bilhetes para... o sol e para a
sombra! Acho que está tudo dito... e assim...
- Os jovens vão vingar?
- Que remédio têm eles! Se não vingarem,
têm que ir para casa, não podem andar aqui a arrastar-se... Hoje já nenhum
toureiro tem força para levar gente às praças e a realidade é que os veteranos
ainda são quem maior interesse desperta. Há muitos toureiros bons entre os jovens,
mas todos eles têm ainda um longo percurso a percorrer até chegarem aos
calcanhares dos pais. E isto, falando dos que são filhos de figuras...
- E as empresas?
- Como disse anteriormente, há muito
amadorismo e poucos empresários a sério.
- Achas que há corridas a mais?
- Acho que sim. O Júlio Iglésias enche o
Pavilhão Atlântico, agora denominado Meo Arena, porque só cá vem cantar quando
o rei faz anos. O Toni Carreira enche-o porque só ali se apresenta uma vez por
ano. Se fossem lá cantar todas as semanas aquilo estava vazio. E na tauromaquia
é igual, tem que haver profissionalismo. E isso passa por uma redução drástica,
mas drástica mesmo, do número de corridas. Não quero exagerar e isso seria
impensável, mas se houvesse vinte corridas de toiros por ano em Portugal,
estavam esgotadas e a tauromaquia passaria a ser um acontecimento, como o são
os concertos musicais. Agora, com corridas "todos os dias" em
localidades ao lado umas das outras e sempre com os mesmos nomes, como querem
que isto volte a ter prestígio, grandeza, glamour?...
- És saudosista?
- Sou doentiamente saudosista e
defenderei até morrer que antigamente tudo era bom e hoje é quase tudo mau. O
progresso, as tecnologias modernas, tudo isso é horrível. Prefiro uma máquina
de escrever a um computador, uma máquina fotográfica daquelas a sério a uma
"metralhadora digital" com as que se usam hoje e que fazem até de um
macaco um grande fotógrafo, já que em cento e tal disparos num ferro, há-de
haver sempre uma grande foto! No que às corridas e à tauromaquia diz respeito,
antigamente, repito, isto era um mundo de grandeza, de glamour, de respeito...
hoje é uma balda total, onde todos podem entrar e querer mandar, onde qualquer
um penetra sem ter nada a ver com este mundo. Estamos ao deus-dará... em todas
as vertentes da Festa e em todas as suas frentes. Infelizmente, é impossível
não ser saudosista!
Foto Ana de Alvarenga/Arquivo