quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Moita: afinal, onde anda o público do toureio a pé?...

Miguel Alvarenga - Preso por ter cão e preso por o não ter, vá lá a gente entender esta (dita) aficion lusitana. Se os empresários não dão corridas a pé ou mistas, cai o Carmo e a Trindade porque não se apoiam os novilheiros e os matadores e se está a matar o toureio a pé. Se as dão, o público não vai (foi assim em Lisboa, voltou a ser assim ontem na Moita) porque não há cavaleiros nem forcados, por isto e por aquilo. Em que ficamos?...

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, já o dizia o grande Luis Vaz de Camões há muitos anos. Noutros tempos - que mudaram... - as corridas eram sempre mistas, lembro-me até do Campo Pequeno encher (anos 60) quando Manuel dos Santos promoveu a corrida dos três grandes de Vila Franca, José Júlio, Mário Coelho e José Falcão. Lembro-me das célebres Corridas da Imprensa que organizavam os meus queridos amigos Raúl Nascimento e José Sampaio, sempre na primeira quinta-feira de Agosto no Campo Pequeno e sempre com as grandes figuras de Espanha, "Paquirri"Dámaso González, Robles, "Capea", Ruiz Miguel, Ojeda. Lisboa esgotava e o toureio a pé tinha um esplendor enorme.

Os tempos mudaram. A partir dos anos 80, os empresários passaram a ser, na sua maioria, antigos forcados e a aposta passou a ser nos cavaleiros. Os matadores de sempre estavam cansados e eram já "antigos". Até aparecer Vitor Mendes e depois Pedrito houve um interregno que mudou as mentalidades do público. Moura estava no auge. E as corridas mistas foram desaparecendo.

Hoje temos outra vez bons matadores de toiros nacionais - e ontem estavam dois deles na Moita -, os empresários (alguns) tentam de novo reimplantar o toureio a pé, mas está a custar o público aderir. 

A corrida de ontem na Moita tinha toiros a sério de três boas ganadarias. Tinha dois dos novos valores do nosso toureio a pé, o moitense "Cuqui" e o já mais internacional "Juanito". E mesmo assim o público não compareceu, não correspondeu minimamente ao esforço do empresário Ricardo Levesinho, como semanas antes não tinha correspondido ao esforço do empresário Luis Miguel Pombeiro em Lisboa.

Pedrito de Portugal foi o último - e, a brincar, a brincar, já lá vão uns bons trinta anos... - a revolucionar de novo o toureio a pé em terras de Portugal. Bem sabemos que por trás estava essa força e essa dinâmica do grande e insubstituível Fernando Camacho, mas a realidade é que o toureiro fez-se por ele e arrastou multidões.

Temos agora "Cuqui", "Juanito", Manuel Dias Gomes, António João Ferreira, Nuno Casquinha, o novo matador João Diogo Fera e novilheiros que prometem e se estão a afirmar, casos de Peseiro, de Duarte Silva, de Filipe Martinho, de João D'Alva e de outros. Só falta a genialidade de um Camacho para fazer o resto...

Está morto outra vez o toureio a pé? Morto não estará, mas a avaliar pela corrida do Campo Pequeno e pela de ontem na Moita, muito bem de saúde também não estará...

Saibamos agradecer ao empresário Levesinho o esforço e o entusiasmo com que montou, cheio de ilusão, a corrida de ontem. Saibamos agradecer e reconhecer a entrega, a vontade, a atitude e o imenso querer com que ontem à noite estiveram na Moita os matadores "Cuqui" e "Juanito". E que a corrida de ontem nos sirva, pelo menos, para que façamos uma reflexão e possamos um dia entender porque carga de água (que nunca chegou a haver, felizmente) o público se continua a estar nas tintas para o toureio a pé.

Acredito que seja desmotivador para um toureiro entrar na arena e ver as bancadas tão despovoadas como ontem estavam. E por isso dou ainda mais valor à entrega, à atitude e ao valor que tiveram "Cuqui" e "Juanito".

Lidaram-se toiros de três ganadarias: Oliveira, Irmãos (segundo e terceiro), sérios, exigentes, bonitos e com sentido; Ascensão Vaz (com menos qualidade, ilidável, quase, o quinto, de meias investidas e mansote o sexto); e Nuñez de Tarifa (dois toiros sérios, a pedir contas, a impôr verdade e emoção).

"Cuqui" é um toureiro fino e sóbrio, sem espalhafatos, com sentimento e com alma. Recebeu o primeiro da noite, da ganadaria espanhola Nuñez de Tarifa, com uma afarolada de joelhos em terra, a mostrar a decisão com que ali estava. Desenhou depois bonitas verónicas e com a muleta impôs a sua arte e o seu poderio numa faena bem estruturada e variada, com bonitas pinceladas de toureio fino. O toiro acabou-se cedo.

No de Oliveira, Irmãos, voltou "Cuqui" a plantar na arena a constância do seu valor. Menos toureado que o companheiro de mano-a-mano, nem por isso deixou de se impor e de confirmar, uma vez, que é, na realidade, um belíssimo toureiro. 

O quinto toiro, manso e sem classe, de Ascensão Vaz, não lhe deu opções. Valeu o esforço, o profissionalismo e a entrega de "Cuqui", que fez das tripas coração para tentar não desiludir ninguém. Toureiro bom!

"Juanito" está mais toureado e já canta na antecâmara da alta roda do toureio em Espanha. É mais esfuziante, mais tremendista, comunica mais com o público. A falta de público ontem pode não ser um presságio muito positivo para a "encerrona" que vai protagonizar em Outubro na "Palha Blanco". Lá está, "Juanito" está a seguir passo a passo o mesmo caminho que fez Pedrito, mas os tempos são outros e, repito, falta agora por trás um Camacho...

É um toureiro bom, artista, com coração, valente, ousado, atrevido, lidador poderoso. O seu primeiro toiro, de Oliveira, Irmãos, tinha teclas para tocar, tinha sentido. E "Juanito" esteve valente com ele, pôs a carne no assador.

No quarto da ordem, de Nuñez de Tarifa, um toiro sério também, voltou a conquistar o (pouco) público da Moita. Sofreu aparatosa e violenta colhida, mas mesmo diminuído e combalido voltou "à guerra" sem pestanejar, sem virar a casa, feito herói, com raça e valor, reafirmando a sua vontade e o seu querer. É um valente.

Depois de ter estado na enfermaria a ser assistido, regressou para lidar o último toiro, de Ascensão Vaz, animal com meias investidas e complicado, a que deu a volta com todos os argumentos, impondo-se como lidador e fazendo valer a sua arte. O público rendeu-se ao toureiro esforçado. 

"Juanito" já dera uma volta à arena no seu segundo toiro (das que agora não são permitidas, mas pelos vistos continuam a ser consentidas...) e voltou a dar outra neste último. Saíu da Moita em triunfo, mas é preciso e é justo afirmar que "Cuqui" não saíu por baixo. Não teve foi direito a também dar voltas à arena. E merecia-as.

O director de corrida Tiago Tavares permitiu as duas voltas de "Juanito". Como já na véspera o director de corrida Fábio Costa permitira a volta ao forcado David Solo. Não os vou criticar por isso. Mas, ou há moralidade ou comem todos. Entendam-se de uma vez por todas com a IGAC e a DGS se já se podem outra vez dar voltas à arena ou não. E cumpram-se as regras. Mas não pode é ser umas vezes assim e outras vezes assado...

Espremendo, espremendo, o mano-a-mano de ontem teve momentos - mas não foi uma coisa deslumbrante. Houve toiros sérios e houve toureiros empenhados. Não houve, não era caso para tal, saída aos ombros, apesar das pressões que no final se verificaram junto de Pedro Brito de Sousa, presidente da Sociedade Moitense de Tauromaquia, que é ali quem mais ordena quanto ao abrir da porta grande.

E houve outro grande triunfador da noite. E porque os últimos são os primeiros, tiro o meu chapéu ao grande Cláudio Miguel, o maior no tércio de bandarilhas, que ontem cravou, como sempre, dois pares colossais, ele que ao início da corrida recebera na arena o prémio de melhor bandarilheiro da Feira Taurina do ano passado e ontem se assumiu como o mais sério candidato a voltar a ganhá-lo este ano.

Dois grandes pares de bandarilhas, também, de Tiago Santos no primeiro toiro. E destaque ainda para Jorge Alegrias e para Miguel Batista, que não estivera feliz nas primeiras intervenções, mas depois se redimiu cravando um par fabuloso. Os espanhóis da quadrilha de "Juanito" passaram por ali sem pena nem glória com as bandarilhas, certamente acusando a falta de varas. O costume.

O toiro de Ascensão Vaz lidado por "Cuqui" em quinto lugar demorou uma eternidade a recolher aos currais e nem o labor dos eficazes campinos, nem as tentativas do bandarilheiro Cláudio Miguel o demoveram da sua mania de ficar na arena... Foi o embolador Luis Campino que resolveu o problema, mais o filho, empurrando o animal para dentro. E com isso perdemos ali mais de meia hora...

Direcção acertada de Tiago Tavares, que esteve assessorado pelo médico veterinário Carlos Santos.

Ao início da corrida e porque em Dezembro do ano passado não se realizou, pelas restrições da pandemia, o habitual jantar de entrega de prémios da Sociedade Moitense de Tauromaquia aos triunfadores da Feira Taurina/2020, receberam os seus troféus na arena o matador "Cuqui", o bandarilheiro Cláudio Miguel, o ganadeiro João Folque (Palha) e o matador Luis "Procuna" (Troféu Prestígio). Os prémios para o melhor cavaleiro da feira do ano passado (João Telles) e a melhor pega (Aposento da Moita) serão entregues na corrida desta noite.

E esta noite há mais. A tradicional corrida dos cavaleiros, em que se vai comemorar o 70º aniversário do Restaurante "Casa das Enguias", um dos santuários da boa gastronomia nacional, a casa de todos os aficionados na Margem Sul.

Fotos M. Alvarenga

O toiro de Ascensão Vaz lidado em quinto lugar por "Cuqui"
só entrou "de empurrão"... e com isto perdemos ali mais de
meia-hora...