Ontem no final da "corrida portátil" em Loures com o Maestro João Moura |
Miguel Alvarenga - Nunca fui grande entusiasta de touradas em praças portáteis, antes pelo contrário. Mas entendo a sua importância para levar a Festa a terras distantes de localidades que têm praças fixas - o que não era ontem propriamente o caso na corrida a que fui em Loures, a escassos quilómetros de Lisboa. Onde, como se sabe, existe o Campo Pequeno...
Seja como for, Loures já teve corridas, ao tempo promovidas por José Carlos Amorim, e já lá não se realizavam touradas há uns bons anos. E a verdade é que a população local e das redondezas, sobretudo da região Oeste, marcou presença e quase encheu as bancadas da portátil - instalada há já alguns dias num terreno inclinado, mas depois de feita uma terraplanagem que assegurou a segurança da praça e a endireitou. Ninguém nas bancadas caiu para o lado e a arena também estava certinha.
Um assunto que provocou alguma celeuma e levou até (pasme-se) algumas respeitáveis figuras do meio taurino a alertar a IGAC para o facto de a praça "correr riscos de cair"... Não caiu, ainda lá está de pé - e o espectáculo foi um sucesso. E andaram por lá os inspectores da IGAC a vigiar a coisa...
Não foram os anti-taurinos (esses até são mais pacíficos do que se imagina...) que criaram complicações ao empresário António Pedro Vasco, promotor da corrida. Esses, estavam lá em baixo, ao fundo do terreno onde a praça estava instalada, manifestando-se como de costume, desta vez sem grande número de antis e também sem muito alarido. Eram quase mais os agentes da Polícia que por lá se viam, ao lado deles, do que propriamente os protestantes...
Quem criou maiores atritos à realização desta (louvável) corrida em Loures, foram os próprios agentes da Festa - o que é altamente lamentável. O empresário, antigo forcado, que em Agosto promove mais corridas na zona, nomeadamente no Livramento e na Malveira, aguentou firme todas as tentativas de boicote. E levou o barco a bom porto, apoiado pela população, que disse "presente!" e encheu três quartos da lotação da praça.
Bem dirigida por Tiago Tavares, que esteve assessorado pelo médico veterinário Jorge Moreira da Silva, a corrida (com seis toiros e um novilho) decorreu em bom ritmo, sem tempos mortos e para isso contribuiu o bom desempenho dos cavaleiros e sobretudo o dos forcados, que despacharam a papeleta sem problemas de maior com seis pegas à primeira e só uma à segunda, como aqui referi em pormenor anteriormente.
Lidaram-se três toiros do Engº Jorge de Carvalho, o primeiro, o sexto e o sétimo, muito bem apresentados, "com teclas", exigentes, acusando apenas um toque de mansidão o lidado em sexto lugar por Sónia Matias, mas que mesmo assim serviu. O último, de excelente nota, deu ao ganadeiro, que vinha de um grande triunfo na noite anterior na Nazaré, honras de merecida volta à arena.
E lidaram-se outros três toiros do ganadeiro nortenho Higino Soveral (segundo, terceiro e quinto) e ainda um novilho da mesma ganadaria, lidado em quarto lugar pelo cavaleiro praticante Diogo Oliveira. Mais pequenos, os toiros de Higino Soveral (procedência Sommer D'Andrade) tiveram qualidades de lide, à excepção do segundo da ordem, lidado por Sónia Matias, que não era bravo, mas antes bravio e andarilho, com alguma maldade. O novilho lidado em quarto lugar foi de nota alta, também premiado com volta do ganadeiro à praça e regressou ao campo para semental da ganadaria dos campos de Coimbra.
No contexto geral, há que destacar que os toiros proporcionaram um bom espectáculo, não dificultaram a vida aos forcados e divertiram o público. Digamos que os do Engº Jorge de Carvalho tiveram apresentação e trapio muito acima do que se exige numa praça portátil e os de Higino Soveral tiveram presença aceitável para uma corrida deste tipo, onde as exigências são obviamente inferiores às de uma praça de primeira.
O Maestro Moura, que 24 horas antes deixara a praça de Évora em verdadeira loucura com uma daquelas suas actuações à antiga, reafirmou ontem na desmontável em Loures que continua na linha da frente. Que pena não cuidar de si, não fazer a eternamente prometida (e nunca cumprida...) dieta. Seria tudo tão diferente...
Mesmo assim, João Moura esteve notável na lide do primeiro e excelente toiro de Jorge de Carvalho e depois também no de Higino Soveral, toiro de boa nota, fazendo alarde da maestria eterna.
Sónia Matias lidou em segundo lugar o tal toiro bravio e andarilho de Higino Soveral, que não lhe deu sossego e nunca se fixou, um toiro daqueles à antiga que se tinham que lidar à meia volta. Sónia é valente como as armas, não virou a cara às contrariedades do oponente e teve uma actuação de valor, reconhecida e aplaudida pelo público.
No seu segundo, de Jorge de Carvalho, mansote, mas a deixar-se tourear, veio-lhe a raça acima outra vez e deixou ferros de excelente nota, reconquistando o público que já tinha estado com ela na primeira actuação.
David Gomes não começou bem a lide do terceiro toiro, de H. Soveral, deixando o primeiro comprido cravado na pata do toiro, o que, de certa forma, condicionou depois o seu comportamento. Mas emendou-se e acabou por protagonizar uma lide agradável, com destaque para a brega e a ferragem curta.
No sexto, um bravo exemplar de Jorge de Carvalho, com trapio e presença, a arrancar-se de todos os terrenos, David Gomes (que brindou aos Maestros João Moura e Manuel Jorge de Oliveira) esteve grande, demonstrando atitude, ambição, muito querer e evidenciando as suas extraordinárias qualidades de grande equitador e bom toureiro - cujo valor nem sempre tem sido reconhecido pelas principais empresas deste país. David arrasta público da sua zona (Malveira), toureia com verdade, faz falta nos bons cartéis. Triunfo importante, a chamar as atenções.
Nunca tinha visto tourear o praticante Diogo Oliveira, pese embora o facto de já ter lido opiniões de críticos insuspeitos que lhe apontavam qualidades. E confesso que me surpreendeu pela positiva. Altamente, mesmo. Lidou em quarto lugar o belíssimo novilho de Higino Soveral que foi indultado e fez alarde do bom equitador que é e do toureiro ambicioso e ousado que não vai ser só mais um.
Primou Diogo por excelente brega e destacou-se sobretudo em dois grandes ferros curtos, em sortes de frente, a vencer o piton contrário, cravando de alto a baixo como mandam as regras. Deixou a mensagem de que tem futuro.
Boas intervenções de todos os bandarilheiros que ontem coadjuvaram as lides dos quatro cavaleiros, com destaque para a experiência de Nuno Silva ("Rubio"), de João Bretes e de Pedro Paulino ("China").
Como já referi, pegaram os forcados do Ribatejo, da Moita e de Arruda dos Vinhos, em tarde triunfal com seis pegas à primeira e só uma dos Amadores da Moita à segunda, mas mesmo assim boa.
Valeu a pena o santo sacrifício de ter ido a esta corrida em praça portátil e em tarde de muito calor, quase sem ter dormido, poucas horas depois de ter regressado a casa vindo da grande corrida de sábado na Nazaré. Valeu a pena o esforço do empresário António Pedro Vasco, que venceu de cabeça erguida a guerra que lhe fizeram cá dentro, isto é, desencadeada por figuras da própria Festa (que tristeza...).
À corrida assistiu Nelson Batista, vereador da Câmara de Loures, a quem os forcados brindaram uma pega. E também Carla Galrão, presidente da Junta de Freguesia da Malveira. E muito público local, além de alguns toureiros e aficionados dos que vão a todas.
Fotos Paco Duarte e M. Alvarenga
Ganadeiros Jorge de Carvalho e Higino Soveral premiados com voltas à arena |