sexta-feira, 5 de julho de 2024

Campo Pequeno: Forcados mantêm acesa e viva a chama olímpica da nossa Tauromaquia

Miguel Alvarenga - A fina flor da aficion nacional encheu ontem de glamour, de classe e deu ares de antigamente à bonita praça de toiros do Campo Pequeno, que estava cheia até às bandeiras, da bancada às galerias, passando pelos camarotes. Terá faltado vender pouco mais de 100 bilhetes para esgotar a lotação da Catedral. Para a próxima (8 de Agosto) há que conquistar essa vitória. 

Os aficionados têm que entender de uma vez por todas que, com apenas quatro corridas por ano, cada uma delas é uma batalha que tem que ser por todos nós vencida. Esgotar o Campo Pequeno é a maior prova que podemos dar de que queremos o Campo Pequeno e de que não queremos que a "Nossa Casa" deixe de ser a "Nossa Casa" - entendam isso, mas entendam-no depressa, que depois pode já ser tarde demais.

O ambiente que se viveu foi enorme e à antiga. Lisboa parecia ontem a Lisboa dos grandes tempos, a Lisboa "de outras eras e das toiradas reais", dos anos de ouro. O "Rubro", ainda para mais agora com o fecho do vizinho "Carnalentejana", estava esgotado há uma semana. E também não foi fácil arranjar mesa nos outros restaurantes da zona. Na praça esteve a fina flor da nossa tauromaquia - e muitos estrangeiros. Chineses, sobretudo. E, como no final me dizia o aficionadíssimo Carlos Anjos, constatámos ali que os chineses gostam de touradas. Pombeiro fez um belíssimo trabalho junto das unidades hoteleiras da capital, trouxe muitos turistas, como acontecia antigamente, ao Campo Pequeno. Regresso ao passado.

E aficionados e toureiros, estavam os melhores. Do México, por exemplo, veio o antigo cavaleiro Gaston Santos, filho do também cavaleiro do mesmo nome, recentemente falecido, que foi o primeiro mexicano a receber no Campo Pequeno a alternativa de cavaleiro tauromáquico, das mãos de Mestre Núncio. E, se calhar, ninguém o reconheceu e ninguém se lembrou de lhe fazer um brinde - que teria sido bonito e com o qual se teria homenageado a memória do Senhor seu Pai.

Homenagens houve a dois dos maiores Forcados do último século - Nuno Megre (glória eterna do Grupo de Santarém) e João Cortes (histórico forcado e ex-cabo do Grupo de Montemor). Os mais novos podem nunca os ter visto pegar, mas certamente que já ouviram histórias sobre os seus feitos. De novo na arena (faltou darem uma volta), Megre e Cortes trouxeram-me à memória tantas noites de glória que nos proporcionaram nesta e noutras praças. Quando saltavam a uma arena, agigantavam-se e escreviam páginas de imensa História. E foi isso, essa trajectória, esse tempo de glória, que ontem ali se homenageou.

O empresário Luis Miguel Pombeiro entregou galardões aos dois históricos Forcados. E depois, no final da lide do terceiro toiro, os cabos dos dois grupos actuantes, Francisco Graciosa (Santarém) e António Cortes Pena Monteiro (Montemor) fizeram também a entrega de lembranças aos seus antigos Forcados.

Ao início da corrida, o empresário rendeu também homenagem à ganadaria Murteira Grave, na pessoa do seu proprietário Dr. Joaquim Grave, que esta temporada comemora o 80º aniversário da sua fundação.

Foi, em suma, uma noite de lembranças, de celebrações e de muito glamour. Podemos - e devemos! - ir aos toiros a muitas praças, mas quando vamos à do Campo Pequeno é, e será sempre, uma coisa diferente.

Nesta primeira corrida da temporada (curta temporada de apenas quatro corridas) lidaram-se e pegaram-se seis toiros de verdade e de nota alta da emblemática ganadaria Murteira Grave, que é sempre sinónimo de grandes emoções. Sem pesos excessivos, com o trapio característico dos toiros da Herdade da Galeana, com mobilidade e transmissão, os seis Graves foram exigentes, pediram contas, tinham muitas teclas para tocar, em suma, não foram, não são nunca, "toiros com que se brinque", muito pelo contrário.

Pelo resultado geral, mas sobretudo porque não houve um toiro mau, foram todos toiros de nota alta, Joaquim Grave tinha merecido ser aplaudido numa volta à arena. Mas isso não aconteceu... Estranhos vão os tempos...

João Moura Júnior apresentou-se ontem no Campo Pequeno com uma casaca creme, a lembrar aquela outra que seu pai vestiu muitas vezes nos anos primeiros da revolução mourista em praças como esta e a de Madrid.

Não entendeu Mourinha o primeiro Grave da noite, toiro complicado, exigente, mas que o cavaleiro complicou ainda mais. Permitiu João que fosse o poderoso "Azahar", que tinha o número 13, a mandar e a impor as regras na arena. Sofreu uma queda e um susto grande junto às tábuas e apesar de esse incidente o ter "encastado", as coisas não correram de feição neste primeiro toiro. Não ouviu música, nem foi autorizado a dar volta à arena. Não foi um fracasso, nem deu Moura um petardo. Apenas não esteve lá como costuma sempre estar...

João Moura Jr. é indiscutivelmente um líder e é um toureiro grande, dos de cima. Demonstrou-o no quarto toiro, onde pôs a carne no assador, arriscou ao máximo em ladeios a um milímetro do toiro, pôs o público a suspirar nas bancadas e deu a volta à situação, desta vez com música e com ferros de grande emoção. Terminou com duas mourinas extraordinárias, reconquistando o público que não gostara de o ver estar por baixo no primeiro toiro. Acontece aos melhores e todas as noites não são sempre noites de grande sucesso.

Ontem, neste "duelo de veteranos", com o novo Telles "à perna", Marcos Bastinhas foi o grande triunfador nos dois toiros que lhe tocaram, dois Graves "a apertar", que lidou superiormente e com verdade, com maestria e com risco, galvanizando o púbico, levantando até os mais "conservadores" da bancada.

Senhor da situação, Bastinhas foi buscar o seu primeiro Grave à "porta dos sustos", aguentou a fortíssima carga do toiro e depois parou-o, deixou-o colocado onde quis e cravou um primeiro comprido de poder a poder, com a raça e a ousadia que o caracterizam. Depois, abriu o compêndio e deu uma lição. Lide completa e vibrante, onde tudo foi perfeito. Público em euforia.

No quinto toiro, outro Grave exigente e a pedir contas, sem permitir deslizes ou desatenções, Bastinhas esteve ainda mais alegre, mais moralizado e outra vez mais toureiro. Está num momento fantástico e a praça veio de novo abaixo com uma lide de valor, de grande expressão, de atitude e plena de maestria uma vez mais. Encontrou toiro em todos os terrenos, provocou-o, citou-o com decisão, pisou a linha de risco e deixou ferros em sortes de muita emoção. Um triunfo importante e sonante de Marcos Bastinhas nesta primeira nocturna da capital.

O jovem António Telles, que aqui recebeu a alternativa há um ano, foi uma aposta ganha dos empresários. Os maldizentes do costume foram críticos quanto à inclusão de Telles Filho no cartel, que ainda não se justificava vir abrir a temporada do Campo Pequeno, que o cartel assim "ia coxo", e mais isto e mais aquilo... Mas dias antes (domingo), António a todos disse no Montijo que estava preparado e mais que preparado para este desafio. E ontem confirmou tudo isso.

Ainda jovem, António ganhou já um lugar de destaque no Campo Pequeno. Fez-se à vida com dois Graves, sem as coisas facilitadas. E esteve à altura do grande desafio, sobretudo no seu primeiro toiro, o terceiro da noite, um Grave para homens de barba rija e que ele lidou como um adulto, sendo ainda "um menino". Brega impecável, sentido de lide notável, coração de valente. E, mais importante que tudo, a tourear como ensinam os livros antigos. 

O último Grave também metia respeito e impunha seriedade e emoção. António Telles voltou a estar em alto nível, demonstrando atitude, serenidade e segurança no que faz. Não houve um falhanço, a lide resultou perfeita e emotiva. O público esteve com ele. Fechou a noite com chave de ouro.

Uma nota final para aplaudir as discretas e oportunas intervenções de todos os bandarilheiros: Benito Moura, Francisco Marques e José Maria Maldonado Cortes (de João Moura Jr.); Gonçalo Veloso e Cláudio Miguel (Bastinhas); João Ribeiro "Curro" e Fernando Fetal (Telles Filho).

Em mais uma jornada de competição, os forcados de Santarém e Montemor estiveram, como estão sempre, à altura do exigente desafio frente aos toiros de Murteira Grave. Para grande toiros, grandes Forcados - e assim voltou ontem a acontecer.

Já de seguida, falarei em pormenor das seis pegas. Limito-me agora a referir que por Santarém foram forcados de cara João Faro (à primeira), Francisco Cabaço (o herói da noite, com um pegão de outra galáxia) e Joaquim Grave (com uma pega extraordinária e o grupo a ajudar coeso e em força); e por Montemor pegaram o cabo António Cortes Pena Monteiro e Joel Santos de cernelha (à segunda entrada); Francisco Borges (grande pega ao primeiro intento) e José Maria Cortes Pena Monteiro (outra pega de nota alta, à segunda tentativa).

A corrida foi bem dirigida por Lara Gregório de Oliveira (só faltou mesmo conceder a Joaquim Grave a honra de uma mais que merecida volta à arena), que esteve assessorada pelo conceituado médico veterinário Jorge Moreira da Silva, com os toques, como é habitual, a cargo do emblemático cornetim da primeira praça, José Henriques.

No camarote vip, acompanhado pelos presidentes da ProToiro e da Associação de Toureiros, Francisco Macedo e Nuno Pardal, dignou-se assistir à corrida Filipe Anacoreta Correia, vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, em representação do presidente Carlos Moedas. Ao final, desceu à trincheira e cumprimentou os artistas.

Uma nota final de congratulações por, finalmente, se ter substituído a aparelhagem sonora do Campo Pequeno. Ouviu-se clara e nitidamente tudo aquilo que disse Margarida Calqueiro. Até que enfim! Mais vale tarde que nunca!

E uma importante e bem verdadeira constatação que se tira desta primeira corrida do Campo Pequeno: ainda são os Forcados que enchem de emoção as praças e mantêm acesa e viva, contra tudo e contra todos, a chama olímpica da nossa Tauromaquia!

Fotos M. Alvarenga


O empresário Luis M. Pombeiro homenageou ao início da corrida
os gloriosos e recordados Forcados João Cortes e Nuno Megre e
também Joaquim Grave pelo 80º aniversário da fundação da
emblemática e triunfadora ganadaria Murteira Grave
Cabos dos grupos de Santarém e Montemor também renderam
homenagem aos seus antigos Forcados Cortes e Megre