José V. Claro - Depois da tempestade, a bonança. O público português é bondoso, carinhoso, estilo "quanto mais me bates, mais gosto de ti". E ainda bem que assim é. E ainda bem que assim foi ontem. A "Palha Blanco" estava cheia, três quartos fortíssimos da lotação preenchidos, ambiente de entusiasmo, a noite que Rui Salvador merecia para fechar a porta, em glória e em grande forma, a uma carreira de muita dignidade e tremenda importância na história da tauromaquia lusitana.
Ricardo Levesinho pode estar a atravessar um momento complicado, mas não se pode esquecer que é há vinte anos um empresário sério, empreendedor, dinâmico e com história escrita. Se a corrida de ontem tivesse sido um fracasso, como muitos vaticinavam depois da escandaleira de domingo, isso poderia ter significado o princípio do fim de um empresário que faz falta à Festa e a quem, ocorra neste momento o que ocorrer, devemos respeito e admiração.
Felizmente, a Feira de Vila Franca começou com um triunfo monumental na novilhada de sábado - que, como já o Miguel aqui escreveu, consagrou sem dúvidas nenhumas os jovens Marco Pérez e Tomás Bastos como os grandes triunfadores desta temporada - e depois de uma tempestade no domingo, terminou em grande com a tradicional corrida de terça-feira com cavaleiros e forcados, os da terra, na sua habitual encerrona. Que foi uma vez mais triunfal.
Lidaram-se toiros de distintas ganadarias, a prosseguir esta manta de retalhos que tem caracterizado muitas touradas este ano em Portugal. Há falta de toiros, toda a gente sabe disso. E por isso lidam-se numa corrida exemplares de diferentes ganadarias. Touradas de remendos a que, para disfarçar, chamam "concursos de ganadarias". Já repararam na série de inusitados e descabidos concursos de ganadarias que houve este ano? Não era normal isso acontecer com esta frequência... Enfim...
Antes da corrida, houve actuação de um rancho folclórico de Aveiras de Cima e a fadista Teresa Tapadas a cantar. E os cavaleiros ali especados no meio da arena a olhar...
Homenageou-se Rui Salvador. E depois começou a corrida propriamente dita.
A corrida arrancou com a alternativa do promissor Diogo Oliveira, concedida por Rui Salvador, embora o cabeça de cartaz fosse João Moura. Mas o novo ginete já explicara antes que foi assim pelas fortes ligações de amizade que o unem e à sua família ao Maestro Salvador. Muito bem.
Lidou Diogo um bom exemplar da renovada ganadaria Conde de Murça. Algum nervosismo inicial e um cavalo que também não ajudou muito, negando-se mais que uma vez. Recuperou Diogo nos curtos, o segundo é de alto nível, terminando em entusiasmo e com o público, carinhoso, a incentivá-lo e a aplaudi-lo.
João Moura entrou depois em cena para lidar o toiro do Engº Jorge de Carvalho, que estranhamente foi mandado recolher pelo médico veterinário Jorge Moreira da Silva e pelo director de corrida José Soares, criando alguns estupefacção e mesmo revolta no público, pois ninguém entendeu as razões desta recolha... Só o veterinário e o director é que terão dado por algum defeito no toiro...
Toureou então António Telles - ou me engano muito, ou fê-lo com o cavalo "Alcochete", que estava retirado e voltou... - um toiro de Veiga Teixeira que pedia contas e com o qual não esteve o Mestre nos seus dias. Capotes a mais e António algo distanciado do verdadeiro António.
Rui Salvador lidou - e com que verdade e emoção o fez! - um toiro manso e complicado da ganadaria Ribeiro Telles. Esteve superior, deu a cara, arriscou tudo. Terminou a sua carreira como sempre a percorreu ao longo de quarenta anos - com valor, com dignidade, com uma verdade sem fim. Na hora da despedida, chamou à arena toda a sua equipa. Deu duas voltas à praça com o público de pé. Emocionante.
Veio depois do intervalo João Moura para lidar o sobrero de Veiga Teixeira. Grande actuação do Maestro, felizmente completamente recuperado da queda em Sobral de Monte Agraço. Oxalá aproveite agora o defeso para cumprir a dieta que se impõe... e assim teremos Moura por muitos mais anos, porque a tourear como ele, gordo ou magro, ainda não apareceu outro igual.
Rui Fernandes esteve acima da média com um toiro de Mata-o-Demo que era tardo na reunião, mas que andava. Rui está num momento de muito esplendor, bem montado, moralizado, com maturidade que chega e sobra para fazer frente a todos os toiros. Lide emotiva, a marcar uma vez mais pela diferença uma das poucas intervenções que teve nesta temporada portuguesa.
Fechou a noite Miguel Moura com um triunfo memorável frente a um bom toiro de Vale de Sorraia, que recebeu com uma espectacular porta gaiola, continuando em crescendo e com o público em verdadeiro alvoroço. Como já acontecera no ano passado na última corrida do Campo Pequeno, Miguel terminou a temporada em Vila Franca com um êxito notável.
Triunfal encerrona dos Forcados Amadores de Vila Franca, com pegas por intermédio de Miguel Faria (à primeira), Rodrigo Camilo (à primeira), o cabo Vasco Pereira (à primeira), Salvador Ribeiro Corrêa (na sua segunda intervenção, terceira tentativa efectiva, a dobrar Rodrigo Andrade, que esteve enorme a aguentar até ao fim, acabando por ser derrotado, saindo lesionado, mas felizmente sem gravidade), André Câncio (à primeira) e Guilherme Dotti (à quinta).
No final, os prémios de bravura e apresentação de mais um concurso de ganadarias inusitado foram atribuídos, sem contestação, à ganadaria Veiga Teixeira. Havia quem opinasse que o toiro de Conde de Murça merecia o prémio de apresentação, ninguém reprovou a atribuição do de bravura ao de Veiga Teixeira.
Acabou em bem uma Feira que podia ter acabado muito mal. Congratulemo-nos por isso.
Fotos D.R.
Praça cheia: os cavaleiros (e o público) a ouvir o fado |