sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Ontem o mundo descobriu um Toureiro: Manuel Dias Gomes!

Miguel Alvarenga - Manuel Dias Gomes aproveitou com unhas e dentes a fantástica oportunidade que teve ontem de entrar num cartel que à partida era dos mais mediático da temporada, mas que acabou por não ser aquilo com que sonhara o empresário e a que o público (onde estão, afinal, os verdadeiros aficionados?...) virou costas, deixando metade das bancadas vazias, dando de mão beijada a Álvaro Covões argumentos para ceder cada vez menos datas à tauromaquia na "sua" praça do Campo Pequeno

A corrida foi transmitida em directo pelo canal espanhol OneToro para 96 países, que é o mesmo que dizer: o mundo, ontem, descobriu um Toureiro. É português e chama-se Manuel Dias Gomes, é neto do segundo matador da nossa História Augusto Gomes Júnior. E está aqui para lhe seguir os passos.

Luis Miguel Pombeiro, o empresário, levou tempo este ano a anunciar os (apenas) quatro cartéis da temporada do Campo Pequeno. Só quase no princípio do Verão quebrou o compasso de espera que começava a impacientar tudo e todos e que mantinha no ar uma estranha incógnita sobre o que iriam ser os cartéis de 2023 em Lisboa - e até se iriam ser.

E a primeira grande sensação da temporada foi precisamente o anúncio do cartel que estava previsto para ontem, primeira corrida de uma mini-Feira Taurina para encerrar a também mini-temporada na capital. Pombeiro apostou no mediatismo das namoradas, convencido de que a praça ia encher para ver as duas estrelas televisivas que se perderam de amores por dois toureiros famosos: Maria Cerqueira Gomes, namorada do matador espanhol Cayetano Rivera Ordoñez; e Luciana Abreu, namorada do cavaleiro João Moura Caetano. E anunciou ainda Marcos Bastinhas (também marido de uma ex-estrela de televisão, Dália Madruga) e Morante de la Puebla, que é primeira figura do mundo taurino e talvez o matador hoje em dia mais acarinhado pelo público lusitano. 

Estavam lançados os dados para uma corrida super-mediática que por certo iria atrair muito público e estaria sob os holofotes das revistas sociais. Mas Pombeiro esqueceu-se de ir à bruxa. E o azar bateu-lhe à porta...

Cayetano Ordoñez sofreu uma lesão no pulso direito, foi operado e obrigado a parar durante seis semanas (prazo que não terminou ainda e que o impossibilitou de tourear em Lisboa). Foi substituido por Manuel Dias Gomes. O público aceitou e aplaudiu a oportunidade merecida que a empresa deu ao valoroso matador português; e agradeceu a Morante o apoio.

Depois, Morante sofreu idêntica lesão no pulso. Mas. ao contrário de Cayetano, não quis ser imediatamente operado, limitando-se a fazer fisioterapia (na Marinha Grande, onde tem passado estes dias) e procurando cumprir os contratos que tinha por diante. Toureou numas corridas, faltou a outras, a lesão foi-se agravando e agora foi definitivamente obrigado a parar vinte dias e ficou - Pombeiro só foi avisado na véspera... - impossibilitado de vir ao Campo Pequeno, ele que era, depois da baixa de Cayetano, o atractivo maior do elenco de ontem.

Com a habilidade que o caracteriza, em menos de 24 horas, Pombeiro resolveu a situação em conjunto com os responsáveis do canal OneToro e trouxe Manuel Jesús "El Cid", um estilista da muleta ao "natural", um toureio respeitado em Madrid, que toureou pela primeira e única vez nesta praça lisboeta em 2009 (14 de Maio), na 2ª Corrida "Vidas/Correio da Manhã" comemorativa do terceiro aniversário da reinauguração do Campo Pequeno. Alternou nessa noite (que foi triunfal para ele) com Pedrito de Portugal, os cavaleiros Manuel Telles Bastos e Manuel Lupi e os forcados do Aposento da Moita. Lidaram a cavalo toiros de Santa Maria e a pé de Brito Paes.

A substituição foi digna e teve nível. Mas o público estava formatado para ir ver Morante. E já nada foi igual. Resultado: pouco público, apenas metade das bancadas preenchidas. Resta saber se teria sido igual com Morante. Provavelmente sim...

A corrida acabou por ser agradável, teve ritmo, não durou tempo a mais, apesar de se terem lidados sete toiros.

Manuel Dias Gomes foi o grande triunfador da noite. Com a grande vantagem de se ter mostrado ao mundo, já que a corrida, assim como acontecerá esta noite, foi transmitida em directo para 96 países pelo novo canal temático espanhol OneToro.

Toureiro estilista, dominador e poderoso, senhor de um temple sevilhano que dá graça e sabor às suas faenas, Manuel Dias Gomes enfrentou primeiro um toiro de Varela Crujo e depois um de Calejo Pires, ambos de muita qualidade e que lhe permitiram tourear a gosto, impor a força da sua muita arte. 

Esteve brilhante com o capote, tércio a que dá sempre importância, e desenhou com a muleta duas templadas e mandonas faenas ao som de música e que encheram as medidas a quem assistiu. 

Manuel Dias Gomes abriu ontem a porta à merecida e justificada confirmação da alternativa na Monumental de Madrid, primeira praça do mundo, onde deixou já em mais que uma ocasião o perfume da sua arte. Nuestros hermanos viram-no triunfar em directo. Abram-lhe agora as portas de Las Ventas - como ele merece.

"El Cid" deixou de tourear em 2019 e reapareceu esta temporada. Veio ao Campo Pequeno sem que isso estivesse nos programas. Mas valeu a pena revê-lo, sobretudo no seu primeiro toiro, segundo da noite, um codicioso exemplar de Calejo Pires que lhe permitiu recordar-nos a sua classe, a sua arte e o seu tremendo poderio de grande lidador.

Manuel Jesús mandou, impôs-se, deixou bonitas séries de "derechazos" e mostrou a essência da sua tauromaquia. Uma faena de maestria que o público reconheceu com calorosos aplausos numa lenta volta à arena.

O segundo toiro de "El Cid" (sexto da noite) foi um manso, perigoso e complicado exemplar da ganadaria Varela Crujo que não deu ao toureiro sevilhano as mínimas opções de triunfar. Faena de muita entrega e de grande empenho, a que faltaram resultados artísticos de destaque por ausência de matéria prima. 

O director de corrida Ricardo Dias não compensou com música (que tinha sido merecida) o esforço e a honestidade de "El Cid". No final, o matador ficou entre tábuas, mas acabou por vir aos médios saudar uma franja de aficionados entendidos que reconheceram o seu esforçado labor e lhe tributaram merecida ovação.

Resumindo e concluindo: não vieram Cayetano nem Morante, nem sequer estiveram na praça, nem que fosse com os braços ao peito, para manifestar o seu respeito pela Catedral do Toureio Português, mas a corrida valeu, no que ao toureio a pé diz respeito, pela entrega e pela classe de "El Cid" e pelo saboroso triunfo que tanta falta fazia à carreira do valoroso Manuel Dias Gomes.

Aplausos - justos e merecidos - para a quadrilha de Dias Gomes, para as lides de capote e os grandes pares de bandarilhas de João Pedro Silva "Açoriano", Pedro Noronha e João Martins. Toureiros grandes! Menos brilhantes os bandarilheiros da quadrilha de "El Cid", certamente a estranharem o toiro português sem varas.

Os cavaleiros foram João Moura Caetano e Marcos Bastinhas, dois triunfadores que andam a disputar entre si a liderança do escalafón nesta temporada.

A corrida abriu com a lide a duo do primeiro toiro. Com estilos diferentes, Caetano mais clássico e mais sóbrio, Bastinhas mais exuberante e mais modernaço, este dueto foi apenas regular, sem grande sintonia entre ambos, com ferros de boa marca de lado a lado, mas sem encher as medidas ao pessoal. Estiveram os dois bem. Mas cada qual para o seu lado, raramente se entrosando, como se exige nestas pouco usuais lides a duo.

Nos toiros a sós - todos os lidados a cavalo pertenciam à ganadaria de Irmãos Moura Caetano, com pesos de 600, 572 e outra vez 600, com mobilidade e transmissão, apesar de não muita emoção - a música foi outra.

João Moura Caetano recebeu o seu toiro dobrando-se no centro da arena, atingindo depois os momentos mais altos quando toureou no célebre cavalo que tem o nome desta praça, bordando o toureio, recriando-se em ladeios de muita arte, fazendo a "hermosina", ora vira para cá, ora vira para lá, num domínio perfeito e de harmonia plena que levou o público ao rubro. Uma lide de grande maestria e beleza - de um cavaleiro consagrado e que ontem, uma vez mais, encheu de arte e classe a praça do Campo Pequeno.

Num estilo completamente diferente, exuberante, irreverente, emotivo até em demasia, Marcos Bastinhas deixou em Lisboa a marca da sua personalidade e a graça do seu vibrante toureio. Valente até dizer chega, foi buscar o toiro à porta dos sustos, aguentou a carga dobrando-se e deixando-o no centro da arena, depois cravou os compridos em sortes ousadas - e atrevidas - de poder a poder, entrando pelo toiro dentro. Com os curtos deu o seu show - único e empolgante, que tem tanto de tremendista, como tem de valor, de raça e de bom toureio. De verdade. Terminou, como não podia deixar de ser, com um arrojado par de bandarilhas, o salto do cavalo, a praça em euforia e ele a olhar os céus, homenageando sempre a memória do nosso Maestro Joaquim Bastinhas - Presente!

O Grupo de Forcados Amadores de Lisboa teve ontem uma noite de grande brilhantismo nesta sua única presença na praça da sua cidade, com três grandes pegas à primeira tentativa e o grupo todo em destaque a ajudar na perfeição. Foram caras três das estrelas do momento: Nuno Fitas, Daniel Batalha e João Varanda.

Álvaro Domecq, eternamente lembrado como o rejoneador espanhol que mais história escreveu em Portugal (nos anos 60, 70 e 80) assistiu à corrida acompanhado de seus sobrinhos, os também antigos cavaleiros Luis e António Domecq, sendo os três homenageados esta noite na corrida de gala à antiga portuguesa. Álvarito foi brindado pelo forcado Nuno Fitas, pelo matador "El Cid" e pelo cavaleiro Moura Caetano. O público reconheceu-o e tributou-lhe respeitosas ovações.

Ricardo Dias dirigiu a corrida de ontem sem folclores; quero dizer, com exigência, com aficion e com competência. Tardou algumas vezes em conceder música aos toureiros e negou-a na esforçada segunda faena a "El Cid". Mas temos que compreender que o Campo Pequeno não é, ou não devia ser, uma discoteca ou uma Feira Popular. Há regras nisto!

E hoje há mais. Oxalá que com mais público nas bancadas. 

Fotos M. Alvarenga

Campo Pequeno merecia mais público. "Aficionados" (ainda
os há?...) estiveram-se borrifando para o futuro da Catedral...