sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Moita a meio gás na noite onde antigamente não cabia nem um alfinete...

Eles bem olharam para o chão antes da corrida, mas o piso ficou
na mesma - fatal. Em baixo, o último toiro (de B. Paes) "atolhado"
no areal da praia da "Daniel do Nascimento"

Miguel Alvarenga - A nocturna de ontem na Moita, por tradição a data forte da Feira e a corrida que por norma enchia ou mesmo esgotava, ficou-se por uma meia casita envergonhada, nem fraca, nem forte, eram precisas mais mil pessoas para um melhor aspecto da praça, como me referiu o empresário Ricardo Levesinho. Muito menos gente que na corrida mista de terça-feira. E dizem que o toureio a pé não leva gente às praças... E que as figuras do toureio a cavalo é que mexem com o pessoal e é que levam gente às bilheteiras. Andam a ver tudo sempre ao contrário...

Outra contrariedade: fruto da falta de matéria prima (são sempre os mesmo, é sempre tudo igual e há mais de quarenta anos que não aparece um João como o Moura que era "niño" e era prodígio) e fruto também da falta de imaginação dos empresários que restam (sempre tudo mais do mesmo, vamos ver os cartéis e são sempre iguais, tira este, mete aquele, meta o outro e tira aquele...), fruto de tudo isso, já não existem muitas fórmulas válidas para inovar. Mas há uma e chama-se Duarte Fernandes.

Dele se tem dito e escrito maravilhas, sobretudo dos triunfos com que tem marcado a sua actividade em praças de Espanha e de França. Mas a realidade é que por cá, na santa terrinha, ainda não diz nada a ninguém, poucos sabem que ele existe (a não ser os que lêem o "Farpas"... modéstia à parte) e a realidade é que ainda não tem (mas não duvido que vai ter) força para arrastar público às bilheteiras.

Muitos dos que ontem faziam parte da tal meia casinha na "Daniel do Nascimento" estavam ali para o ver - não tenham dúvidas. Duarte Fernandes toureou duas corridas este ano no seu país, uma em Julho em Paio Pires e outra em Agosto em Abiul, e deixou ambiente. Havia, por isso, expectativa para o ver. Como já havia no ano passado e também já havia há dois anos. E é preciso que ele não deixe o tempo correr e se afirme e se imponha de uma vez por todas. Senão, pode já não chegar a tempo. 

Os empresários continuam a não o querer ver. Dizem que pede dinheiro a mais e que ainda não fez nada que justifique a exigência de cachet's tão inflaccionados.

Duarte tem o toureio na cabeça, tem uma intuição rara e uma raça admirável - mas não pode continuar a perder tempo. O tempo passa a correr. Toureou três corridas em Portugal, muito pouco para se afirmar e para se dar a conhecer. 

Ontem esperava-se um "estrondo". E era preciso um "estrondo". Não arrisco nada se disser que este era o cartel mais desejado. Tinha os dois primeiros do pelotão, Moura Jr. e Telles, e tinha a nova estrela a desafiá-los, a medir força com eles, constituindo uma novidade para os aficionados.

Mas só houve "estrondo" no primeiro toiro de Duarte, um bom exemplar da ganadaria Ribeiro Telles que o valente cavaleiro enfrentou logo de saída com uma emotiva sorte de gaiola, sofrendo um violento encontrão, mas depressa se recompondo. Seguiu-se uma lide a todos os títulos brilhante, excepcional, com ferros de grande emoção e remates a recriar-se, brega perfeita, actuação em crescendo, público de pé, grande entusiasmo e assim, sim, com um triunfo destes poderia finalmente dar o salto em frente, conquistar o interesse dos empresários, provocar no público a vontade de o rever o mais depressa possível numa outra grande corrida. Euforia nas bancadas, todos de pé a aplaudir o Duarte na volta à arena. 

Tudo se encaminhava, assim, para um noite de enorme brilhantismo e que pusesse finalmente no Duarte o selo de "o mais desejado", mas isso depois não aconteceu.

O último toiro, uma encomenda da ganadaria de Joaquim Brito Paes, estragou a festa toda. Foi o mais complicado toiro da corrida, um toiro daqueles que pedem o bilhete de identidade, que exigem, que metem mudanças e têm teclas para tocar. Difícil, muito difícil, sobretudo se tivermos em conta que, por muito bom que seja - e é -, Duarte está em princípio de carreira e ainda com alguns quilómetros de estrada para percorrer até ter arcaboiço para toiros como este. Para mais, numa arena cujo piso continua fatal, uma praia autêntica, piso bom para surfistas, não para toureiros. Bem o vistoriaram no início da corrida (foto de cima), mas ficou tudo na mesma... fatal.

Com este toiro complicado, Duarte Fernandes andou, ainda por cima, em contra-mão, isto é, toureou-o de largo, procurou emocionar com cites de praça a praça, batidas ao piton contrário e depois ajustadas piruetas, mas a realidade é que este toiro pedia uma outra forma de o tourear, mais em curto, mais em cima dele. É a velha máxima: não se pode fazer a lide que se trouxe estudada e ensaiada de casa. Cada toiro tem a sua lide. 

Duarte não virou a cara, não senhor. Esteve ousado, pôs a carne no assador, foi à guerra, arrimou-se que nem um herói, mas nada resultou em cheio nem se aproximou do brilhantismo apoteótico com que deixara tudo e todos em alvoroço na primeira actuação.

Por morrer uma andorinha nunca acabou a Primavera. E a Primavera do Duarte ainda agora está a arrancar. Força, Toureiro!

João Moura Júnior e João Ribeiro Telles são dois dos expoentes máximos da nova geração de cavaleiros. Mas mesmo assim, continuam a não ter força para levar público às praças. Repito: há mais de quarenta anos que não temos um Moura como o João que era "niño" e era prodígio - e que era diferente e inovador todos os dias.

Os toureiros de hoje são todos iguais - e são sempre iguais. Eu podia ter deixado escrita a crónica da corrida de ontem (esta) antes de a ter visto. Já sabia tudo o que ia ver. É sempre tudo igual. Copiam-se uns aos outros, toureiam da mesma maneira e toureiam todos os dias de forma idêntica. Ontem, por exemplo, não houve um "violino", não houve um par de bandarilhas. Foi tudo mais do mesmo. E isso cansa. Eu fui à Moita, mas à saída comentava que se não tivesse ido também não tinha perdido nada...

João Moura Júnior foi o mais destacado e, por isso, o maior triunfador, dos três. Lidou primeiro um toiro de Joaquim Brito Paes com qualidade, sem complicar; e depois o mais pesado da noite, um de Ribeiro Telles com 600 quilos, que teve mobilidade, transmitiu pouco, mas andou sem incomodar e permitindo que Moura se evidenciasse com a arte e com o temple de sempre. Terminou com duas "mourinas" que muito entusiasmaram o público. Como sempre, marcou a diferença, reafirmou a liderança do pelotão.

João Ribeiro Telles teve uma lide inspirada e de alto nível com o segundo toiro da noite, um exemplar da ganadaria Ribeiro Telles com 590 quilos, mas que não assustou ninguém, não teve grande agressividade, mas foi claro nas investidas, não causou problemas ao cavaleiro nem aos forcados. João esteve a gosto, cravou ferros de nota alta, houve arte e houve inspiração.

O quinto da ordem era um toiro de Brito Paes mais reservado, menos claro e com más intenções. João Telles deu a volta com maestria, deixou ferros emotivos e a pisar a linha de fogo, depois foi buscar o "Ilusionista", mas desta vez não atingiu o esplendor habitual. Pouca história nesta segunda actuação.

Bem os bandarilheiros das quadrilhas dos três cavaleiros: Benito Moura, Francisco Marques e o praticante José Maria Maldonado Cortes (de Moura Jr.); Duarte Alegrete e António Telles Bastos, dois mestres, diferentes, com uma classe de se lhes tirar o chapéu (de Telles); Nuno Oliveira, Jorge Alegrias e o praticante Diogo Fernandes (de Duarte Fernandes).

Enfim, podia ter sido uma grande corrida - e tinha todos os condimentos para o ter sido. Mas foi só mais uma corrida igual a muitas outras. E sem o público que se esperava, com menos gente que a mista de terça-feira. A deixar saudades dos tempos em que na quinta-feira da Feira da Moita não cabia um alfinete. Mas mudam-se os tempos e mudam-se as vontades, já dizia o grande Luis Vaz de Camões, que foi homem de raríssima sapiência. 

O maior triunfo foi dos Forcados do Aposento da Moita, com seis magistrais pegas à primeira tentativa - que vamos aqui mostrar já a seguir. Foram caras António Lopes Cardoso (forcado triunfador da Feira da Moita em 2023), Rafael Silva, o futuro cabo Luis Canto Moniz, o cabo Leonardo Mathias (que se despede em Maio do próximo ano e por isso aqui pegou pela última vez numa Feira de Setembro), Martim Cosme Lopes e João Freitas, havendo que enaltecer todas as brilhantes intervenções de todos os forcados a ajudar com coesão e em força, bem como a raça e a apurada técnica do rabejador Tiago Nobre. Uma noite em grande - uma noite de glória, "brutal", outra vez, para o grande grupo do Aposento da Moita.

A corrida foi presidida por Carlos Albino, Presidente da Câmara da Moita, e foi dirigida com a usual competência e rigor por Tiago Tavares, que esteve assessorado pelo histórico médico veterinário de todas as praças Jorge Moreira da Silva.

Ao início cumpriu-se um respeitável minuto de silêncio em memória do empresário António Paes de Sousa, cujas cerimónias fúnebres se realizam neste momento em Elvas (cremação) - um taurino à antiga e que deixa saudades. Era o decano dos empresários tauromáquicos nacionais. E era do tempo em que havia grandes empresários em Portugal.

Só uma nota final: o piso da praça de toiros da Moita estava fatal na terça-feira e fatal continuou ontem. Outros pisos de outras praças, a começar pelo da primeira do país, denotaram anomalias escandalosas esta temporada. Já não há gente competente para corrigir esses erros? A tauromaquia no Portugalzinho das Toiradas continua a ser uma coisa à balda? Valha-nos Deus, Nosso Senhor!

Ficam em baixo (depois já mostro muitas mais) cinco fotos que retratam o aspecto desolador da falta de público, ontem, nas bancadas da praça da Moita. Tantas saudades dos tempos de ouro em que os toureiros tinham força para levar gente à bancada da "Daniel do Nascimento" e nesta corrida dos cavaleiros de quinta-feira não cabia nem um alfinete...

Fotos M. Alvarenga