Miguel Alvarenga - Um grande cartel de primeiras figuras com três cavaleiros veteranos e três dos melhores na nova vaga, uma ganadaria em grande momento de forma, dois bons grupos de forcados, a homenagem a Rui Salvador, que se despede este ano e tem vindo a protagonizar uma temporada de sucesso notável e, ainda, a confiança do público aficionado no selo de qualidade sempre apresentado pelo empresário José Luis Gomes terão sido motivos mais que suficientes para justificar e para que se entenda os porquês da lotação esgotada que ontem se registou na praça de Sobral de Monte Agraço - numa muito agradável corrida de toiros unicamente manchada pela colhida e queda de João Moura, que, ao contrário das primeiras informações passadas ontem cá para fora, segundo as quais, não tinha sofrido "nada", sofreu uma fractura numa vértebra e vai ter que ficar uns dias em repouso e sob analgésicos.
Em termos jornalísticos - e cabe aqui explicar, a quem ainda não entendeu isso, que quando estou numa praça em serviço profissional, sou primeiro que tudo Jornalista, só depois aficionado (e no estado a que isto chegou, cada vez menos aficionado, confesso) -, a queda de João Moura foi o caso - e o momento - da corrida. Infelizmente.
Basta ver hoje a edição do "Correio da Manhã", que destaca precisamente com a força de uma página, a abrir a secção de espectáculos, a dramática colhida do Maestro Moura, com uma sequência fotográfica do repórter João Dinis.
O jornal refere que tourearam outros cavaleiros, enunciando os seus nomes, mas sem fazer qualquer juízo crítico (crónica) da corrida, apenas destacando a queda de João Moura - que foi, na realidade, em termos jornalísticos e em termos de informação, o momento e o caso da tarde ontem em Sobral de Monte Agraço.
E porquê?
Primeiro, porque, graças a Deus, os toureiros não são colhidos todos os dias. Por isso, quando o são, é notícia. E, sobretudo, porque o toureiro colhido, neste caso, foi João Moura, ainda e sempre a primeira figura do toureio a cavalo em Portugal.
Esta introdução, apenas, para esclarecer alguns (ditos) aficionados menos esclarecidos que hoje no Facebook contestaram o facto de eu ter publicado uma foto da queda de João Moura e até perguntaram se não houve outros motivos de interesse na corrida. Claro que houve - muitos e bons. Mas, repito, jornalisticamente, o momento da tarde foi aquele. Infelizmente. E felizmente sem as consequências que muitos temem há muito tempo...
Ao fim e ao cabo, dada a condição física de João Moura, a teimosia com que continua a evitar submeter-se a um tratamento a sério para emagrecer e o facto de insistir em continuar a tourear "neste estado", o que ontem aconteceu não foi mais do que a crónica de uma queda anunciada. Graças a Deus, repito, sem as consequências dramáticas que todos temem há já alguns anos. Ontem não aconteceu. Um dia pode acontecer.
Estamos a terminar a temporada. João Moura podia - e devia, para seu bem - submeter-se finalmente a um intenso processo de emagrecimento. Ficaria outro Toureiro, não correria tantos e tão prováveis riscos como corre agora sempre que actua, e ainda tínhamos Moura por muitos mais anos. E como todos o admiramos, o respeitamos e o queremos ver bem, seria um final de carreira feliz. Sem infelicidades como a de ontem.
Adiante.
O empresário José Luis Gomes esgotou a sua praça uma vez mais. Está de parabéns. A ganadaria Lopes Branco deixou ver que se encontra num momento extraordinário, apesar de ter poucos toiros e por isso não lidar muitas vezes. Toiros muito bem apresentados, sérios, a transmitir e a emocionar, a pedir contas, com teclas (muitas!) para tocar e a meter mudanças. Ainda por cima numa arena tão pequena como a de Sobral, onde aparece toiro por todos os lados, exemplares como os que ali sairam ontem dão emoção a qualquer corrida, mostram que aqui há risco, que isto não é coisa de brincar. Alguns deles adiantavam-se mais que o normal, provocando emoção nas bancadas e aflição na arena.
O quinto toiro foi extraordinário e o director de corrida premiou a sua bravura concedendo a volta à arena ao ganadeiro João Telles Branco - muito aplaudido, ao lado do forcado e do cavaleiro João Telles, que o toureou magistralmente. O sexto foi um toiro de bandeira superiormente lidado por João Salgueiro da Costa e regressou ao campo, indultado, para que a bravura não acabe em tão nobre e boa ganadaria.
Artisticamente, esquecendo o triste momento, aflitivo e dramático, da queda inicial de João Moura, ocorrido logo após ter cravado o primeiro ferro, a corrida decorreu em muito bom ritmo e com triunfos notáveis de todos os cavaleiros e dos dois grupos de forcados, com destaque para os Amadores de Lisboa, que pegaram, os seus três toiros ao primeiro intento, prosseguindo o caminho de sucesso que dois dias antes tinham reafirmado na encerrona no Campo Pequeno, comemorativa dos seus 80 anos de actividade ininterrupta.
António Telles toureou o primeiro toiro por colhida de Moura, tendo estado regular, cumprindo sem grande notoriedade, recusando no fim dar a volta à arena, certamente por respeito pelo companheiro - e amigo - lesionado, mas também pelo facto de aquele não ser o seu toiro.
Muito emotiva e carregada de verdade toureira e risco, foi a segunda lide, a última de Rui Salvador nesta praça, frente a um toiro exigente e sério. Rui esteve a gosto, o público esteve a seu lado e no fim ainda lhe exigiram mais dois ferros. Lide brilhante, como brilhantes têm sido todas as suas actuações nesta época de adeus, deixando sempre a imagem de que se encontra em belíssima forma e de que, se quisesse, ainda por cá andaria por mais e bons anos. Grande ovação, público de pé, mais uma actuação importante de Rui Salvador.
O terceiro toiro, outro exemplar dos que pedem contas, coube a João Moura Júnior, que toureava pela primeira vez na praça de Sobral de Monte Agraço e brindou a sua lide aos Forcados Amadores de Lisboa pelo aniversário que estão esta temporada a celebrar. Marcou, como sempre, a diferença, empolgando tudo e todos com uma lide de maestria e imponência. Tudo o que fez foi bem feito. Mais nada a dizer. Moura - Sempre! E sempre na frente. E o resto são cantigas...
O rival João Ribeiro Telles respondeu com outra grande actuação, frente a um toiro de nota altíssima, aquele que deu ao ganadeiro João Telles Branco a honra de vir à arena dar volta à praça aclamada pelo público. Boa brega, excelentes abordagens ao toiro com entradas destemidas ao piton contrário e, no fim, o show habitual com o fantástico cavalo "Ilusionista" - a que ninguém fica indiferente.
João Salgueiro da Costa esperou, certamente com alguma impaciência, pelas lides dos cinco companheiros para entrar em cena. Teve pela frente outro toiro magnífico - o que foi indultado pelos irmãos ganadeiros Miguel e João Telles Branco - e lidou-o primorosamente, emocionando quem assistia. Pisou terrenos proibidos, cravou ferros emotivos, esteve "à Salgueiro" - em grande.
Aplausos para todos os bandarilheiros e para os valentes forcados de Lisboa e de Arruda dos Vinhos, de que a seguir vamos mostrar as seis pegas.
Pelos Amadores de Lisboa foram forcados de cara Pedro Félix, Renato Avelar e Pedro Nunes, que se despediu das arenas na praça da sua terra depois de ter honrado a jaqueta do grupo octogenário durante duas décadas - todos ao primeiro intento.
Pelos Amadores de Arruda dos Vinhos, pegaram Rodrigo Gonçalves (à primeira); Tiago Carreira na sua primeira intervenção, uma grande pega, a dobrar Nuno Aniceto, que saíu de maca após duas duras tentativas; e o valoroso cabo Rodolfo Costa, ao segundo intento.
Ao início da corrida foi guardado um minuto de silêncio em memória do cavaleiro nortenho Manuel André Jorge, falecido na última semana. E durante as cortesias Rui Salvador recebeu as homenagens do empresário e do presidente da Câmara de Sobral.
A corrida foi dirigida com acerto e rigor por Tiago Tavares, assessorado pelo médico veterinário Jorge Moreira da Silva.
Uma nuvem escuríssima pairou sobre a praça (foto de cima), ameaçando (sem cumprir) uma valente carga de água, mas a corrida acabou por decorrer sem mais sobressaltos, para além da dramática e impressionante colhida de João Moura - que foi mesmo o caso da tarde e foi, infelizmente, a crónica de uma queda anunciada. Que todos esperavam há muito tempo. Mas que, graças a Deus, não teve as consequências trágicas que todos temem desde que o Maestro se deixou engordar e continuou a assobiar para o ar quando lhe falam de dietas...
As melhoras, João!
Fotos M. Alvarenga