Miguel Alvarenga - Fundado há 75 anos
pelo saudoso Simão Malta e um punhado de valentes, o Grupo de Forcados Amadores
de Montemor tem sido, desde então, uma instituição única dentro da própria
Tauromaquia. Também uma escola de vida e uma universidade de forcados. O
espírito colegial, estilo Meninos da Luz (Colégio Militar) acompanha todos os
seus elementos desde que entram. Um por todos e todos por um é o lema. Quando
pega o Grupo de Montemor, as bancadas estão cheias de antigos forcados. O
emblema da lapela, no polo ou na t-shirt fá-los reconhecerem-se à distância. E
foi todo esse espírito que esteve patente no domingo na corrida em que se
comemorou este histórico aniversário. Foram imensos os antigos forcados que se
voltaram a fardar, estilo Regresso dos Heróis, deu gosto vê-los pisar a arena,
observá-los a caminhar pela trincheira, lembrar tempos outros. Zuzarte, João
Cortes, Paulo Vacas de Carvalho, Rodrigo Corrêa de Sá, Francisco Borges, Francisco Mira (pai e filho), Manuel Couto, Pegado, Neto, Potier, Dentinho,
Carlos Santos, António Ramalho; o mais antigo dos cabos ainda vivos, Américo
Chinita de Mira - e tantos, tantos mais. E muitos, muitos, não fardados, todos ali,
abraçando um passado, uma história, ao intervalo lá foram todos à praça para a
fotografia da praxe e aí foi um avivar de memórias, um lembrar de outra Festa,
um aplauso caloroso e unânime ao Grupo que é diferente, talvez único.
O cartel, com seis jovens cavaleiros e,
por isso mesmo, seis estilos distintos, estava arejado e não era, pelo menos,
"mais do mesmo", como tantos outros, mas nem isso foi suficiente para
cumprir o fado e Montemor, no domingo, não chegou a ser praça cheia. Foi pena.
Bonitos, bem apresentados e, isso sim,
garante de emoção, os toiros da Herdade de Pégoras, mansotes e com pouca
vontade de se movimentarem, retiraram brilho às intervenções dos toureiros e
acrescentaram dificuldades ao labor dos forcados.
João Maria Branco foi o cavaleiro que
mais se destacou, não só pela entrega e decisão, por ter arriscado tudo e mais
alguma coisa, por ter dado a volta a um toiro que não tinha volta e por ter
cravado dois ferros curtos daqueles que páram corações, num palmo de terreno,
quase sem opções de saída, aflitivos, imponentes - mas também e sobretudo pela
expectativa de que vinha rodeado este seu "regresso", um mês depois
de ter anunciado que "suspendia" a temporada e que terminava a
relação de apoderamento com Rui Bento, um "acto de coragem" para uns,
um "acto de loucura" impensado para outros. Mas uma ilacção se tem
que tirar: um toureiro assim não pode estar parado um mês... Faz falta. Viu-se
que houve muito trabalho de casa, que continua a haver querer e ambição, que
Branco continua na guerra - resta saber em que registo e com que apoderado a
partir do próximo ano. O Inverno é longo...
De resto e passe o destaque a Branco,
sobretudo motivado, repito, pela expectativa que rodeava a
"reaparição" depois de toda a pressão de um Agosto sem corridas, há
que registar inquestionáveis triunfos de todos os outros toureiros - que
estiveram muito por cima dos Pégoras.
Vitor Ribeiro marcou pela ousadia e o
risco, com ferros que causaram emoção; Filipe Gonçalves é um verdadeiro hino à
alegria, à arte e ao valor e está de novo em alta, a triunfar em todas as
praças; Manuel Telles Bastos é um portento de classe e faz sempre tudo tão bem
feito e com tanta arte que dá gosto vê-lo tourear como se toureava de verdade
noutros tempos; Manuel Lupi reencontrou-se por fim e começa a estar outra vez
ao nível da tarde de Santarém, aqui em Montemor esteve empolgante e a tourear
muito bem; Manuel Vacas de Carvalho foi profeta em sua terra, toureou com
perfeição e ao melhor estilo clássico, nisso é mestre e é bonito ver um jovem
virar as costas aos modernismos e às coisas fáceis e tourear de verdade ,
reunir ao estribo, cravar de alto a baixo, fazer como se fazia antigamente,
recuperar valores que pareciam perdidos - muito bem, Manuel!
As seis pegas foram seis hinos à arte, à
dignidade, à valentia, ao valor, à raça e à portuguesíssima e nobre arte de
pegar toiros. Foram grandes os forcados da cara e grandes foram todos os que
ajudaram e rabejaram, com destaque, nesta arte, para o enorme José João
Comenda.
Independentemente de o terem feito à
primeira ou à segunda tentativa, isso aqui tanto faz, a verdade é que João
Pedro Tavares, João Romão Tavares, Manuel Ramalho, Francisco Borges (vítima de
lesão no fígado e ainda internado em Lisboa), Noel Cardoso e o cabo António
Vacas de Carvalho foram os grandes protagonistas da corrida e os autores das
seis pegas da tarde. Houve ajudas e rabejadores chamados a dar a volta, houve brindes
de muito significado, nomeadamente à filha de Simão Malta e à memória de José
Maria Cortes e houve dois forcados que se despediram, sem despir a jaqueta, sem
protagonismos nem voltas aos ombros. Dois grandes: João Pedro Tavares e Noel
Cardoso. Olé!
Agostinho Borges, antigo elemento do
grupo, foi o diligente director de corrida e ao início da função a presidente
da Câmara de Montemor, Hortênsia Menino, prestou pública e justíssima homenagem
aos 75 anos dos Forcados da terra. Ao intervalo, descerrou-se no páteo de quadrilhas da praça uma placa alusiva a mais este importante aniversário do Grupo de Montemor.
Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com