terça-feira, 22 de setembro de 2015

Abel Correia: a primeira entrevista depois do adeus!

"Aprendi tudo o que sei de toiros com o João Moura.
Dez anos a seu lado foi uma experiência gratificante
e altamente positiva. Hoje sou ainda mais mourista do
que era no princípio. E orgulho-me de ter sido o
apoderado que mais anos esteve ao lado da maior
figura do toureio mundial, do mais profissional
de todos!"
Abel Correia e sua Mulher, Rosária. "Agora vou descansar e recarregar baterias,
continuo a ser empresário, mas não faz sentido que venha a apoderar alguém..."
Miguel Moura foi "o menino dos olhos" de Abel. "Orgulho-me de ter estado a seu
lado na primeira vez que toureou em público, mas reconheço que o Miguel, nesta
fase decisiva de lançamento e de afirmação, precisa de ter a seu lado alguém
profissional e que o acompanhe a cem por cento e eu não o posso fazer nesta
altura da minha vida"


Abel Correia e João Moura puseram na passada sexta-feira e depois da corrida que se realizou em Elvas, um ponto final na relação de apoderamento que os uniu durante dez anos - não na forte relação de amizade que cimentaram ao longo de uma década e que permanece intocável. "Olhámo-nos olhos nos olhos e dissemos claramente um ao outro que era a hora de terminar", conta o ex-apoderado. Na primeira entrevista que dá depois do "divórcio", Abel fala da sua marcante experiência ao lado da maior figura do toureio a cavalo, das "pessoas que vai recordar para sempre" - e também do futuro onde, garante, "não se vislumbra nenhum novo apoderamento". Não esconde que na hora de decidirem que tudo tinha chegado ao fim, "houve lágrimas de parte a parte". Também as houve enquanto me concedeu esta entrevista, onde foram várias as vezes em que se emocionou e comoveu a falar da gratificante experiência que foram estes dez anos ao lado da maior figura do toureio mundial.

Entrevista de Miguel Alvarenga

- Foi um fim há muito anunciado, Abel?...
- Não propriamente... Mas já há algum tempo tínhamos entendido que eu não deveria continuar, não propriamente no que diz respeito ao apoderamento do João Moura, que embora esteja em grande forma, como se viu sexta-feira em Elvas, está na fase final da sua carreira; mas sobretudo no que diz respeito ao Miguel, que está em fase de lançamento e precisa de alguém altamente profissional e que esteja a cem por cento a seu lado e eu, neste momento da minha vida e com a minha empresa também em fase de renovação, não posso dar-lhe o apoio de que necessita. Noutros tempos, eu ia duas, três vezes por semana a Monforte, agora o trabalho não me permite essa disponibilidade e reconheço que o Miguel merece mais e, sobretudo, precisa de mais. Era tempo de virarmos a página e já tínhamos equacionado isso há uns meses. Esperámos pela última corrida do João, a de Elvas e assim que terminou conversámos. Olhámo-nos olhos nos olhos e dissemos os dois que terminava tudo ali. Houve lágrimas dos dois lados, não nego que foi uma conversa com alguma emoção e já também alguma nostalgia. Mas terminámos da forma que sempre desejei e o João também, isto é, sem zangas, sem chatices de espécie alguma, de comum acordo e de modo amigável. Tudo tem um começo, um meio e um fim, estivémos juntos dez anos, orgulho-me de ter sido o apoderado que mais temporadas esteve ao lado do Maestro João Moura e agora... a vida continua, vamos continuar a encontrar-nos certamente, a jantar, a beber copos, a amizade permanece e sai fortalecida, obviamente, depois de dez anos de tanta coisa que passámos juntos.
- Chegou aos toiros há quase vinte anos, alguma vez imaginou que seria um dia apoderado de João Moura?
- Nunca tal me passou pela cabeça. Sempre fui aficionado, ia às corridas e desde muito cedo fui um grande admirador do João Moura, mas nunca imaginei que alguma vez pudesse vir a assumir na sua carreira e a seu lado o papel que desempenhei durante dez anos. A minha primeira aparição no mundo dos toiros foi quando organizei em Pegões uma corrida comemorativa dos dez anos de alternativa do Luis Rouxinol... ele já fez vinte e cinco anos há dois ou três anos... Eu mal conhecia o João Moura quando em finais de 1999, início do ano 2000, por intermédio do nosso comum amigo José Prates, me convidou a ser seu apoderado, acabara de romper com Fernando Camacho. O "culpado" de tudo foi o meu amigo José Prates! E estive dez anos ao lado de João Moura, orgulho-me muito disso, tudo o que hoje sei de toiros aprendi com o João, foi uma experiência altamente marcante e hoje posso confessar que sou ainda mais mourista e defendo-o em todo o sítio. É o maior, é o número-um e é o mais profissional que conheci.
- O Abel também apoderava o Miguel...
- Tenho o orgulho de ter assistido ao lançamento do João Júnior e de ter assistido à primeira actuação em público do Miguel. O Miguel tem também todas as condições para ser uma primeiríssima figura, mas as coisas não estão fáceis, sobretudo depois de este ano o João Júnior ter apostado forte em Portugal e se ter revelado o melhor de todos. Não é fácil haver nos cartéis lugar para três Mouras e o João está a destacar-se com toda a força. Isso torna mais complicada a afirmação do Miguel, mas acredito que vai triunfar e vai também marcar. E neste momento, repito, eu não tinha disponibilidade para estar cem por cento dedicado ao Miguel.
- Tem alguma ideia de quem lhe vai suceder?...
- Não, nem sequer abordámos esse assunto. O João Moura não precisa propriamente de um apoderado. Penso que o bandarilheiro de confiança da Casa Moura, o João Ganhão, vai assumir um papel mais activo nesse sentido e o João Moura deverá ser, porque o fará melhor que ninguém, o orientador do Miguel. É possível que encontrem alguém com mais nome para ser o apoderado, mas penso que as coisas vão ficar assim, com o João Moura a comandar o apoderamento do Miguel. É preciso profissionalismo e melhor profissional que o João não existe.
- Que balanço destes dez anos, Abel?
- Faço um balanço super positivo. Para mim, foi uma experiência fantástica, conheci pessoas extraordinárias, estive em locais onde nunca imaginava estar, saio altamente enriquecido. Ter estado dez anos ao lado de João Moura foi como que uma lição de vida. Vivemos grandes momentos, outros piores, mas só vou recordar os bons momentos que vivemos. Os maus são para esquecer...
- Lembre-me alguns desses bons momentos...
- Sei lá, foram tantos! Em tantas praças, Madrid por exemplo, Lisboa, sei lá. Lembro, acima de tudo, todas as pessoas boas que passaram pela equipa nestes dez anos. E a todos quero publicamente agradecer. À Filipa (Mulher de João Moura), primeiro que a todos, uma grande Mulher e uma amiga. A dois grandes mouristas que sempre estiveram ao lado do João e o seguem para todo o lado, o Carlos Barreto e o Cabecinha (pai), o companheiro dos galgos. E a um casal extraordinário, Francisco Romão Tenório e Dona Margarida. Pessoas que jamais vou esquecer e às quais me ligarão para sempre fortíssimos laços de amizade e também de gratidão e de respeito. Aos que estiveram contra mim e em alguma ocasião me tentaram prejudicar, direi apenas que já esqueci tudo...
- Foi uma experiência gratificante, já o reconheceu, mas foi também uma mais valia para si. Era o Abel dos Pneus e passou a ser o apoderado de João Moura... É uma realidade, não é?
- Claro que é e não a ignoro. Chamavam-me Abel dos Pneus por o meu negócio seram os pneus e porque comecei na Festa por organizar na praça de Alcochete, todos os anos, a Corrida dos Pneus. Havia quem me chamasse Abel dos Pneus de forma depreciativa, mas nunca me importei com isso. O meu negócio continuam a ser os pneus e não me incomoda absolutamente nada que me continuem a chamar assim. Fui apoderado do Maestro João Moura e muitos tiverem que "engolir" isso, alguns com visível inveja, mas isso acontece sempre que uma pessoa ganha algum protagonismo. E eu orgulho-me de nunca me ter vangloriado junto de ninguém e de nunca me ter servido do facto de ser o apoderado de João Moura. Orgulho-me de ter desempenhado essa missão com humildade, com seriedade e com profissionalismo, fazendo o meu melhor, dando o meu melhor em prol de um objectivo e de uma equipa que era liderada pela maior figura do toureio mundial. Foi, repito, um orgulho enorme para mim ter estado dez anos a seu lado e só tenho a agradecer a todos os que comigo colaboraram nesse tempo.
- Ganhou amigos e também, obviamente, inimigos, incompatibilizou-se com algumas pessoas e nomeadamente com algum sector da crítica. São espinhas que ainda tem na garganta?
- É óbvio que ganhei amigos e também inimigos. No papel que desempenhei durante estes dez anos, isso era provável que acontecesse. Mas só me incompatibilizei, e o João também, com pessoas que não valiam nada. Passei à frente disso tudo. Às vezes enganamo-nos na vida com certas pessoas e foi isso que aconteceu. Mais nada.
- Ameaçou várias vezes que no dia em que deixasse de apoderar João Moura daria uma grande e bombástica entrevista e revelaria muita coisa que sabia... ainda não será esta entrevista, pois não?
- É verdade que lhe disse isso várias vezes e que pensei muita vez abrir o livro e contar muito do que sei, mas as coisas já estão tão más que só as iria piorar...
- Referia-se concretamente a quê?...
Referia-me a muita coisa que não está bem na Festa, as não iria contar novidade nenhuma a ninguém. Olhe, referia-me, por exemplo, aos que andam por aí a pagar para tourear e a tirar lugar aos que são profissionais e vivem disto... Mas isso são contas de outros rosários, que toda a gente conhece e em que não vale a pena neste momento tocar... Tenho pena que as coisas estejam assim, tenham chegado a este ponto, mas é a realidade e isso só prejudica quem é profissional e quem vive da tauromaquia, como é o caso de João Moura. Mas acredito que mais tarde ou mais cedo tudo se clarificará e ficará quem tem que ficar.
- E agora, Abel, o que vai ser o seu futuro no mundo da tauromaquia? Vai voltar a apoderar algum toureiro?
- Não tenciono, digo-o com verdade, apoderar ninguém. Nem fazia sentido que o fizesse. Depois de apoderar o Maestro Moura e seu filho Miguel, seria difícil para mim vir a apoderar alguém, até porque nada seria igual. Prefiro guardar esta experiência como um ciclo que vivi intensamente e que muito me enriqueceu. Apoderei o toureiro máximo e agora não faz sentido voltar a apoderar nenhum outro. Mantenho a minha empresa e continuo a ser sócio do João Pedro Bolota e do Possidónio Matias na Monumental do Montijo. Vou continuar na Festa, a divertir-me, a fazer o que gosto e a viver esta paixão que tenho desde pequeno. Neste momento vou descansar um pouco e recarregar baterias.


Fotos Emílio de Jesus, Maria Mil-Homens e Hugo Teixeira/Arquivo