Faltaram cavalos afinados, sobrou a raça e o valor de um grande Toureiro. Salgueiro não chegou a marcar a diferença, pode ter morrido uma andorinha, mas não acabou de certeza a Primavera... |
Pouco público, a rondar a meia casa
fraca, um primeiro-ministro, mas da Hungria, e um ministro-adjunto do nosso
governo, Eduardo Cabrita, numa moldura que não incentiva os toureiros e que foi
a mais penosa em termos de abertura da temporada lisboeta nos últimos anos. O
Campo Pequeno abriu ontem a época, Salgueiro voltou, mas o regresso fica para a
próxima, o triunfo-maior foi de Telles e dos Forcados e Manzanares deixou o
recado de que os espanhóis começam a estar mais à frente que os nossos, é
preciso ter cuidado.
Miguel Alvarenga - Preto no branco,
claro como a água, as coisas ou são ou não são, meias tintas nunca serviram
para nada. Salgueiro ontem no Campo Pequeno, não foi. Era para ser. Prometeu
que seria. A empresa empenhou-se, promoveu duas conferências de imprensa para
que o seu regresso, depois de dois anos sem tourear, tivesse a força, a pompa e
a circunstância que se impunham, fez-se um filme promocional fantástico,
falou-se e fartou-se de falar da reaparição do génio que prometeu e se fartou
de prometer que "qualquer coisa de muito especial" iria acontecer e
depois... pum! Não se passou nada. Foi um balde de água fria e uma decepção das
antigas. Mas haja calma, meus senhores, por morrer (e não morreu ninguém,
graças a Deus!) uma andorinha, nunca acabou a Primavera, que é como quem diz,
Salgueiro continua a ser quem era, a história não acaba aqui. Antes recomeça.
João Salgueiro bem quis. Mas os cavalos
não estão postos - é uma realidade. Vamos tentar entendê-la. Mal vai a
Tauromaquia, muito mal mesmo, quando um Toureiro como João Salgueiro regressa
nestas precárias condições, dois anos depois de ter lamentado que as coisas
estavam como estão e não havia condições para cá andar. Paula Mattamouros e Rui
Bento deram-lhe por fim essas condições, (re)apostaram nele, empenharam-se,
fizeram o que outros não quiseram fazer, proporcionaram a Salgueiro aquilo de
que ele precisava para estar de novo na luta, ele esforçou-se, fez o melhor que
pôde e sabe (tanto!), teve a dignidade de sempre, o querer eterno de triunfar,
mas obviamente que nada disso foi suficiente para fazer face a dois anos de
inactividade e à escassa ou nula rodagem dos cavalos - que também não tourearam
antes precisamente porque não havia as tais condições, precisamente porque a
Tauromaquia está como está, ao ponto de "se dar ao luxo" de permitir
que um génio da craveira de Salgueiro esteja dois anos fora de combate...
Querer é poder, mas às vezes...
No primeiro toiro, belíssimo, de Pinto
Barreiros, bem quis Salgueiro ir de frente, fazer a célebre
"paradinha", bater ao piton contrário, ser o genial Salgueiro de
antigamente, mas... o cavalinho não quis, pirou-se, tirou-se, ficou-se tudo
pelas intenções... Só valeu o último curto, quando a música finalmente tocou e
parece que inspirou o João, mas mesmo esse, foi, apenas e só, muito bom em
relação a todos os outros, mas demasiado vulgar para o que se esperava de um
grande Salgueiro...
No segundo toiro, de Murteira Grave,
muito bem apresentado, sério e reservado, mas que serviu, Salgueiro reencontrou-se...
mas só um bocadinho. Pedro Reinhardt foi injusto e demasiado radical, nem tanto
ao mar, nem tanto à terra, não lhe concedendo música. Salgueiro esteve melhor,
mas nada que se compare ao antigo Salgueiro. A ver se me explico: ele estava
lá, mas ao mesmo tempo não estava. Queria estar e não conseguia, queria ser o
Salgueiro de sempre e não tinha bases (cavalos) para o ser...
No primeiro não quis dar a volta (é e
será sempre um Senhor!), veio apenas agradecer ao centro da arena; e no
segundo, a mesma não lhe foi autorizada (critério discutível) pelo director de
corrida. Mesmo assim, o público tributou-lhe carinhosa e respeitosa ovação.
Salgueiro agradeceu nos médios e fez com a mão o gesto de que para a próxima
será...
Resumindo e concluindo: não esteve mal,
mas também não esteve bem, faltaram cavalos para responder aos rasgos de
genialidade que Salgueiro demonstrou, não tinha que provar nada a ninguém, isso
não, mas...
Houve Salgueiro, isso haverá sempre, mas
sem cavalos à altura da sua grandeza nunca será fácil, antes pelo contrário,
reviver o passado no Campo Pequeno ou onde quer que seja. Teve a dignidade
costumeira, a senhorial postura de sempre, mas... não se passou nada. Fica o
apetite para uma próxima corrida? Ficar, fica, acredito que à segunda Salgueiro
já terá as máquinas mais afinadas e já terá corrigido as falhas que ontem
ocorreram. Afinal, não estamos a falar de um toureiro qualquer...
Super-Telles: Lisboa veio abaixo!
João Ribeiro Telles avisara que não iria
ser um mero espectador do regresso de Salgueiro. E a verdade é que foi o grande
protagonista da noite, com dois sólidos e fortíssimos triunfos, primeiro frente
ao bravo toiro da ganadaria de seu Avô, Mestre David R. Telles e depois numa
emotiva e muito séria lide ao "toirão" de Veiga Teixeira, uma estampa
com cinco anos de idade, o único que mereceu rendidas ovações mal entrou na
arena.
Está bem montado, moralizado e decidido
a dar mais um "passão" em frente, rumo ao pódium. Senhor de si e das
situações, confiado, com opções e motivações de sobra para chegar bem alto,
João Telles foi ontem um Senhor Toureiro no Campo Pequeno. Esteve enorme,
empolgante, Lisboa veio abaixo, caiu-lhe aos pés e ele deu mais um vibrante grito de consagração.
Simplesmente extraordinário.
Duas lides completas, bem estruturadas,
inteligentes face ao tipo distinto de cada um dos toiros que enfrentou, a
provarem a maturidade e a consolidação de um cavaleiro novo que já se pode
gabar de ter entrado na História como um dos grandes pilares de uma geração de
novas figuras.
Manzanares em bom
Manuel Manzanares é uma das novas
revelações do rejoneio espanhol, monta bem, tem belíssimos cavalos, está rodado
pela presença em todas as feiras no seu país e esteve ontem em Lisboa num plano
muito bom, superior mesmo, diria, a muitos dos nossos cavaleiros que por aí
insistem em se arrastar...
Vibrante, alegre e a tourear com
verdade, teve uma presença brilhante no terceiro toiro da noite, um bom
exemplar da ganadaria Santa Maria, que investia com clareza e permitiu a
Manzanares praticar um toureio de classe e de risco, emocionando e provocando
explosivas ovações na bancada.
Por se ter inutilizado nos currais o
toiro de São Torcato, Manzanares lidou em último lugar o sobrero que também
tinha o ferro de Santa Maria, só lha faltava era presença e trapio, sobretudo
tendo em conta que o toiro anterior fora aquela estampa de Veiga
Teixeira, provocando assim agora um contraste demasiado evidente e negativo.
O toiro, com enorme sentido, teve comportamento aceitável,
Manzanares lidou-o com todo o acerto e decisão e o director Pedro Reinhardt
voltou a ser demasiado fundamentalista não lhe concedendo música. Repito: nem
tanto ao mar, nem tanto à terra...
Grandes pegas
Dando sequência a uma temporada de 2015
marcada por memoráveis pegas, foram grandes, enormes, as que ontem nos foram
brindadas pelo Real Grupo de Moura e pelo Aposento da Moita - diria mesmo que,
em paralelo com o notável triunfo de João Telles, foram os valentes forcados os
grandes triunfadores da sonsa corrida de abertura da temporada em Lisboa.
A comemorar (com toda a dignidade e
prestígio que acarretam) o seu 45º aniversário, os reais forcados de Moura
protagonizaram uma noite brilhante no Campo Pequeno com três pegas à primeira,
havendo que destacar, pela grandeza do momento que se viveu, a do cabo Valter
Rico ao "toirão" de Veiga Teixeira, quinto da ordem, brilhante a
recuar, fechando-se com uma decisão de bradar aos céus, consumando entre verdadeiro
alvoroço nas bancadas aquela que seria, sem margem para dúvidas, a pega da
noite. A primeira foi executada por Cláudio Pereira e a segunda por Rui Ameixa,
ambos muito bem e com o grupo, nas três intervenções, a ajudar com imensa
coesão e brio.
Pelos Amadores do Aposento da Moita
pegaram João Rodrigues (muito bem, ao primeiro intento), o valente Nuno Inácio
e o futuro cabo José Maria Bettencourt, ambos à segunda. No final, quando atravessaram a praça, os dois grupos foram aplaudidos muito justamente pelo público.
Excelentes as intervenções de todos os
bandarilheiros. Nota alta para Ricardo Alves e Joaquim de Oliveira, Nuno
Oliveira e João Curto, para os espanhóis da quadrilha de Manzanares e para João
Pedro "Juca", que também a integrou.
Um prémio, dois vencedores e uma vaia...
Não havia, ao contrário do que é usual
nos Concursos de Ganadarias, um prémio para a bravura e outro para a
apresentação, mas apenas e só um para o melhor toiro. E mesmo esso, foi
dividido por dois, atribuído aos toiros de Ribeiro Telles e de Pinto Barreiros.
O público contestou a eleição com uma vaia monumental. Manuel Telles levou o
galardão (que educadamente quis oferecer a Joaquim Alves), o proprietário da
ganadaria Pinto Barreiros fica a aguardar por uma "réplica".
Não se percebeu quem era o júri, por
muito boa vontade de nos informar e excelente dicção que tenha Paulo Pereira (e
tem), a verdade é que o som do Campo Pequeno é completamente imperceptível.
Também ninguém percebeu o que disse a
administradora Drª Paula Resende no momento em que, no final as cortesias, fez
a entrega de um cheque de 30.779,00 euros a Helena Ribeiro Telles, presidente
da louvável Fundação L.Vida, como resultado da receita do festival ali
realizado em Fevereiro - mas presume-se que se tenha congratulado pela forte
presença de público nesse festejo, muito superior à entrada que ontem se
registou e que permitiu há dois meses angariar este dinheiro para combater a
fome em terras de Moçambique.
Há que solucionar este problema do som
que, de facto, é problemático e nos impede de perceber o que quer que seja
sempre que alguém fala ali no Campo Pequeno...
Nas cortesias guardou-se um minuto de
silêncio em homenagem à memória de dois ganadeiros de referência, Fernando
Palha e Manuel Coimbra.
Em suma, uma noite que se chamou Telles - e não Salgueiro, como era suposto. Pouco entusiasmo e pouco público nas
bancadas e não culpem a chuva, que já vi o Campo Pequeno cheio, com Pablo
Hermoso em noite de tempestade maior que a de ontem na rua.
As coisas têm que ser, não podem parecer
que são. E ontem... Salgueiro apenas pareceu que era o nosso Salgueiro, o génio
de outros e recordados tempos. Mas não era. Nem foi. Não chegou, afinal, a sair
da lâmpada... mas não perco a esperança, ele há-de voltar. E em força.
Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com