sexta-feira, 15 de abril de 2016

Por morrer uma andorinha... não acaba o João Salgueiro!

Faltaram cavalos afinados, sobrou a raça e o valor de um grande Toureiro. Salgueiro
não chegou a marcar a diferença, pode ter morrido uma andorinha, mas não acabou
de certeza a Primavera...
João Ribeiro Telles foi o triunfador da noite. Primeiro, frente ao toiro da ganadaria
de seu Avô, depois com o "toirão" de Veiga Teixeira. Deu mais um grito de
consagração e mais um "passão" em frente rumo ao pódium
Manuel Manzanares teve ontem uma digna e aplaudida presença no Campo
Pequeno. Enfrentou dois toiros de Santa Maria e pôs em prática um toureiro
emotivo e de risco, evidenciando a excelência da sua quadra
Helena Ribeiro Telles, presidente da Fundação L.Vida, exibindo o cheque entregue
pela administradora do Campo Pequeno com a receita do festival que aqui teve
lugar em Fevereiro. Em baixo, a Drª Paula Resende com os dois ganadeiros
vencedores do concurso, Joaquim Alves (Pinto Barreiros) e Manuel Ribeiro
Telles; à esquerda, na foto, António Veiga Teixeira, proprietário do toiro mais
aplaudido ontem em Lisboa



Pouco público, a rondar a meia casa fraca, um primeiro-ministro, mas da Hungria, e um ministro-adjunto do nosso governo, Eduardo Cabrita, numa moldura que não incentiva os toureiros e que foi a mais penosa em termos de abertura da temporada lisboeta nos últimos anos. O Campo Pequeno abriu ontem a época, Salgueiro voltou, mas o regresso fica para a próxima, o triunfo-maior foi de Telles e dos Forcados e Manzanares deixou o recado de que os espanhóis começam a estar mais à frente que os nossos, é preciso ter cuidado.

Miguel Alvarenga - Preto no branco, claro como a água, as coisas ou são ou não são, meias tintas nunca serviram para nada. Salgueiro ontem no Campo Pequeno, não foi. Era para ser. Prometeu que seria. A empresa empenhou-se, promoveu duas conferências de imprensa para que o seu regresso, depois de dois anos sem tourear, tivesse a força, a pompa e a circunstância que se impunham, fez-se um filme promocional fantástico, falou-se e fartou-se de falar da reaparição do génio que prometeu e se fartou de prometer que "qualquer coisa de muito especial" iria acontecer e depois... pum! Não se passou nada. Foi um balde de água fria e uma decepção das antigas. Mas haja calma, meus senhores, por morrer (e não morreu ninguém, graças a Deus!) uma andorinha, nunca acabou a Primavera, que é como quem diz, Salgueiro continua a ser quem era, a história não acaba aqui. Antes recomeça.
João Salgueiro bem quis. Mas os cavalos não estão postos - é uma realidade. Vamos tentar entendê-la. Mal vai a Tauromaquia, muito mal mesmo, quando um Toureiro como João Salgueiro regressa nestas precárias condições, dois anos depois de ter lamentado que as coisas estavam como estão e não havia condições para cá andar. Paula Mattamouros e Rui Bento deram-lhe por fim essas condições, (re)apostaram nele, empenharam-se, fizeram o que outros não quiseram fazer, proporcionaram a Salgueiro aquilo de que ele precisava para estar de novo na luta, ele esforçou-se, fez o melhor que pôde e sabe (tanto!), teve a dignidade de sempre, o querer eterno de triunfar, mas obviamente que nada disso foi suficiente para fazer face a dois anos de inactividade e à escassa ou nula rodagem dos cavalos - que também não tourearam antes precisamente porque não havia as tais condições, precisamente porque a Tauromaquia está como está, ao ponto de "se dar ao luxo" de permitir que um génio da craveira de Salgueiro esteja dois anos fora de combate...

Querer é poder, mas às vezes...

No primeiro toiro, belíssimo, de Pinto Barreiros, bem quis Salgueiro ir de frente, fazer a célebre "paradinha", bater ao piton contrário, ser o genial Salgueiro de antigamente, mas... o cavalinho não quis, pirou-se, tirou-se, ficou-se tudo pelas intenções... Só valeu o último curto, quando a música finalmente tocou e parece que inspirou o João, mas mesmo esse, foi, apenas e só, muito bom em relação a todos os outros, mas demasiado vulgar para o que se esperava de um grande Salgueiro...
No segundo toiro, de Murteira Grave, muito bem apresentado, sério e reservado, mas que serviu, Salgueiro reencontrou-se... mas só um bocadinho. Pedro Reinhardt foi injusto e demasiado radical, nem tanto ao mar, nem tanto à terra, não lhe concedendo música. Salgueiro esteve melhor, mas nada que se compare ao antigo Salgueiro. A ver se me explico: ele estava lá, mas ao mesmo tempo não estava. Queria estar e não conseguia, queria ser o Salgueiro de sempre e não tinha bases (cavalos) para o ser...
No primeiro não quis dar a volta (é e será sempre um Senhor!), veio apenas agradecer ao centro da arena; e no segundo, a mesma não lhe foi autorizada (critério discutível) pelo director de corrida. Mesmo assim, o público tributou-lhe carinhosa e respeitosa ovação. Salgueiro agradeceu nos médios e fez com a mão o gesto de que para a próxima será...
Resumindo e concluindo: não esteve mal, mas também não esteve bem, faltaram cavalos para responder aos rasgos de genialidade que Salgueiro demonstrou, não tinha que provar nada a ninguém, isso não, mas...
Houve Salgueiro, isso haverá sempre, mas sem cavalos à altura da sua grandeza nunca será fácil, antes pelo contrário, reviver o passado no Campo Pequeno ou onde quer que seja. Teve a dignidade costumeira, a senhorial postura de sempre, mas... não se passou nada. Fica o apetite para uma próxima corrida? Ficar, fica, acredito que à segunda Salgueiro já terá as máquinas mais afinadas e já terá corrigido as falhas que ontem ocorreram. Afinal, não estamos a falar de um toureiro qualquer...

Super-Telles: Lisboa veio abaixo!

João Ribeiro Telles avisara que não iria ser um mero espectador do regresso de Salgueiro. E a verdade é que foi o grande protagonista da noite, com dois sólidos e fortíssimos triunfos, primeiro frente ao bravo toiro da ganadaria de seu Avô, Mestre David R. Telles e depois numa emotiva e muito séria lide ao "toirão" de Veiga Teixeira, uma estampa com cinco anos de idade, o único que mereceu rendidas ovações mal entrou na arena.
Está bem montado, moralizado e decidido a dar mais um "passão" em frente, rumo ao pódium. Senhor de si e das situações, confiado, com opções e motivações de sobra para chegar bem alto, João Telles foi ontem um Senhor Toureiro no Campo Pequeno. Esteve enorme, empolgante, Lisboa veio abaixo, caiu-lhe aos pés e ele deu mais um vibrante grito de consagração. Simplesmente extraordinário.
Duas lides completas, bem estruturadas, inteligentes face ao tipo distinto de cada um dos toiros que enfrentou, a provarem a maturidade e a consolidação de um cavaleiro novo que já se pode gabar de ter entrado na História como um dos grandes pilares de uma geração de novas figuras.

Manzanares em bom

Manuel Manzanares é uma das novas revelações do rejoneio espanhol, monta bem, tem belíssimos cavalos, está rodado pela presença em todas as feiras no seu país e esteve ontem em Lisboa num plano muito bom, superior mesmo, diria, a muitos dos nossos cavaleiros que por aí insistem em se arrastar...
Vibrante, alegre e a tourear com verdade, teve uma presença brilhante no terceiro toiro da noite, um bom exemplar da ganadaria Santa Maria, que investia com clareza e permitiu a Manzanares praticar um toureio de classe e de risco, emocionando e provocando explosivas ovações na bancada.
Por se ter inutilizado nos currais o toiro de São Torcato, Manzanares lidou em último lugar o sobrero que também tinha o ferro de Santa Maria, só lha faltava era presença e trapio, sobretudo tendo em conta que o toiro anterior fora aquela estampa de Veiga Teixeira, provocando assim agora um contraste demasiado evidente e negativo.
O toiro, com enorme sentido, teve comportamento aceitável, Manzanares lidou-o com todo o acerto e decisão e o director Pedro Reinhardt voltou a ser demasiado fundamentalista não lhe concedendo música. Repito: nem tanto ao mar, nem tanto à terra...

Grandes pegas

Dando sequência a uma temporada de 2015 marcada por memoráveis pegas, foram grandes, enormes, as que ontem nos foram brindadas pelo Real Grupo de Moura e pelo Aposento da Moita - diria mesmo que, em paralelo com o notável triunfo de João Telles, foram os valentes forcados os grandes triunfadores da sonsa corrida de abertura da temporada em Lisboa.
A comemorar (com toda a dignidade e prestígio que acarretam) o seu 45º aniversário, os reais forcados de Moura protagonizaram uma noite brilhante no Campo Pequeno com três pegas à primeira, havendo que destacar, pela grandeza do momento que se viveu, a do cabo Valter Rico ao "toirão" de Veiga Teixeira, quinto da ordem, brilhante a recuar, fechando-se com uma decisão de bradar aos céus, consumando entre verdadeiro alvoroço nas bancadas aquela que seria, sem margem para dúvidas, a pega da noite. A primeira foi executada por Cláudio Pereira e a segunda por Rui Ameixa, ambos muito bem e com o grupo, nas três intervenções, a ajudar com imensa coesão e brio.
Pelos Amadores do Aposento da Moita pegaram João Rodrigues (muito bem, ao primeiro intento), o valente Nuno Inácio e o futuro cabo José Maria Bettencourt, ambos à segunda. No final, quando atravessaram a praça, os dois grupos foram aplaudidos muito justamente pelo público.
Excelentes as intervenções de todos os bandarilheiros. Nota alta para Ricardo Alves e Joaquim de Oliveira, Nuno Oliveira e João Curto, para os espanhóis da quadrilha de Manzanares e para João Pedro "Juca", que também a integrou.

Um prémio, dois vencedores e uma vaia...

Não havia, ao contrário do que é usual nos Concursos de Ganadarias, um prémio para a bravura e outro para a apresentação, mas apenas e só um para o melhor toiro. E mesmo esso, foi dividido por dois, atribuído aos toiros de Ribeiro Telles e de Pinto Barreiros. O público contestou a eleição com uma vaia monumental. Manuel Telles levou o galardão (que educadamente quis oferecer a Joaquim Alves), o proprietário da ganadaria Pinto Barreiros fica a aguardar por uma "réplica".
Não se percebeu quem era o júri, por muito boa vontade de nos informar e excelente dicção que tenha Paulo Pereira (e tem), a verdade é que o som do Campo Pequeno é completamente imperceptível.
Também ninguém percebeu o que disse a administradora Drª Paula Resende no momento em que, no final as cortesias, fez a entrega de um cheque de 30.779,00 euros a Helena Ribeiro Telles, presidente da louvável Fundação L.Vida, como resultado da receita do festival ali realizado em Fevereiro - mas presume-se que se tenha congratulado pela forte presença de público nesse festejo, muito superior à entrada que ontem se registou e que permitiu há dois meses angariar este dinheiro para combater a fome em terras de Moçambique.
Há que solucionar este problema do som que, de facto, é problemático e nos impede de perceber o que quer que seja sempre que alguém fala ali no Campo Pequeno...
Nas cortesias guardou-se um minuto de silêncio em homenagem à memória de dois ganadeiros de referência, Fernando Palha e Manuel Coimbra.
Em suma, uma noite que se chamou Telles - e não Salgueiro, como era suposto. Pouco entusiasmo e pouco público nas bancadas e não culpem a chuva, que já vi o Campo Pequeno cheio, com Pablo Hermoso em noite de tempestade maior que a de ontem na rua.
As coisas têm que ser, não podem parecer que são. E ontem... Salgueiro apenas pareceu que era o nosso Salgueiro, o génio de outros e recordados tempos. Mas não era. Nem foi. Não chegou, afinal, a sair da lâmpada... mas não perco a esperança, ele há-de voltar. E em força.

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com