sábado, 23 de agosto de 2025

Tragédia ontem no Campo Pequeno: Manuel Trindade foi o décimo forcado a morrer vítima de colhida em praça desde João Raiva em 1953



Manuel Maria Trindade, de apenas 22 anos, já um valor confirmado nas fileiras do Grupo de Forcados Amadores de São Manços, deu ontem à noite entrada no Hospital de São José em morte cerebral, depois de socorrido e ventilado pelos médicos do INEM na ambulância. O processo era irreversível e os médicos avisaram ainda na praça os responsáveis pelo Grupo de São Manços do "quadro negro" que tinham pela frente. As hipóteses de sobreviver eram praticamente nulas. O óbito foi confirmado esta madrugada.

Manuel Trindade foi o forcado eleito pelo cabo João Fortunato para pegar ontem o primeiro toiro da terceira tourada da mini-temporada do Campo Pequeno - em que actuaram oito cavaleiros e quatro grupos de forcados (disputando um concurso de pegas) frente a oito toiros da ganadaria Vinhas, os últimos saídos a uma praça ainda em propriedade da histórica família.

O toiro era possante, acusou o peso de 695 quilos (um exagero!) e foi lidado pelo cavaleiro açoreano João Pamplona, que abriu praça a fazer a confirmação da sua alternativa, uma vez que era a primeira vez que toureava em Lisboa.

O valoroso Manuel Maria Trindade saltou à arena e brindou a pega aos presidentes de Câmara que assistiam ontem ao espectáculo no camarote da ProToiro. Esperou alguns segundos por que o toiro se arrancasse, provocou-lhe a investida, a praça em silêncio, recuou bem, fechou-se com decisão, mas não foi fácil aos ajudas ampararem a força bruta daquele comboio, que levou o forcado a embater violentamente contra as tábuas, ficando logo ali inanimado e a sangrar dos ouvidos, deixando antever um quadro de tragédia.

"Foi uma coisa horrível!" - disse ao "Farpas" um aficionado que assistia à corrida. Os médicos do INEM socorreram e estabilizaram Manuel Trindade na ambulância, onde o ventilaram e transportaram ao Hospital de São José. Mas o quadro era mesmo muito negro. O jovem forcado, residente em São Miguel de Machede, Évora, já entrou no hospital em morte cerebral, tendo sofrido uma paragem cardiorespiratória que os médicos não puderam reverter.

O óbito foi declarado pouco depois de dar entrada no Hospital de São José e num momento em que decorria ainda na praça do Campo Pequeno a longa tourada de oito toiros.

O forcado foi retirada da arena em maca, e com todos os cuidados, pelos socorristas da Cruz Vermelha, acabando por ser dobrado pelo companheiro Martim Moreno, que consumou a pega na sua segunda intervenção, ou seja, na terceira tentativa efectiva.

Os Forcados de São Manços, que nesta temporada estão a comemorar o 60º aniversário da sua fundação, disputavam ontem à noite um concurso de pegas com os grupos de Moura, de Monforte e de Beja, cujo vencedor foi o forcado Francisco Patanita, dos Amadores de Beja.

Os Amadores de São Manços estão também anunciados para o concurso de pegas que amanhã, domingo, se realiza em Santo Aleixo (Monforte), se provável que não compareçam pelo momento de luto que estão a viver.

Não há ainda qualquer informação sobre as cerimónias fúnebres do malogrado forcado, tudo levando a crer que se realizem no início da próxima semana no concelho de Évora.

Manuel Maria Trindade foi o terceiro forcado a morrer vítima de acidente na praça de toiros do Campo Pequeno, depois de João Fernandes Júnior (conhecido por João Raiva), que em 10 de Setembro de 1953 acabava de ser investido no cargo de cabo dos Forcados Profissionais de Lisboa e na segunda tentativa para efectuar a primeira pega sofreu a perfuração de uma vista por uma bandarilha que lhe atingiu o cérebro, falecendo no dia seguinte; e depois de Pedro Belacorça, forcado do Grupo de Portalegre, que em 1988 saíu pelo próprio pé da arena lisboeta segurando uma bandarilha que se lhe cravou no abdómen (era uma corrida comemorativa da Expo 98) e morreu um mês depois no hospital vítima de uma infecção.

Desde João Raiva em 1953 no Campo Pequeno, Manuel Maria Trindade foi o décimo forcado a morrer vítima de colhida em praça. O último forcado a perder a vida por colhida foi Fernando Reynolds Quintella, dos Amadores de Alcochete, na praça da Moita em Setembro de 2017, quando pegava um toiro da ganadaria Prudêncio.

Em anos anteriores, morrerem por colhida em praça os forcados José João Lameiras, dos Amadores das Caldas da Rainha, em 1982 na praça de Albufeira; António Santos, cabo do Grupo de Aveiras de Cima, ex-forcado dos Amadores Lusitanos (que chegou a integrar uma selecção que actuou no México una anos antes), também na praça de Albufeira em 1987, com o cérebro perfurado pelo pau de uma bandarilha; Helder Antono, dos Amadores de Alcochete, em 23 de Março de 1988 na praça de Alcochete, quando pegava o toiro "Farrusco", de 585 quilos, da ganadaria D. Maria Ana Passanha; António Gouveia, dos Amadores do Montijo (também ex-elemento dos Forcados Lusitanos), vítima de colhida em Angra do Heroísmo (Ilha Terceira) em 1991; Ricardo Silva "Pitó", do Grupo de Vila Franca de Xira, quando pegava um toiro na praça de Arruda dos Vinhos em 2002; e Pedro Miguel Primo, dos Amadores de Cuba, em Julho de 2017, vítima de colhida numa corrida realizada em Cuba (Beja).

No ano de 2009 morreu também o forcado Francisco Matias, do Grupo de Portalegre, não em praça, mas durante um treino na zona de Arronches.

Nesta hora de dor e de luto, endereçamos à Família de Manuel Maria Trindade e ao GFA de São Manços as nossas mais sentidas condolências.

Que em paz descanse.

Fotos José Canhoto/"Farpas"/Arquivo