Ontem em Montemor: ainda e sempre, a diferença |
Cortesias de luxo: João Moura Júnior, Luis Miguel da Veiga, Filipe Gonçalves e João Ribeiro Telles |
Filipe Gonçalves anda a tourear com o braço direito engessado - e isso tem muito valor |
Arte e temple no toureio de João Moura Jr. |
Dois momentos da excelente passagem de João Telles ontem por Montemor |
Miguel Alvarenga - A corrida de ontem em Montemor-o-Novo foi boa, acabou por ser um agradável espectáculo, teve a ajudar a presença marcante de Luis Miguel da Veiga trajado a rigor e por isso fazendo a diferença, mas houve calor a mais, o que pode ter influenciado o comportamento dos toiros e a apatia do próprio público, pouco motivado para colaborar e aplaudir. Viam-se muitos leques a abanar, poucas mãos a aplaudir.
A praça de Montemor não tem instalação eléctrica, o que impede de dar corrida nocturnas e, pior ainda, obriga a que as da tarde comecem cedo (neste caso, às cinco da tarde), à hora do calor, quando é insuportável estar na rua. Há que repensar esta situação. Ontem, era impossível estar ao sol. E mesmo à sombra estava-se mal.
Artisticamente, esperava-se um pouco mais de “guerra” e picardia por parte dos três cavaleiros. Filipe Gonçalves caíu bem no cartel a substituir o lesionado Caetano, mas não sei porquê deu a impressão de que acusou o peso de estar numa corrida importante do nosso calendário taurino “apertado” por dois dos mais destacados “meninos” das novas figuras. E os “meninos”, por seu turno, andaram esforçados frente aos toiros sem emoção, mas com seriedade, de Jorge Mendes, mas sem alguma vez romperem em força e obrigarem o apático público a reagir, a pôr-se de pé. Foi tudo um bocado mornito… e houve pouca matéria prima para cavaleiros e forcados causarem alvoroço...
Lidou-se um muito bem apresentado curro de toiros de Jorge Mendes, que, como disse atrás, apesar da nobreza e do trapio, da seriedade, não trouxeram grande emoção e raro bateram nos forcados, retirando brio aos heróis da tarde e tornando aos olhos do público fáceis as pegas. O ganadeiro foi premiado com volta à arena num toiro (aceita-se pela seriedade e o trapio dos animais) e no final acompanhou igualmente todos os intervenientes, cavaleiros, forcados e os ousados campinos Janica e Café, numa volta apoteótica final - o que, só por si, explica, apesar de tudo, o sucesso da corrida de ontem que, embora ritmada e a decorrer sempre em crescendo, foi menos emotiva do que se esperava. Cá para mim, repito, o calor amoleceu os toiros e fez até esmorecer o público, pouco participativo e demasiado apático, não colaborando com os toureiros…
Filipe de braço engessado...
Filipe Gonçalves vive, na verdade, um momento alto. Consolidou, à custa de muita esforço, à custa de ter subido a corda a pulso, uma carreira sólida, hoje marcada pela experiência, pela maturidade e pelo encontro, finalmente, da quadra (quase) ideal e que lhe permite pôr em prática o toureio emotivo e de alto risco que protagoniza todas as tardes e em todas as praças. Filipe está a tourear com o braço direito engessado, o braço de cravar os ferros, o que evidencia um esforço e uma dedicação louváveis e um sentido de profissionalismo elevado, aliado à necessidade pertinente de trabalhar (tourear) e não estar parado.
Ontem em Montemor substituiu Moura Caetano (lesionado) e honrou esse compromisso e essa oportunidade jogando tudo, pondo o melhor de si em cada lance, em cada pormenor, em cada ferro. O penúltimo, no quarto toiro da corrida, foi um ferro de parar corações, a entrar pelo toiro dentro, uma sorte a lembrar os "ferros à Batista" e, esse sim, fez explodir o público. Foi o ferro da corrida. E terá sido mesmo um dos ferros da temporada.
Filipe Gonçalves caminha a passos largos e por mérito próprio para o pódium das primeiras Figuras - já ninguém duvida disso. Ontem, teve atitude, veio "para a guerra", demonstrou querer e vontade de vencer. Muita. Apesar de, como disse no início, se esperar dele algo mais numa competição destas.
Moura continua a ser o mais destacado dos "filhos"
João Moura Júnior é um leãozinho e está num momento de inspiração e de consolidação únicos. Apoiado numa sólida e tranquila quadra de cavalos, o mais destacado dos "filhos" deu ontem em Montemor dois autênticos recitais de bom toureiro, de maestria mourista, de emoção e de temple. Faltou transmissão aos toiros e isso apagou de certo modo o brilho das duas lides de Moura Júnior.
Mesmo assim, demonstrou estar em grande forma e preparado para a grande competição desta quinta-feira em Lisboa - com seu Pai e com Pablo Hermoso. Não vai ser fácil, mas João está em alta e pronto para o que vier.
João Telles triunfou no sexto
João Ribeiro Telles teve também ontem uma triunfal passagem pela arena de Montemor, destacando-se sobretudo na lide do sexto toiro. O público pouco correspondeu e quase nada animou. Esteve frio, como se ali não estivesse, não reconhecendo o brio, o esforço e a arte do jovem Telles.
Não quero acreditar que os toureiros, ao não espremerem tudo o que tinham para dar, se tivessem de algum modo sentido inibidos pela presença, ainda para mais fardado, de Luis Miguel da Veiga - uma presença que, valha a verdade, intimida e marca a diferença, quase que fecha uma porta entre o passado e o presente, como quem diz “dantes é que era, agora que seja o que Deus quiser”. E, no fundo, é isso. Os toureiros de ontem foram uma coisa. Os de hoje são outra...
Filipe esteve muito bem, Moura esteve muito bem e Telles esteve muito bem, mas… Quem esteve bem de verdade foi Mestre Luis Miguel da Veiga nas cortesias. E o público, que se foi levantando e aplaudindo à medida que ele ia cruzando a arena, foi com ele que vibrou. A antiguidade ainda é um posto e o passado, nisto do mundo dos toiros, às vezes vale muito mais e tem muito maior significado e importância que o presente. E muito mais ainda que o futuro.
O adeus de três grandes Forcados
Agostinho Borges dirigiu muito acertadamente a corrida, assessorado pelo médico veterinário e também antigo forcado de Montemor, Dr. Feliciano Reis. Como sempre, esta corrida foi a corrida dos Forcados. Fardaram-se alguns antigos (poucos desta vez), brilharam os actuais e foi tempo de despedida para três grandes: Frederico Caldeira, João Romão Tavares e o primeiro ajuda João Pedro Pereira. Qualquer um deles, nomes grandes e que muito dignificaram o Grupo de Montemor ao longo dos últimos anos.
Como é tradição no grupo, anunciou-se que eram as suas últimas pegas, houve emoção e saudade nas voltas à arena, mas não houve jaquetas despidas nem voltas aos ombros dos companheiros. Em Montemor, os forcados dizem adeus com a simplicidade e a grandeza com que por cá andaram anos a fio a defender a bonita jaqueta dos Amadores. Sem espalhafato.
Houve cinco pegas à primeira, sem problemas de maior e sem uma emoção do outro mundo, precisamente as cinco primeiras, executadas respectivamente pelo cabo António Vacas de Carvalho, por Frederico Manzarra Caldeira, por João Romão Tavares, por Manuel Dentinho e por João da Câmara. A sexta foi consumada à segunda, com enorme valor, por Francisco Borges. A rabejar, entre outros, estiveram o já retirado João Braga e o eficiente Tiago Telles de Carvalho. O grupo ajudou coeo e com a força e técnica costumeiras. Sem falhas.
Já ali se viram tardes bem mais duras e muito mais emotivas no que às pegas diz respeito. Desta vez os toiros de Jorge Mendes não fizeram mal, foram nobres sem transmitir grande emoção e por isso mesmo as pegas resultaram fáceis e sem o brilhantismo que se desejava e o próprio grupo, certamente, ansiava.
A corrida foi presidida por Hortênsia Menino, presidente da Câmara, a quem os Forcados de Montemor brindaram a sua última pega. A talhe de foice, recorde-se que, infelizmente e ao contrário de outras terras, Montemor ainda não tem (vai ter um dia?) uma rua com o nome de Luis Miguel da Veiga e outra com o dos Forcados de Montemor…
E para o ano há mais. Faça-se ainda justiça aos empresários-aficionados Simão Comenda e Paulo Vacas de Carvalho, ao esforço, ao carinho com que organizam tudo, à seriedade com que deitam mãos à obra e a realizam sem problemas. Com aficion.
Fotos Carlos Silva