O novilheiro Rui Jardim, o mais emblemático e premiado aluno da Escola de Azambuja, pode agora ter o seu futuro ameaçado... |
Miguel Alvarenga e Fernanda Rita - Há guerra na Azambuja! O presidente da associação Poisada do Campino, Nuno Engrácio, que gere a praça de toiros local e tutela a Escola de Toureio, não gostou de uma reportagem publicada no final do ano no jornal regional “O Mirante” e solicitou por mensagem ao presidente da escola, o antigo toureiro Ernesto Manuel (foto ao lado), que entregasse as chaves da sede e não voltasse lá mais. Há duas semanas que Ernesto Manuel dá aulas aos alunos na rua, aos olhos da população aficionada que, revoltada e indignada, convocou para as 20 horas de amanhã, terça-feira, uma manifestação de apoio à Escola de Toureio.
Nessa polémica reportagem, Ernesto Manuel acusava a Poisada do Campino e a autarquia de não terem cumprido nada do que prometeram e confessou que estava há dois anos "a pagar do seu bolso" despesas resultantes das actividades desenvolvidas pelos alunos, desde deslocações a praças onde actuavam, a refeições e tudo o mais, incluindo o seguro dos jovens toureiros, obrigatório para participarem em espectáculos.
“Ernesto Manuel nunca recebeu salário e é ele quem paga do seu bolso as deslocações e até os seguros dos alunos. A Escola de Toureio de Azambuja pertence à Poisada do Campino, que não tem cumprido o que prometeu ao professor”, lê-se no jornal “O Mirante”.
Ernesto Manuel acusou também a associação Poisada do Campino de não ter pago, até às vésperas de uma novilhada na praça de Sobral de Monte Agraço, em Agosto do ano passado, o seguro do novilheiro Rui Jardim, que aí toureava, no valor de 600 euros anuais e que cobre todos os alunos que a escola nomear para actuarem em espectáculos.
O professor da escola afirma que descobriu essa falta de pagamento “em cima do dia da corrida” e que pediu “a um amigo e juntos conseguimos arranjar o dinheiro para o seguro”. O antigo bandarilheiro, retirado das arenas há três anos, revelou ainda que contactou o vice-presidente da autarquia, Silvino Lúcio, e que este lhe disse: “Não pode tourear, não toureia, não vamos arriscar”, sacudindo também a água do capote quanto ao não pagamento do referido seguro. Ernesto Manuel, na mesma reportagem de “O Mirante”, acusou o vice-presidente da Câmara de “insensibilidade”.
Um saco de moedas...
Em dois anos à frente da Escola de Toureio de Azambuja, Ernesto Manuel conseguiu no primeiro (2015) que os alunos estivessem representados em 40 espectáculos e em 2016 em 60. “Os seus alunos conquistam prémios, mas é sempre à custa do suor (e do dinheiro) do mestre”, lê-se na mesma reportagem.
Também segundo “O Mirante” - e confirmado ao “Farpas” pelo próprio - durante um ano Ernesto Manuel pagou do seu bolso o gasóleo das deslocações com os alunos da escola e pediu, pelo menos, que a Poisada do Campino lhe pagasse isso: 130 euros.
“Sabe como me pagaram? Com um saco em moedas de 2, 5 e 10 cêntimos e moedas de um e dois euros. Se isto não é gozar…”, conta Ernesto Manuel, acrescentando que “ainda me ficaram a dever: no saco estavam 99 euros e 70 cêntimos”.
A Câmara, por seu turno, diz que quer ajudar, mas que não pode porque a escola “não está legalizada”. Ernesto Manuel garante que apresentou formas de obter financiamento até da União Europeia”: “Houve uma reunião na Câmara e eu trouxe o presidente da Escola de Toureio José Falcão de Vila Franca de Xira. Esteve presente o vereador da Cultura, António Amaral, e Nuno Engrácio. Ficou tudo esclarecido: eu apresentei os estatutos e ficou delineada a estratégia. Foi há um ano e meio e até agora está tudo na mesma. Temos excelentes condições em termos de espaço, mas falta o mais importante: vontade de andar para a frente de quem pode decidir”.
Escola de homens... ameaçada
Uma semana antes, o mesmo jornal “O Mirante” publicara uma outra reportagem onde se dava conta da importância da Escola de Toureio de Azambuja na formação de homens. Rui Jardim, o mais emblemático e mais adiantado dos pupilos de Ernesto Manuel, afirmava: “O que se aprende aqui (na escola) é a ser-se homem, a ser-se amigo. A educação não se aprende só em casa. Aprende-se a ter ética e ensinam-nos os princípios básicos do que é ser toureiro”.
Vários outros depoimentos dos vários jovens alunos da escola confirmavam isso mesmo, entre eles o de Inês, jovem sem medo de enfrentar os toiros e que é bisneta do famoso bandarilheiro e antigo novilheiro Etelvino Laureano, já falecido e que foi um dos fundadores da Escola de Toureio de Azambuja.
O futuro da escola e o futuro do sonho destes jovens que querem brilhar nas arenas está agora posto em causa.
Há duas semanas e depois de duas reportagens de “O Mirante” terem “destapado a careca” dos que prometeram e não cumpriram, o presidente da Poisada do Campino, Nuno Engrácio, enviou uma mensagem para o telemóvel de Ernesto Manuel solicitando-lhe que entregasse a chave das instalações. “Nunca deu a cara, pediu-me que entregasse a chave na caixa de correio da casa de seu pai e desde aí nunca mais me atendeu o telefone e mudou a fechadura da porta”, revela Ernesto Manuel ao "Farpas". E desabafa: “Acho que fui despedido… mas ainda ninguém falou comigo…”.
Sobre a manifestação marcada para as oito da noite de amanhã, Ernesto Manuel diz “ter conhecimento, obviamente”, mas “não fui eu que a convocou”. O antigo bandarilheiro vai à mesma hora dar mais uma lição aos alunos em plena rua e o povo aficionado e as tertúlias locais vão marcar presença em peso para apoiar a continuação (ameaçada) da Escola de Toureio de Azambuja.
Fotos Emílio de Jesus, Maria Mil-Homens e D.R.