sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Primeiro velório de um funeral anunciado: aficionados deram carta branca a Medina para acabar com as touradas em Lisboa

Miguel Alvarenga - Ficaram muito incomodados alguns pseudo-taurinos (não os vi ontem no Campo Pequeno...) com um post que publiquei ontem no Facebook - e a que não retiro uma vírgula. Espero sinceramente nunca vir a envolver o meu querido neto neste mundo dos toiros, que já não tem nem de longe nem de perto a força que teve antigamente e que já não tem, sobretudo, o glamour que era a sua virtude maior. Como eu dou cada vez mais razão ao João Salgueiro quando disse que se ia embora exactamente por isto. E é por isso que eu vou também. Chegando ao fim desta temporada - apenas e só lá chegarei porque tenho compromissos que não vou deixar de assumir - deixo de escrever de toiros. Porque também já não há muito para escrever sobre isto...

Continuarei, obviamente, a minha vida jornalística, agora com novos projectos - e sem toiros. Algum dia tinha que ser. Uma pessoa cansa-se desta pasmaceira sempre igual.

Mas voltando ao Facebook: chegaram a escrever que eu era anti-taurino e que não era aficionado. Anti-taurino nunca serei na vida. Posso estar farto desta tauromaquia de hoje, mas contra jamais serei. Aficionado fui, sim senhor. Nos tempos das fabulosas nocturnas do Campo Pequeno com "Niño de la Capea" e Ruiz Miguel, "Paquirri" e Dámaso González, Batista e Veiga, Moura e Caetano e João Telles e Salvador e todos os demais, e António, o Mestre. Fui aficionado, sim. À Festa dos empresários Manuel dos Santos, Alfredo Ovelha, Américo Pena, José CardalSalvação Barreto, Manuel Gonçalves. Hoje, a esta Festarola sempre igual e sem nenhuns interesses, salvo raríssimas excepções (a corrida dos Mouras foi uma delas), sem glamour e sem grandeza - já não sou, não senhor. E assumo sem problema algum.

Mas ao contrário do que alguns insinuam, não estou contra, Deus me livre. Quem está contra a Tauromaquia é, apenas e só, a própria Tauromaquia. Viu-se ontem no Campo Pequeno.

Onde estavam os aficionados do toureio a pé? Vão só a Olivença e a Badajoz presumir, beber cañas e mostrar-se? E onde estavam, sobretudo, os aficionados a quem competia defender a Festa e lutar pela continuidade das touradas em Lisboa? Pombeiro passou as duas últimas semanas a lembrar que era preciso estarmos todos no Campo Pequeno, que era preciso mostrar a força do Campo Pequeno - e a nossa. Foram sermões aos peixes - a que ninguém ligou, de que ninguém fez caso.

Os aficionados (raça em vias de extinção total) deram ontem uma carta branca a Medina para acabar mesmo com as touradas em Lisboa. E não fui eu que arranjei as fotos e tirei público para mostrar as cadeiras vazias. Elas estavam mesmo vazias.

Eu estive no Campo Pequeno. Os que insinuam que não sou aficionado, esses não estiveram lá. Preferiram ontem dar razão a Medina e dar-lhe força para acabar com as touradas no Campo Pequeno - touradas para quê se aqueles que deveriam ser os primeiros interessados em que elas continuassem ficaram em casa? Continua a fazer sentido haver touradas no Campo Pequeno? A culpa delas acabarem mais cedo do que se pensa é minha? Sou eu que não sou aficionado? Ou são vocês que estão a acabar com isto?

O que ontem aconteceu foi um primeiro e triste (como todos) velório do funeral definitivo do Campo Pequeno como praça de toiros.

Passei há dois dias uma tarde agradabilíssima na esplanada do restaurante "Carnalentejana" com o meu neto Santiago e com os meus amigos Luis Miguel Pombeiro e Rui Bento. E escrevi o que escrevi no Facebook porque sei que tenho razão e aprendi com Vera Lagoa que não se arquivam queixas na gaveta.

Daqui a uns anos, quando o Santiago tiver idade para perceber isso, voltaremos ali e vou dizer-lhe: "Meu querido, isto aqui foi uma praça de toiros... e deixou de o ser porque os senhores que cá vinham deixaram de vir".

Foto M. Alvarenga