domingo, 10 de abril de 2022

"Juanito" e Murteira Grave: Glória de Portugal em Espanha

Miguel Alvarenga - Trinta anos depois do grande "boom" de Pedrito e quarenta passados sobre a última vez em que tivemos um toureiro entre os primeiros, o grande Vitor Mendes, Portugal tem hoje um novo matador na alta esfera do toureio mundial e os aficionados lusos têm outra vez um ídolo que já seguem com renovada paixão por terras da vizinha Espanha.

Madrid, em plena Feira de Santo Isidro, na próxima tarde de 24 de Maio, vai certamente marcar um virar de página na História do nosso toureio a pé, uma longa viagem marcada por grandes ídolos no passado e que foi iniciada por Diamantino Viseu há exactamente 75 anos.

João Silva "Juanito", nascido em Monforte, filho do bandarilheiro Hugo Silva, que deu os primeiros passos ao lado e na equipa do Maestro João Moura, é a nova coqueluche do toureio português e ontem iniciou a sua decisiva temporada espanhola arrastando a Higuera la Real - província de Badajoz - centenas de seguidores lusos oriundos das mais diversas zonas do país. 

Falou-se português numa praça replecta de aficionados ribatejanos, alentejanos e não só. Vimos delegações de Vila Franca, da Moita, de Coruche, de Monforte, de Santarém, de Sobral de Monte Agraço, de Lisboa, dos quatro cantos do país - atrás de "Juanito" e motivados também pela presença de uma das mais históricas ganadarias nacionais, a de Murteira Grave, havendo que realçar a grande aposta na presença de público português feita pelo dinâmico empresário Joaquín Domínguez, que durante muitos anos foi sócio de José Cutiño nas praças de Badajoz e de Olivença - e que a elas há-de voltar, não tarda, ao que se diz.

Voltei a Higuera la Real uns trinta anos depois de ali ter assistido a uma encerrona do já retirado matador de toiros português Manuel Moreno. E assisti de novo a um importante triunfo de Portugal nesta simpática praça espanhola, pequena e acolhedora, que ontem se encontrava quase cheia - e cheia, sobretudo, repito, de portugueses.

"Juanito" não tinha ontem tarefa facilitada, em tarde de competição com duas das grandes figuras do toureio espanhol, António Ferrera e Miguel Ángel Perera, que o "apertaram" e não quiseram deixar os seus méritos e os seus consagrados créditos por um "português alheio". Mas o nosso matador respondeu à letra e disse bem alto que estava ali. Para triunfar. E também para marcar a diferença.

Houve duas corridas no que aos toiros de Murteira Grave - com cara, com trapio, muito bem apresentados e sérios - disse respeito. Os três primeiros, sem desiludirem, não foram brilhantes. O primeiro embateu violentamente no cavalo do picador de Ferrera, derrubou-o com aparato e isso terá depois condicionado o seu comportamento durante a faena do matador. O segundo deixou-se, sem muita qualidade, tendo-se Perera empenhado para lhe cortar as duas orelhas. E o terceiro tinha casta e raça e "Juanito" sacou-lhe uma faena de muita entrega, premiada com uma orelha.

Na segunda parte, houve três toiros de nota altíssima. O quarto da ordem foi muito justamente premiado com volta ao ruedo depois de Ferrera lhe ter cortado as duas orelhas e depois de o público ter pedido com insistência o indulto, se calhar uma petição exagerada e que o presidente não concedeu. Ao quinto pediu também o público que fosse indultado, e esse talvez tenha sido mesmo o toiro da corrida. Perera cortou-lhe uma orelha. E o sexto, que "abriu" e proporcionou uma grande faena a "Juanito" depois da segunda série com a muleta (lide inteligente do matador luso, sacando-lhe tudo com temple, arte e com muita entrega), valeu depois no fim a chamada à arena do ganadeiro, mas Joaquim Grave ficou entre tábuas e concedeu essa honra (merecida e justa) ao maioral Elson Mateus, que deu aplaudida volta à praça com "Juanito".

António Ferrera (uma orelha no primeiro toiro e duas no segundo) e Miguel Ángel Perera (duas no primeiro e uma no segundo) estiveram ontem em Higuera que nem leões, puxando dos seus galões, decididos a não facilitar a vida ao português que começa a dar que falar bem alto e que estava ali a "invadir os seus domínios" e a triunfar no território deles.

Quando pisou a arena pela segunda vez para enfrentar o último toiro da tarde, "Juanito" estava em clara desvantagem em relação aos dois companheiros espanhóis. Ferrera e Perera já tinham assegurada, com três orelhas cada, a saída aos ombros. O nosso matador tinha apenas uma orelha do seu primeiro toiro e precisava de pelo menos outra para também os acompanhar na saída triunfal pela porta grande. E lutou por essa glória que nem um condenado, pondo a carne no assador, consciente de que ali só tinha duas saídas possíveis: pela porta da enfermaria ou pela porta dos eleitos, a grande, em ombros.

Esforçou-se, empenhou-se, arrimou-se, estilou-se. Faena de arte e de imenso mérito, a dar a verdadeira dimensão da sua classe e do seu valor, a dar o mote - e a dar-nos a todos a certeza de que isso não tardará muito - para muito em breve se sentar também na poltrona dos da frente. 

Já não restam dúvidas de que João Silva "Juanito" vai ser Figura do Toureio. E os aficionados de Portugal, que já entenderam isso na perfeição, seguem-no agora com entusiasmo e paixão, como noutras eras seguiram os grandes ídolos da nossa História.

A praça de Campanário, também na província de Badajoz, é o próximo palco que "Juanito" vai pisar, a 30 deste mês, num Festival de Figuras. Pelo meio, vai-se preparar lidando toiros em várias ganadarias - para cortar a meta a 24 de Maio em Madrid e deixar de uma vez por todas o seu nome escrito a letras de ouro nos anais da Tauromaquia mundial.

Portugal tem um novo ídolo e o nosso toureio a pé tem uma outra estrela a cintilar na alta esfera do toureio mundial. "Juanito" transmitiu isso mesmo a todos naquele sorriso confiante com que ontem saíu aos ombros da praça de Higuera la Real, ao lado de Ferrera e de Perera.

Olé, Toureiro bom, Toureiro que devolveu a esperança aos aficionados do toureio a pé.

Fotos M. Alvarenga

Quarto toiro de Murteira Grave premiado com volta à arena e
calorosa ovação do público que se levantou à sua passagem

Maioral da ganadaria Grave deu volta à arena com "Juanito"
no último toiro da tarde
Triunfo de Portugal: "Juanito" em ombros com Ferrera e Perera