domingo, 21 de agosto de 2022

Tomar: Fernando Hilário merecia muito mais...

Um Forcado da craveira de Fernando Hilário merecia ontem
muito mais do que uma praça tão pouco emoldurada de público

Miguel Alvarenga - "Não foi um Homem qualquer, foi mais um Homem diferente". Como reza o fado que Maria Manuel Cid dedicou a Mestre Núncio e que Carlos Zel imortalizou nos tempos difíceis da "revolução", salvaguardando, obviamente, as devidas comparações (cada qual no seu trono), Fernando Hilário também não foi um Forcado qualquer - foi mais um Forcado diferente.

E um Forcado da craveira de Fernando Hilário, que fez história em grupos tão relevantes como os do Colégio Nun'Álvares de Tomar, o de Santarém, o de Lisboa, o de Montemor e depois o dos Lusitanos, que fundou e com o qual levou a arte de pegar toiros aos quatro cantos do mundo, feito embaixador da raça e da alma lusa, merecia mais, muito mais do que aquilo que ontem aconteceu na homenagem que lhe promoveu, na sua terra, a de Tomar - terra de meu Pai - o também glorioso forcado João Pedro Bolota, empresário gestor desta praça - a que acorreu pouco público, mais ou menos um quarto da lotação preenchida, quase nada para um Forcado que merecia ter tido praça cheia.

Jogavam à mesma hora, dizem que num jogo importante e decisivo, disso não percebo nada, o Porto e o Sporting. Também havia mais corridas noutras praças à mesmíssima hora (Alter e Nazaré). Mas arranjem as desculpas que arranjarem, o público de Tomar, que outrora era aficionadíssimo, uma cidade que deu tantos e tão bons Forcados à Festa, deveria ter marcado uma muito maior e mais significativa presença na hora de honrar, respeitar, enaltecer e agradecer tudo o que Hilário foi e fez na, e pela, Festa.

Vi alguns Forcados do seu tempo, amigos que pegaram toiros com ele e ali estiveram a dizer Presente! Vi Francisco Costa (que lhe sucedeu na chefia dos Lusitanos), Silvino Bento, Porfírio Santos, João Lira, Carlos Alberto (ex-cabo dos Amadores de Tomar e que também vestiu a jaqueta dos Lusitanos), António Manuel Barata Gomes, João Simões (ex-cabo do Aposento da Moita), Pedro Balé - e poucos mais. Faltaram muitos. Não vi qualquer representação da Associação Nacional de Grupos de Forcados nem da Federação ProToiro, neste momento presidida precisamente pelo presidente da ANGF. Pena...

Fernando Hilário foi, ao início (tardio, demasiado tardio) da corrida, homenageado na arena pela presidente da Câmara de Tomar, Anabela Freitas, pelo provedor da Santa Casa da Misericórdia, António Alexandre, pelo empresário João Pedro Bolota e pela Associação de Antigos Alunos do Colégio Nun'Álvares. Depois, quando o público o homenageou com uma calorosa ovação, ele agradeceu nos médios e entrou para a trincheira. Foi sempre um homem reservado e anti-vedetismo. Mas ontem tive pena. Fernando Hilário merecia muito mais. Mas a nossa tauromaquia - e a nossa aficion - é assim mesmo... Está assim mesmo, melhor dizendo. Dantes era diferente...

Ao início, também, Virgílio Palma Fialho, durante 35 anos responsável pelo mais ouvido dos programas radiofónicos taurinos de sempre, o "Sol e Toiros" de grande memória, que hoje vive no Algarve e se afastou por completo do meio, fez, em nome da amizade que sempre o uniu a Hilário, um emotivo discurso de elogio ao homenageado. Mas alongou-se demais, falou durante 23 minutos, motivou mesmo alguns assobios e protestos do público na parte final, que a coisa arrastou-se e a corrida não havia meio de começar... Foi um discurso bonito e bem elaborado, mas era um discurso para um jantar de homenagem, por exemplo, nunca para iniciar (atrasar) uma corrida de toiros... Adiante.

João Moura Caetano foi, dos três cavaleiros, o único que brindou a Hilário. E depois brindaram-lhe também os dois grupos de forcados, Santarém e Montemor.

Artisticamente, a corrida foi boa. Estavam anunciados seis toiros de Irmãos Moura Caetano, mas um aviso colocado nas bilheteiras "explicou" que os mesmos se lesionaram no campo (os seis?...) e foram substituídos por um de Romão Tenório (o primeiro) e cinco de Paulo Caetano.

O toiro de Romão Tenório, com cinco anos, pouca mobilidade, a adiantar-se e sem transmitir, não facilitou a vida, nem proporcionou o triunfo, a Moura Caetano. O cavaleiro, que chegava a Tomar depois de triunfos importantes noutras praças, bem se entregou e bem fez os possíveis, templando como é seu timbre, toureio pausado e de bom gosto, conseguindo dois bons curtos com o cavalo "Campo Pequeno".

O seu segundo toiro, quarto da ordem, da ganadaria de seu pai, manso, foi aquilo a que se pode chamar "um cão que não conheceu o dono". João deu o seu melhor com os cavalos "Ouro Negro" e "Cartier", mas decididamente ontem não teve a sorte do seu lado no que a matéria prima para triunfar diz respeito. Bem tentou e bem quis, mas sem ovos nunca se fizeram omeletas, por muito bom que o cozinheiro seja...

Marcos Bastinhas tocou um toiro fantástico de Paulo Caetano - todos de apresentação qb, muito no tipo da ganadaria, sem pesos excessivos - e o cavaleiro elvense, que o esperou à porta da gaiola, dobrando-se depois muito bem e cravando os compridos de poder a poder, dando toda a prioridade ao oponente, entendeu-o e aproveitou-o na perfeição, protagonizando uma lide empolgante e que galvanizou o público pela sua contagiante alegria, mas sobretudo pelo seu toureio de verdade. Nos curtos esteve enorme, terminando com um par de bandarilhas "à Bastinhas".

O quinto da ordem não teve a mesma qualidade, tinha pouca franqueza nas investidas, mas Bastinhas depressa contornou a situação, entregando-se, porfiando, agigantando-se de novo para voltar a agitar as bancadas e a criar um alvoroço dos seus. Volto a referir: com o espavento usual, mas com muita seriedade e tremenda verdade no momento de abordar o toiro, de o esperar, de o provocar, de entrar por ele dentro e de cravar de alto a baixo em terrenos dos que arrepiam. Muito bem, Bastinhas ontem em Tomar! One man show!

O jovem António Ribeiro Telles, cavaleiro ainda praticante (sem alternativa), filho do Maestro da Torrinha, é, já aqui o escrevi várias vezes, um toureiro de muita casta, de imensa raça, de rara intuição e com "gancho" com o público. Toureia bem, tem perfeito sentido de lide, dos terrenos. São tudo coisas que não admiram, sendo um Ribeiro Telles (a classe, a senhorial postura, a educação) e sendo filho de quem é. 

O terceiro toiro da noite era meio reservado e complicava, mas António reafirmou todas as suas reconhecidas e aplaudidas qualidades, dando a volta, estando por cima, entusiasmando o público. Lide de entrega e de saber.

No último toiro, que foi um belíssimo toiro, António superou-se numa lide triunfal, fechou a noite com chave de ouro e com o público completamente entregue à classe da sua arte, à força da sua juventude, à raça do seu bom toureio. Bregou muito bem, entrou de frente a cravar curtos de grande nota e o êxito foi tal que no fim ainda cravou mais dois ferros - a pedido do público e muito justamente consentidos pelo director de corrida José Soares. Lide fantástica e a reafirmar, de dia para dia, a importante evolução de um toureiro que já conquistou o seu lugar. na Festa. E o público. Venha a alternativa - muito provavelmente já na próxima temporada.

Sem intervenções em demasia durante as lides, colocando devidamente os toiros para os forcados, estiveram ontem bem todos os bandarilheiros, havendo que destacar os veteranos João Ribeiro "Curro", Diogo Malafaia, Gonçalo Veloso, "Parrita" e João Prates "Belmonte".

Os forcados dos grupos consagrados de Santarém e Montemor executaram quatro pegas de caras à primeira, uma de cernelha dos escalabitanos e só houve problemas na pega ao complicado quarto toiro da ordem, consumada pelos de Montemor à quinta tentativa.

Por Santarém foram caras Francisco Cabaço e António Queiroz e Mello, ambos à primeira; e pegaram de cernelha, bem e à primeira também, João Romão e Miguel Tavares.

Por Montemor pegaram José Maria Marques à primeira; João Calisto à quinta; e José Maria Cortes Pena Monteiro à primeira. Na ausência do rabejador Francisco Godinho, assumiu ontem essas funções o valoroso Francisco Maria Borges, forcado completo e bom!

José Soares premiou todas as lides com música e esteve bem a dirigir a corrida, havendo só a lamentar que tenha consentido uma tão demorada intervenção de Palma Filho ao início, que atrasou a corrida em quase meia hora. Mas enfim, era uma noite especial e uma homenagem mais especial ainda. O médico veterinário foi João Pedro Candeias.

A lamentar também, o facto de só se terem lembrado de regar a arena (e mesmo assim...) ao intervalo, o que motivou uma poeirada constante no ar durante a primeira parte da corrida... Mais parecia o deserto em dia de ventania...

Fotos M. Alvarenga

Bancadas pouco povoadas para uma homenagem que deveria
ter tido praça cheia...
Palma Fialho reapareceu ontem em Tomar. Elogiou Hilário num
bonito e emotivo discurso, mas falou durante 23 minutos e o
público acabou por protestar por a corrida nunca mais começar
A homenagem da presidente da Câmara de Tomar
O empresário João Pedro Bolota, outro forcado histórico, foi 
o promotor da justíssima homenagem a Fernando Hilário
Poeira, poeira...
... e mais poeira! Um martírio para todos na primeira parte...
Só se lembraram de regar a arena ao intervalo...
Moura Caetano foi o único cavaleiro que brindou a Hilário
Dois triunfos de peso de Bastinhas ontem em Tomar
António Telles (filho) empolgou o público na última lide