Álvarito - outra vez na "sua" arena de tantos triunfos. E de novo um Moura na berra, agora Miguel |
Miguel Alvarenga - Velhos são os trapos, não me sinto velho, acho que estou cada vez mais jovem, mas a verdade é que já tenho alguns anos disto e, talvez por isso, vi de um ângulo diferente a corrida de sexta-feira no Campo Pequeno, última da pequeníssima temporada de apenas quatro festejos, espelho da luta e do esforço (compensados desta vez) do nosso querido amigo Pombeiro. Praça cheia, toca o Hino! Ambiente enorme, solene, um glamour diferente, alegre e festivaleiro, mas enfim, tudo mudou, estranho seria se o Campo Pequeno não mudasse também...
Vi a corrida, dizia, de um ângulo diferente. Se calhar, de nostalgia e alguma saudade. Mas de grandes recordações.
Aquele Senhor de sombrero na mão a quem Pombeiro homenageou ao princípio da corrida, Álvaro Domecq Romero de seu nome, vi-o ali, naquela arena, montes de vezes, também de sombrero na mão, a agradecer as calorosas ovações de um público que era outro, que era entendido, que o admirava.
Álvarito, homem meio sisudo e de poucas falas, hospedava-se normalmente no Hotel Tivoli da Avenida da Liberdade sempre que vinha tourear ao Campo Pequeno. Veio muito. Nos anos 60 com Lupi e Batista e os outros. Nos anos 70 com Zoio, Manuel Jorge de Oliveira, Emídio Pinto, Paulo Caetano, João Telles, João Moura e muitos mais. Foi o rejoneador com maior cartel em Portugal. De todos os tempos. Uma figura do toureio equestre.
Com João Moura, ainda menino e moço, competiu vezes sem fim. Lembro-me do mano-a-mano em Lisboa com que Manuel Gonçalves inaugurou o seu mandato na primeira praça do país, em fim da "Guerra das Esporas"; lembro-me de outro mano-a-mano com Moura em Cascais; do célebre mano-a-mano na Moita com Mestre Batista, ideia do Fernando Hilário quando foi empresário dessa praça.
Ver de novo Álvarito na arena do Campo Pequeno a agradecer os aplausos de algum público que se lembra dos seus feitos antigos e de outros que aplaudem tudo porque estão ali em festa, fez-me andar para trás no tempo. Lembrar esses anos de ouro de João Moura - que recordámos todos ao quarto toiro, na lide monumental, colossal, inesquecível, do Miguel, Moura de apelido, de uma vez por todas consagrado como Figura do toureio, na temporada da sua absoluta afirmação entre os primeiros.
Todos tourearam muitíssimo bem e a corrida foi um êxito enorme - que Lisboa merecia, que Pombeiro merecia, que a Festa precisava. Mas ninguém toureou tão bem como o Miguel Moura, que foi, na realidade, um assombro, um destaque.
Decidido, com a atitude dos eleitos, esperou o toiro em emotiva sorte de gaiola e depois abriu o livro e foi um nunca mais acabar de grandes momentos, o público sempre de pé, em alvoroço, galvanizado pelo toureio de mestre da jovem figura. Ferros de grande verdade e emoção a pisar terrenos de compromisso, ladeios de arrepiar, brega certíssima, fibra de grande lidador. Melhor era impossível. Ainda hoje estou para perceber as razões pelas quais não saíu em ombros pela Porta Grande. Esqueceram-se de lha abrir, certamente...
Tudo o mais foi também muito bom. A pequena temporada do Campo Pequeno não podia ter tido um final mais apoteótico.
Para isso contribuíram os belíssimos toiros da ganadaria António Charrua, na generalidade com pesos astronómicos e pouco condizentes com a normal morfologia do toiro bravo - por ordem de saída: 684 quilos, 582, 634, 674, 554 e 632! -, mas mesmo assim com mobilidade, alguma transmissão e comportamento aceitável, sem grandes rasgos de bravura, sem maldade, com nobreza, a irem pelo seu caminho, apesar de alguns com bruscas e desalinhadas investidas. O jovem ganadeiro Diogo Charrua foi premiado com volta à arena no segundo toiro, com Pablo e o forcado. Idêntica honraria podia também ter acontecido no magnífico quarto toiro, superiormente lidado por Miguel Moura e que foi belíssimo.
Luis Rouxinol abriu a noite com uma lide genial de plena maestria; Pablo Hermoso de Mendoza exibiu os seus dotes de magia com um toiro magnífico que não acabou mais, pôs ferros e mais ferros, recriou-se em adornos de maravilha e arte; Duarte Pinto esteve brilhante, sem espaventos, com a sobriedade e a classe de sempre, fazendo tudo certo e bem feito; Luis Rouxinol Júnior lidou um toiro mais reservado e algo complicado, com o qual aliou o muito bom a alguns deslizes, mas com um final positivo; e Guillermo Hermoso de Mendoza enfrentou o toiro mais complicado da noite, dizem que andou de sobrero de praça em praça, a verdade é que não foi fácil, valeu a muita entrega e o bom momento que atravessa para levar o barco a bom porto.
Mas com Miguel Moura, ontem a música foi outra. Diferente, melodia daquelas que se não esquecem mais, lição histórica de maestria enorme, a arte feita magia, a ousadia feita arrojo e afirmação.
Grandes pegas, já aqui retratadas, dos forcados do Aposento da Moita e de Cascais. Excelente desempenho dos bandarilheiros das quadrilhas dos seis cavaleiros, sem capotamos em demasia.
A corrida foi antecedida do majestoso cortejo de gala à antiga portuguesa a evocar as históricas Touradas Reais. Mas ontem a gala foi de Miguel Moura e o Rei veio de Monforte.
Boa direcção de João Cantinho, que esteve assessorado pelo médico veterinário Jorge Moreira da Silva. Brindes de alguns cavaleiros e forcados a Álvaro Domecq e também um dos forcados moitenses ao canal espanhol OneToro, na pessoa dos comentadores David Casas, Paulo Caetano e João Vasco Lucas.
Ao início da corrida foi guardado um respeitoso minuto de silêncio em memória de Dª Ilda Salvador, Mãe do cavaleiro Rui Salvador.
E para o ano há mais!
Fotos M. Alvarenga