Miguel Alvarenga - João Ribeiro Telles superou-se ontem a ele próprio e cumpriu com a maior das dignidades o compromisso assumido de lidar sózinho seis toiros na mais importante das datas da Feira da Moita, depois de o ter feito pela primeira vez em 2019 na praça de Coruche.
A encerrona de ontem assinalou os quinze anos de alternativa do cavaleiro da Torrinha, numa temporada em que está a ser um dos grandes triunfadores e a que faltam ainda três importantes acontecimentos: a corrida com "El Juli" na próxima sexta-feira em Coruche e as duas da Feira de Outubro em Vila Franca, uma com todos os membros da Família Ribeiro Telles (como a do ano passado em Almeirim e a deste ano em Lisboa) e outra com Rui Fernandes e dois monstros do toureio mundial, Morante e Talavante.
Na Moita, ontem, João Telles ocupou sózinho o espaço normalmente dedicado a um elenco de alto nível de três ou seis cavaleiros, naquela que é a mais forte das datas da tradicional Feira da Moita. Era um risco, mas a realidade é que João o correu - e o superou, a sorrir.
Encheu a praça da Moita, o que, só por si, foi uma vitória importante, e que veio confirmar João Telles como um toureiro com força de bilheteira - facto de que alguns tinham dúvidas. Mas a realidade é que, ontem, quem foi à praça da Moita, uma das mais pesadas e meias exigentes praças do país, foi lá para ver João Telles e sabia de antemão que ele ia ser o único cavaleiro em praça.
A praça cheia foi também a confirmação de que, pese embora todos os condicionalismos que envolvem uma corrida em que só toureia um toureiro frente a seis toiros, correndo-se sempre o risco de ser uma coisa morna, chata, monótona e sempre igual, maçadora mesmo, às vezes essas preces podem não se confirmar. Depende do toureiro. Ontem as coisas funcionaram ao contrário.
João Telles, mesmo sem ter tido pela frente um toiro de bandeira que lhe proporcionasse uma actuação explosiva, um triunfo memorável, andou variado, empenhado e certo na lide dos seis distintos toiros de diferentes ganadarias. O espectáculo, também abrilhantado pelo cantor Luis Trigacheiro (que cantou ao início, durante algumas voltas à arena e no final - e com que voz!), resultou agradável, alegre, não demorado, com a dignidade e o êxito que se esperava. Foi a vitória do Guerreiro.
É verdade que nos tempos que correm, tão diferentes dos de antigamente, um gesto destes não veio acrescentar nem tirar nenhuma mais valia à temporada ou às próximas temporadas de João Ribeiro Telles. Hoje em dia as coisas estão montadas com antecedência e com números (de corridas e outros...) assegurados à partida, quer um toureiro esteja bem ou esteja mal.
Mesmo assim, é sempre de louvar um toureiro que assume um risco como o que João Telles ontem correu. Podia não ter enchido a praça - e seria um fracasso. Mas aconteceu o contrário. Podia ter estado mal - mas era difícil que isso tivesse acontecido. João vive um momento altíssimo desde há três temporadas, é um dos líderes do pelotão, está muito bem montado e altamente moralizado. Para celebrar 15 anos de alternativa, trouxe à Moita 15 cavalos - que desfilaram pela arena ao início da corrida, enquanto cantava Luis Trigacheiro. E trouxe três casacas para tourear os seis toiros (uma para cada dois). Fez brindes especiais: o primeiro ao público, outro ao apoderado Ricardo Levesinho, o terceiro a António Maria Barata Gomes, o quarto a seu sogro, Infante da Câmara, e outro a seu pai. O sempre lembrado cavaleiro João Palha Ribeiro Telles. Que foi toureiro de arte e inspiração. O "Curro Romero do toureio a cavalo", como o referia o nosso querido e saudoso amigo Bacatum.
O melhor da noite foi a lide ao terceiro toiro, da ganadaria Prudêncio, que foi o toiro com mais andamento (mobilidade) e mais transmissão, de comportamento excelente, a arrancar-se de todos os terrenos com alguma agressividade. João Telles cravou dois curtos imponentes, de poder a poder, que causaram "pandemónio" e enorme agitação nas bancadas; e, além desta magnífica lide que aqueceu finalmente o ambiente, destaque para os três ferros de arrepiar com o fantástico cavalo "Ilusionista" (ferro Ortigão Costa) no último toiro da corrida, um colaborante exemplar da ganadaria Passanha, algo sonso, mas que se arrancava também com alegria e muita raça.
O primeiro toiro era da ganadaria Dr. António Silva, incomodava pouco e também não aportou grande emoção. João Telles esteve correcto, mas não passou de uma lide normal.
O segundo era da sua ganadaria Ribeiro Telles, um toiro que não foi bom nem mau, deixou-se tourear, como agora se diz, sem apresentar grandes entraves ou dificultar. Foi mais uma lide perfeita e premiada com música, como a anterior, mas igual a muitas mais.
O êxito maior e os momentos mais emotivos aconteceram, como antes referi, na lide do terceiro toiro da noite, o bom exemplar de Prudêncio superiormente lidado por João Telles.
O quarto toiro era da ganadaria Fernandes de Castro, meio distraído e solto. João cravou dois compridos e depois entraram em cena os três convidados (cavaleiros suplentes) - os primos Manuel Telles Bastos, António Telles Filho e Tristão Telles Queiroz - para uma lide a quatro "à moda da Torrinha", movimentada, com ritmo, onde se destacou sobretudo um grande ferro curto de Manuel Telles Bastos.
Algo distraído, mas cheio de sentido e exigente, o quinto toiro era o exemplar da ganadaria Veiga Teixeira, com algumas complicações e "ratos na barriga". João Telles esteve esforçado e empenhado na sua lide, mas não atingiu o brilhantismo de outros momentos da noite, tendo-se recusado no final a dar a volta à arena com o forcado.
Por fim, saíu à arena moitense o toiro de Passanha, bonito, com trapio, bem apresentado e que, sem transmitir uma emoção por aí além, foi colaborante, embora algo duro de roer, e deixou que Telles terminasse a sua noite de festa em beleza.
Depois de um início correctíssimo com os compridos e também em dois curtos de muito boa nota, bregando com arte, foi João buscar o cavalo "Ilusionista" para com ele parar os corações a todo o mundo com três ferros de poder a poder, daqueles que arrepiam e se tornaram já uma das principais imagens de marca das corridas de João Telles. Um fim de noite em grande.
O cavaleiro teve ontem a seu lado, a coadjuvarem as lides, os seus dois fantásticos companheiros de quadrilha, Duarte Alegrete e Miguel Batista; e ainda mais quatro grandes toureiros de prata: João Ribeiro "Curro", seu primo António Telles Bastos, João Prates "Belmonte" e Francisco Marques. Aplausos para os seis.
Nas pegas e também e noite de encerrona, esteve, como manda a tradição nesta data, o Grupo de Forcados do Aposento da Moita, em noite de trunfo a que já aqui demos a atenção especial e merecida.
Foi director de corrida, com a habitual competência e aficion, Tiago Tavares. Esteve assessorado pelo médico veterinário Jorge Moreira da Silva e os toque foram dados pelo cornetim José Henriques.
Como já acontecera na terça-feira, a corrida foi presidida por Carlos Albino, presidente da Câmara da Moita, que uma vez mais honrou a tauromaquia com a sua presença.
Fotos M. Alvarenga