Duarte Fernandes e Tomás Bastos - as novas estrelas |
Miguel Alvarenga - A Moita do Ribatejo viveu ontem a primeira grande noite de toiros da sua tradicional Feira Taurina, um ciclo composto por três corridas (duas mistas, dando o habitual destaque ao toureio a pé numa terra aficionada aos matadores) e uma novilhada (hoje) de oportunidade aos novos - com elencos bem rematados e montados com visão e com aficion. Pelo menos, a fugir aos costumeiros cartéis mais do mesmo, a marcar a diferença. O empresário Ricardo Levesinho uns furos acima da concorrência...
A corrida mista de ontem tinha uma série de aliciantes que contribuiram para arrastar público às bancadas da praça "Daniel do Nascimento", registando uma agradável presença de aficionados com praticamente três quartos da lotação preenchidos. A cavalo, Rui Fernandes e o sobrinho Duarte, nova estrela laureada por importantes e consequentes triunfos e saídas em ombros no país vizinho; a pé, "Juanito" e o novilheiro Tomás Bastos a lidar um novilho; mais os forcados Amadores da Moita; com toiros de Canas Vigouroux para os cavaleiros e dois toiros e um novilho de Calejo Pires para os toureiros a pé.
A celebrar 25 anos de alternativa, ele que veio do nada, sem familiares ilustres neste meio, sem quaisquer antecedentes taurinos, aliciado apenas pela desmedida aficion de seu pai, Rui Fernandes continua a ser um cavaleiro diferente - e marcante.
Marca presença em quase todas as feiras importantes da geografia espanhola, mas toureia pouquíssimo em Portugal, dizem que pelo facto de nunca se ter ajeitado nem moldado às últimas modas de os empresários contratarem os toureiros ao preço da uva mijona, ainda a pretexto de que o raio da covid lhes prejudicou imenso as bolsas (antes pelo contrário, que foram eles, os senhores empresários, aqueles que mais lucraram com isso da maldita peste...). Por isso, cada vez que se anuncia num cartel em Portugal, Rui Fernandes constituiu uma mais valia no cartel e leva público à praça. Como ontem aconteceu na Moita.
Abriu praça lidando o primeiro toiro de Canas Vigouroux, bem apresentado, com trapio e o peso de 510 quilos, mas tardo de investidas, um pouco reservado e sem transmitir muito. Rui deu-lhe a volta. Com argumentos de sobra para lidar qualquer toiro e com a sua belíssima e bem preparada quadra de cavalos logrou realizar uma lide alegre e desenvolta, plena de maestria e bonitos detalhes de brega. Teve música, deu aplaudida volta à arena, abriu em ritmo de triunfo uma noite que foi de êxito para todos.
Provavelmente pelos mesmíssimos motivos do tio (ou pagam... ou contratem outro mais baratinho...), Duarte Fernandes é um toureiro pouco visto em arenas lusitanas. Ontem, contudo, viu-se que faz falta e o seu triunfo apoteótico frente ao segundo toiro da noite acabou por destapar, claramente, a assustadora falta de visão que têm a maioria dos empresários taurinos da actualidade. Montam cartéis sempre iguais e ignoram um toureiro como este - que ontem virou a Moita do avesso e deixou bem claro que é uma figura de futuro e um cavaleiro que incomoda muita gente... precisamente porque é melhor, a léguas, de muitos dos que por aí pululam e porque ninguém tem dúvidas nenhumas de que está a fazer imensa falta, neste momento, aos grandes cartéis de competição. Ou um toureiro assim não faz falta nenhuma?... Expliquem-se, senhores empresários!
Duarte é um cavaleiro ousado, pisa a linha de fogo com a maior das facilidades e a sorrir, ontem arriscou o pêlo, pôs a carne no assador, deixou o público em alvoroço com ferros de alto risco e muita emoção, ladeios de arrepiar, "piruetas" de parar corações, brega correctíssima, remates de arte e inspiração. Apoteose total. Devia ter saído em ombros juntamente com o novilheiro Tomás Bastos.
O quinto toiro foi lidado a duo por tio e sobrinho. Em perfeita sintonia, sem tempos mortos, com emoção e perfeição. Um duo brilhante numa lide a um toiro de raça e nota alta, o melhor dos três lidados a cavalo, que deu à jovem ganadeira Maria Canas Vigouroux (a quem Rui e Duarte tinham brindado a actuação) merecidas honras de volta à arena com os cavaleiros e o forcado.
"Juanito" chegava à Moita quatro dias depois de uma importantíssima tarde em Don Benito (Badajoz), onde cortou na sexta-feira passada dois rabos e quatro orelhas e saíu em ombros com Alejandro Talavante e Ginés Marín. É um toureiro de imenso valor e futuro certo, mas que não deixou ainda o círculo das praças fronteiriças, as da Extremadura, para entrar por Espanha dentro e tomar parte nas praças e nas feiras importantes do país vizinho. Falta-lhe esse salto, mas é verdade que Roma e Pavia também não se fizeram num dia... e "Juanito" lá chegará.
Esta corrida na Moita era a segunda este ano em Portugal, depois de ter triunfado em Abiul e de nunca mais ter voltado a Lisboa... "Juanito" ressente-se ainda da lesão num joelho sofrida há duas semanas num treino, mas mesmo sem estar a cem por cento, não quis deixar de cumprir os compromissos de Don Benito e este da Moita. E dia 1 de Outubro estará na Feira de Zafra - noutro grande cartel, com Miguel Ángel Perera e Talavante.
À Moita chegou com ganas e cheio de vontade de arrasar. Recebeu o seu primeiro toiro, um bom e bem apresentado exemplar de Calejo Pires (530 quilos, muito trapio), de joelhos em terra, com uma "larga afarolada" a que se seguiu um bem preenchido e variado tércio de capote - a mostrar que estava ali para triunfar.
Com a muleta, depois de brindar à aficionada Vanda Ferreira, empolgou o aficionado público moitense com uma faena de inspiração, muita entrega, ofício, técnica e grande poderio, acompanhada com música e aplausos calorosos.
O seu segundo toiro, último da corrida, também de Calejo Pires, era um toiro solto, de investidas menos claras, pouca transmissão e não permitiu a "Juanito" terminar em beleza, como queria e se impunha. Faltou matéria prima, mas houve entrega e muito pundonor do toureiro, que mesmo sem atingir o brilhantismo da primeira faena, foi muito justamente premiado com música pelo director de corrida e deu também uma volta à arena muito aplaudida.
Em quarto lugar, entrou em cena o jovem novilheiro praticante Tomás Bastos, a maior e mais sólida promessa dos últimos anos (já uma certeza mais que certa!), de 16 anos, sobrinho neto do saudoso Maestro José Júlio, que em 2 de Julho de apresentou em público na sua Vila Franca natal e desde então não mais parou, entrando em força em Espanha (é aluno da Escola de Badajoz) e somando triunfos e saídas em ombros consecutivos e em certames de importância. Fazendo História, por outras palavras.
Toureiro ainda menino, mas com maneiras de adulto e a raça dos eleitos, Tomás demonstrou ontem quanta maturidade já ganhou nestes dois últimos meses a tourear por praças do outro lado da fronteira, não perdendo contudo a humildade e o jeito dos simples que se agigantam e se fazem grandes dentro de uma arena e na frente dos toiros.
Lidou um novilho extraordinário de Calejo Pires (350 quilos), que recebeu com bonitas e bem desenhadas "verónicas", realizando também um variado tércio de capote. Bandarilhou a primor e com poderio, chegando a ser colhido no segundo par, mas não se passou nada, prosseguiu com as mesmas ganas e cravou mais um de poder a poder, a mandar como o fazia o Maestro, quem sai aos seus...
Com a muleta - faena brindada ao matador moitense Joaquim Ribeiro "Cuqui" -, Tomás Bastos reafirmou toda a elegância e toda a raça que lhe vão na alma. Faena vibrante, de bom gosto, a entusiasmar tudo e todos - como as faenas dos toureiros grandes. Triunfo importante e marcante.
No primeiro ano a sério nas arenas, Tomás foi a Vila Franca e agora à Moita, recusou outros convites (Rui Bento, por exemplo, quis levá-lo à Nazaré), não quer ser demasiado visto, optando por consolidar primeiro uma posição em Espanha - e a seu tempo entrar em força em Portugal, onde nesta temporada deu duas aclamadas chamadas de atenção. Não se pode dizer que esteja a ser mal gerida a sua carreira, muito pelo contrário.
Teve a acompanhá-lo ontem, entre outros, seu pai, o antigo novilheiro e bandarilheiro David Antunes, o matador "El Cartujano", seu mestre na Escola de Toureio de Badajoz; e, curiosamente, José Alexandre, também antigo novilheiro e bandarilheiro, que é hoje um influente taurino em Espanha e foi já apoderado de figuras do toureio, em particular de rejoneadores. Uma proximidade que pode trazer algumas novidades no futuro? Provavelmente...
No final, os alunos da Escola de Toureio e Tauromaquia da Moita pegaram em Tomás Bastos - depois dos Fernandes e de "Juanito" terem atravessado a praça sob fortíssimas ovações - e levaram-no em ombros, dando uma volta à arena e saindo pela Porta Grande da "Daniel do Nascimento", aberta pela Sociedade Moitense de Tauromaquia (que é nesta praça quem decide sobre as saídas em ombros) para incentivar e apoiar o jovem toureiro. Entende-se.
Não se entende, isso não, que a mesma honraria não tenha ontem sido concedida também a Duarte Fernandes. Que se afirmou e triunfou à altura de sair pela Porta Grande em qualquer praça do mundo.
Com as bandarilhas, nos dois toiros de "Juanito", destaque para Pedro Noronha e João Oliveira (ambos também muito bem a lidar os toiros durante esse tércio) e para o espanhol Jorge García. Destaque também para as quadrilhas dos cavaleiros e de Tomás Bastos, muito bem a coadjuvarem os toureiros.
Como suplente do novilheiro praticante Tomás Bastos, esteve entre tábuas (e participou nas cortesias - foto de baixo) o jovem diestro moitense João Mexia, que esta noite actua na novilhada de promoção aos novos.
Noite triunfal, também, para os forcados Amadores da Moita, como já aqui referimos em pormenor, com três rijas pegas pelo cabo João Raposo (à segunda) e por João César e David Solo, os dois ao primeiro intento.
A corrida de ontem esteve presidida pelo presidente da Câmara da Moita, Carlos Albino - e foi (bem) dirigida por João Cantinho, que esteve assessorado pelo médico veterinário Jorge Moreira da Silva, sendo José Henriques o cornetim.
A Feira da Moita não podia ter começado da melhor forma. Tirando o tractor que não chegou a alisar a arena antes de "Juanito" enfrentar o último toiro, pela triste e azarada razão de que avariou e não andava nem para trás, nem para a frente. Coisas que acontecem...
Fotos M. Alvarenga
Rui Fernandes e "Juanito" - os consagrados |