Fernando de Oliveira era um dos grandes cavaleiros do início do Século XX e foi o primeiro a perder a vida na arena do Campo Pequeno |
Na falta de fotógrafos taurinos, foi assim que se documentou na época a trágica morte de Fernando de Oliveira na arena do Campo Pequeno em Maio de 1904 |
Em 12 de Maio de 1904, cumprem-se esta temporada 107 anos, foi mortalmente colhido o cavaleiro Fernando de Oliveira na praça do
Campo Pequeno. "Ferrador", um toiro da ganadaria do marquês de Castelo Melhor,
atingiu o cavalo de Oliveira, o "Azeitona", derrubando-o com
estrépito. O cavaleiro bateu com a cabeça no solo, fracturando a base do
crânio. A morte foi quase instantânea. Foi o primeiro toureiro a morrer na arena de Lisboa, que fora inaugurada há pouco tempo. Anos mais tarde, a 16 de Outubro de 1966, quase nas mesmas circunstâncias, perdeu também a vida no Campo Pequeno, no dia em que completava 21 anos, aquele que era um dos mais promissores cavaleiros da época: natural de Évora, chamava-se Joaquim José Correia e era anunciado nos cartéis como "Quim-Zé" (foto da direita). A 11 de Agosto de 1983, o cavaleiro José Francisco Varela Crujo (foto da esquerda), sofre impressionante queda também na arena lisboeta. Permanece quatro anos em coma vigil e acaba por morrer no dia de Natal de 1987. O jornalista Norberto de Araújo descreveu assim no "Século Ilustrado" (revista antiga) a trágica colhida mortal de Fernando Oliveira, primeira vítima mortal na arena da Monumental de Lisboa:
«Fernando de Oliveira, que recebera a
farpa da mão do espanhol Currinche, um bandarilheiro castelhano e medíocre,
passa pelo sector 1, onde os amigos, debruçados sobre as capas, azul uma,
branca outra, de Manuel dos Santos e Tomás da Rocha, o aplaudem; sorri
vagamente a Bombita Chico, depois o famoso Ricardo Bombita, que da trincheira,
ao lado de Chicuelo, segue a jornada do cavalo; saúda com mal disfarçado
respeito as Majestades que olham o redondel distraidamente - e toma à esquerda
o lugar para a gaiola. O Ferrador endireitou ao vulto do capote de Teodoro e a
gaiola falhou para o cavaleiro. (...)
E que lindo vai agora o Azeitona, numa
meia volta que Fernando de Oliveira remata com o seu brilhantismo peculiar! Mas
o toiro é tardo e difícil. Fernando já saiu em falso duas vezes... É preciso
apertar. Das barreiras, dos sectores de sombra e sombra-sol incitam-no. Há um
pequeno silêncio no circo. Vai outra meia volta, e adivinha-se perigosa.
O toiro está nos tércios, em frente do
sector 6, sombra-sol, e Morenito, um espanhol de Bombita, atira-lhe o capote. O
toiro coloca-se, ainda que apertado. Fernando dá então uma sacudidela ao
cavalo, que larga, enquanto a voz possante do cavaleiro incita o bicho - que se
volta a sorte. O cavaleiro, corajosamente, remata, mas remata consentindo, isto
é, deixando o toiro entrar muito. Cravou o ferro. Há um frémito, agora... O
toiro colhera o ginete pela anca e, na violência da pancada, o Azeitona tombou,
desequilibrou-se, foi ao solo. Já grita a praça em peso, aos capotes. Correm os
espanhóis, porque tudo fora num segundo, pouco mais que num segundo. O
cavaleiro saíra pela cabeça do cavalo, e está agora debaixo da montada, aquela
montada gentil e donairosa, esperança do cavaleiro para breve, e que o toiro
carrega, numa fúria, numa violência.
Por momentos está tudo de pé, nos
sectores. Os capotes são inúteis; quase é preciso puxar o bicho, que alfim
deixa a presa, já quando Fernando de Oliveira, sangrando da cabeça, com as abas
da casaca vermelha voltadas sobre as costas - não dava acordo de si. O cavalo,
sem governo, corre desordenadamente a praça. Todos os capotes estão agora em
cena. Fernando é levado para a enfermaria. Pela praça vai um frio de morte.»
(Norberto de Araújo, «A Morte Trágica de Fernando de Oliveira»)
Fotos D.R.