quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Cavaleiros/2023: duas estrelas, dois exemplos e "mais do mesmo"...

Os dois grande triunfadores de 2023: Miguel Moura
e Duarte Fernandes

Miguel Alvarenga - A temporada de 2023 teve, no que ao toureio a cavalo diz respeito, dois nomes que se destacaram, marcaram a diferença e abriram portas ao futuro: Miguel Moura e Duarte Fernandes. E teve ainda outra referência - que continua inabalavelmente na frente: o Maestro João Moura, que celebrou 45 anos de alternativa e protagonizou em Portalegre uma encerrona histórica com seis toiros Veiga Teixeira que acabou por ofuscar por completo as outras de Telles e Bastinhas, continuando o velho a mandar nisto tudo!

Além de Miguel Moura, de Duarte Fernandes (apesar de só ter toureado três corridas, demonstrou ser, sem dúvida alguma, pelo menos para mim, o melhor de todos os novos!) e da manutenção do trono por parte do Maestro João Moura, destaco ainda, e a seguir já explicarei porquê, os  triunfos com que Rui Fernandes, a comemorar 25 anos de alternativa, marcou as suas (poucas) passagens por arenas nacionais em 2023.

Ou seja: houve duas estrelas (Miguel Moura e Duarte Fernandes), dois exemplos que continuam na linha da frente (João Moura e Rui Fernandes) e o resto teve coisas muito boas, mas foi "mais do mesmo", igual ao costume.

Tudo o mais foi muito bom, bom ou menos bom, mas foi, sobretudo, "mais do mesmo", igual aos anos anteriores, destacaram-se os mesmos, mantiveram-se estagnados os mesmos, houve quase nenhuma alteração no plantel. Os muito bons foram os muito bons do costume, os bons foram os bons do costume e os da segunda ordem foram os da segunda ordem de sempre. Houve poucas ou nenhumas alterações no plantel.

Estes quatro que em cima referi foram, para mim, os que mais marcaram 2023. Houve mais, cada qual no seu estilo e cada qual no seu patamar. Mas foram todos iguais ao costume. Houve pouca inovação. E quase nenhuma competição. Que me lembre, e muita gente já nem se lembra disso, a última grande competição que tivemos em Portugal foi entre Rui Fernandes e Vitor Ribeiro. Todas as que vieram a seguir foram "fabricadas" e ainda não tiveram, nem fizeram, história... muito menos, impacto.

Apesar das escassas novidades, do fraco poder dos nossos cavaleiros de chamar público às praças, 2023 foi um ano de grande fulgor para a tauromaquia, com lotações esgotadas e muitas praças cheias, fruto do entusiasmo de um público que é, e continua a ser, dos melhores de todo o mundo. Come e cala, sempre tranquilo.

Poder-se-ia dizer que em termos de toureio a cavalo tudo esteve na mesma, com os habituais primeiros no plano de primeiros, os segundos no plano de segundos e um ou outro a esticarem a cabeça de fora e a gritarem "também estou aqui!"

O pelotão continuou indiscutivelmente liderado por João Moura Júnior e no painel das novas primeiras figuras continuaram a pontificar João Ribeiro Telles, Francisco Palha, Marcos Bastinhas e João Moura Caetano - essencialmente estes quatro. Mais Manuel Telles Bastos, menos assíduo nos cartéis, mas sempre bem nas vezes em que o vimos.

Moura Júnior, a tourear mais que em anos anteriores, voltou a consagrar a sua posição cimeira e a marcar a diferença. E em poucas palavras fica tudo dito sobre mais um ano triunfal de João Moura Júnior.

João Ribeiro Telles continua num momento excepcional, mas este ano andou, a meu ver, menos "guerreiro", em menores competições. Não teve a maior sorte nas vezes em que foi à guerra com os principais rivais, como aconteceu em Coruche na corrida dos quatro (com Moura, Bastinhas e Palha) e também em Alcochete (concurso de ganadarias, com Moura e Palha) e andou depois mais acomodado em cartéis bons, mas sem grande competidor (com matadores ou nos dois da Família Telles) e no fim da temporada também não lhe correu da melhor forma a competição com Rui Fernandes (que levou a melhor) em Vila Franca. Pelo meio, protagonizou uma encerrona na Moita em que não esteve mal, antes pelo contrário, mas que também não foi uma noite deslumbrante.

Francisco Palha é, ninguém tem dúvidas, um grande toureiro. Continua a pecar por alguma irregularidade. Nem sempre é ele. Mas quando o é, meu Deus, vimos ferros de bradar aos céus. Continua a ser, sem dúvida alguma, um dos "Mosqueteiros" da frente.

Marcos Bastinhas é outro dos cavaleiros importantes do momento. E é, por seu mérito, também, um dos triunfadores desta temporada. Tem o seu espectáculo montado, dá o seu show que galvaniza qualquer público, mas não faz só barulho, nem levanta só poeira - toureia muitíssimo bem.  Ficam na história, entre muitos outros, aqueles dois curtos impossíveis ao toiro manso que enfrentou em Maio em Almeirim, dois ferros históricos que, a meu ver, são daqueles que marcam uma temporada. Mas houve muitos mais de Bastinhas ao longo do ano, havendo que destacar ainda a dignidade com que debutou em Madrid. Protagonizou também uma encerrona na sua praça de Elvas, que foi muito idêntica à de Telles na Moita, isto é, viu-se bem, mas não deslumbrou. 

E, para azar de ambos, a encerrona do velho Moura em Portalegre ultrapassou as raias do sucesso, ficou na história desta temporada como um dos grandes momentos e acabou por ofuscar as encerronas dos dois jovens cavaleiros. Moura é Moura a vida toda! E o resto continuam a ser cantigas...

João Moura Caetano terminou a temporada como líder do escalafón mundial. Houve muita quantidade (de corridas), o que nem sempre é (e não foi) sinónimo de qualidade. Percebeu-se desde o início que queria este ano "arrebanhar" tudo e mais alguma coisa, tourear, tourear e tourear para acabar em primeiro lugar. E assim foi. Caetano não pisou muitos palcos importantes, esteve ausente de grandes feiras, marcou presença, sobretudo, em cartéis mais vulgares de seis cavaleiros, onde era escassa ou nula a competição com os primeiros, sem o peso, nem o impacto dos grandes eventos - onde fez falta. Não andou "na guerra" com os da frente - e também aí fez falta. Teve os triunfos mais marcantes, pela maior importância e maior peso das praças e dos cartéis, no Campo Pequeno (onde foi autor de uma lide memorável, das melhores de sempre), em Elvas e na última corrida do ano em Évora. Foi uma temporada excelente de Caetano - mas queremos vê-lo noutro plano. E ele tem tudo para lá estar.

Manuel Ribeiro Telles Bastos deixou a sua classe pelas praças por onde passou - mas não passou por muitas. Continua a ser o grande clássico da nova vaga e dá sempre gosto vê-lo interpretar o toureio à moda antiga.

Estes seis cavaleiros de que falei, foram, para mim, os que se mantiveram em força na linha da frente, além, claro, dos veteranos, que continuaram a marcar - casos de João Moura, sempre na frente, sempre diferente, sempre Maestro, em ano fantástico de comemoração do 45º aniversário da alternativa; de António Telles, também em ano de efeméride dos 40 anos de alternativa, com alguns altos e baixos e nem sempre com a quadra afinada, mas mantendo a classe e a maestria de todos os tempos; de Luis Rouxinol, figura de proa que jamais deixa de o ser, sempre a dar a cara, sempre a triunfar; de João Salgueiro, num ano meio atribulado por problemas variados, mas que chegou à Nazaré na Corrida dos Maestros e nos fez a todos lembrar os anos de glória em que reinou; de Ana Batista, este ano em grande evidência, com novos cavalos e destaque especial para o que tem o ferro de Pablo Hermoso; e de Gilberto Filipe, que, toureando pouco, nunca desilude, antes pelo contrário, mostra-se cada vez mais merecedor de que as empresas olhem para ele com maior atenção e mais consideração.

Paulo Caetano deixou o perfume da sua arte e do seu temple no início e no fim da temporada. Triunfou em Março no festival dos 90 anos dos Forcados de Vila Franca na "Palha Blanco" e voltou a triunfar em Setembro em Elvas na noite de homenagem à memória do eterno Joaquim Bastinhas.

Em 2023 sentimos a falta de Rui Salvador, que toureou apenas o festival de Março em Vila Franca e depois parou a temporada. Reaparece e despede-se em 2024. Ficamos à sua espera. Faz falta.

Mas o toureio a cavalo neste ano de 2023 teve, quanto a mim, os já referidos quatro nomes importantíssimos que marcaram a temporada: o Maestro João Moura, a que já me referi anteriormente; Rui Fernandes, que comemorou 25 anos de alternativa e marcou a diferença nas praças por onde passou; Miguel Moura, que não tenho qualquer dúvida em nomear como o triunfador maior da temporada, no ano em que deu o salto definitivo para o pelotão da frente e em que pouco faltará para se sentar no trono e assumir a liderança, a actuação de Lisboa, mas não apenas essa, foi um verdadeiro assombro, há muitos, muitos anos que o Campo Pequeno não vibrava como vibrou na noite de 8 de Setembro com o Miguel; e Duarte Fernandes que, embora tenha toureado apenas três vezes (Paio Pires, Abiul e Moita), foi, a meu ver, dos novos, aquele que mais empolgou e aquele que melhor está colocado/preparado na linha da partida para se destacar como a próxima figura séria do toureio equestre nacional.

Rui Fernandes foi - e continua a ser - o único cavaleiro que não vergou nos anos da pandemia e que continuou a dar classe e categoria à profissão de cavaleiro/artista tauromáquico, não alinhando na nova moda de os empresários oferecerem aos toureiros cachet's da "loja do chinês" e da uva mijona. Manteve uma postura de Senhor, oferecendo categoria à profissão, não deixando, como quase todos, que ela caísse na valeta dos borra-botas. É por isso, por continuar a não baixar as calças aos senhores empresários, que toureia tão pouco em Portugal, baseando praticamente a sua actividade em Espanha, onde continua a ser o único português presente nas grandes feiras e nas praças mais importantes. Há muitos anos, os toureiros deviam ter ido todos a pé a Fátima agradecer a São João Moura ter subido os cachet's a todos. Hoje os tempos mudaram. Rui Fernandes já não vai conseguir subir os honorários aos companheiros. Mas, pelo menos, não baixa os seus. A diferença é essa.

É natural que a gestão da carreira de seu sobrinho Duarte Fernandes siga exactamente os mesmos parâmetros e que o jovem cavaleiro, apesar de ser o melhor de todos os novos, continue a tourear poucas vezes em Portugal. Mas é pena. E faz falta. É a Festa que temos... e que por assim ser não vai durar tanto tempo como alguns ainda auguram...

Outros casos: afectado, como seu pai, por problemas extra-profissão, João Salgueiro da Costa andou este ano mais apagado e sem presenças em grandes cartéis, salvo em Santarém, onde esteve em belíssimo plano ao lado de António Telles e Pablo Hermoso de Mendoza. Tinha dado nas duas últimas temporadas um salto importantíssimo e muito significativo e marcante, este ano estagnou.

Duarte Pinto toureou menos que em temporadas anteriores e não marcou presença nas grandes praças e nos primeiros cartéis - embora continue a demonstrar todo o valor para que isso aconteça. Esteve em Lisboa na corrida de gala de encerramento da curta temporada e triunfou no Campo Pequeno.

Luis Rouxinol Júnior, que marcara as temporadas anteriores pela força com que alcançou uma posição destacada em poucos anos de alternativa, manteve este ano a sua posição, sem desiludir ninguém, mas faltou-lhe marcar presença em cartéis e praças de maior importância. Teve um triunfo marcante na última corrida da Nazaré e também noutras praças, mas houve alguma estagnação no seu percurso em 2023. Melhor explicando: não desiludiu, mas vinha embalado e esperava-se que tivesse havido uma maior regularidade e um avanço mais importante. Ficou onde estava, sem dar grande sequência aos feitos no ano anterior.

Das novas estrelas, os maiores casos são os de António Telles Filho, que tomou a alternativa e começou a consolidar uma posição importante; de Tristão Telles de Queiroz, que continuou a afirmar-se e a somar pontos, demonstrando aptidão e maturidade para em 2024 ser o próximo Telles a tomar a alternativa (mas, cautela, senhores empresários, não queimem a fórmula do cartel Tellista, que este ano já teve um cartucho queimado a mais, em Vila Franca, que não resultou...); de Joaquim Brito Paes, que fora a revelação de 2022 e neste ano subiu mais degraus, não toureando muito, mas toureando em desafios importantes e triunfando; de Paco Velásquez, que teve uma alternativa altamente mediática com o regresso de VenturaPortugal, com Rui Fernandes (triunfador máximo dessa tarde) e com a praça da Moita esgotada em Maio, como não acontecia há muitos anos, mas depois não teve uma grande sequência, não toureando muito e não pisando, sobretudo, praças de grande destaque; e ainda de António Prates, que regressou em força depois de voltar a ser apoderado pela empresa Toiros & Tauromaquia, havendo a destacar o grande triunfo que obteve na regressada Corrida "Farpas" em Alcochete, ao lado de Rouxinol e Hermoso, mas depois não houve sequência, toureou pouco e acabou o ano outra vez separado de António José Cardoso, deixando algumas dúvidas quanto ao futuro.

Mara Pimenta tomou a alternativa em Maio em Almeirim, tudo apontava para uma temporada de sucesso, mas depois parou, acabou por tourear muito pouco. Como em outros casos, foi um caso de esperança que depois não teve sequência.

David Gomes, este ano apoderado também por António José Cardoso (com Paco Duarte), teve um início de temporada marcado por alguma irregularidade, recuperou a meio, mas não toureou muito. Já na fase final da campanha, foi algumas vezes a Espanha e cortou orelhas.

Entre os praticantes, houve grande esperança no avanço de Francisco Maldonado Cortes, o cavaleiro de quem se falava, mas a verdade é que, depois da prova, ficou praticamente parado e, inclusivamente, faltou a um primeiro compromisso importante em Alter, alegando problemas de saúde. Esperava-se muito e depois... soube a pouco. Mas continua a ser uma promessa em que acreditamos.

Diogo Oliveira continuou a demonstrar grande aptidão, mas também não avançou os degraus que era de esperar, manteve-se na posição em que estava, sem grande evolução. E Manuel de Oliveira, filho do veterano Manuel Jorge de Oliveira, apareceu este ano em algumas corridas, deixando boa impressão.

Houve muitos mais toureiros em actividade. Tourearam veteranos como Sónia Matias (que ainda mantém a chama junto do seu público), Tito Semedo (que comemorou com dignidade os seus 30 anos de alternativa) e Filipe Gonçalves (que, sem que ninguém perceba porquê, está praticamente desaparecido em combate... não fará falta um toureiro do seu valor nos nossos cartéis? Passa-se o quê com este cavaleiro?).

Parreirita Cigano toureou praticamente só para a empresa Ovação e Palmas de Luis Miguel Pombeiro, deixando constância do seu grande valor nas vezes em que o vimos, mas também a impressão de que continua a ser hostilizado, e mesmo vetado, pela maioria das empresas. Porquê? Alguém explica?

Outro cavaleiro que merece maior atenção é Gonçalo Fernandes, o toureiro de Seia - que cumpre com regularidade e a maior dignidade todos os seus (poucos) compromissos, triunfando onde o anunciam. Sempre a merecer mais.

Tourearam menos os irmãos Francisco e António Núncio, mal se deu por eles; e mal se deu também pela promissora Soraia Costa, a cavaleira nortenha; e Ana Rita, com menos corridas em Espanha que nos anos anteriores, actuou esta temporada mais vezes por cá, sem contudo pisar arenas de maior destaque. Reapareceu Rui Santos, mas toureou só em duas ocasiões. Pouco ou nada toureou Marco José. E estreou-se o novo Moura, Tomás, com presenças em duas corridas que deixaram antever mais um filho do Maestro com intuição e ambição.

Entre os rejoneadores espanhóis que nos visitaram, destacou-se Pablo Hermoso em três corridas - Santarém, Corrida "Farpas" em Alcochete, e Lisboa na gala de encerramento da temporada; seu filho Guillermo Hermoso, uma tarde em Évora e também depois em Lisboa, na mesma gala de fecho de temporada; Diego Ventura numa única tarde, na Moita, praça esgotada, depois de ter estado seis anos sem tourear no país que o viu nascer; e Andrés Romero, que voltou a ser o estrangeiro que mais corridas soma por ano entre nós, desta vez com a particularidade de ter entrado para o Livro de Recordes Guinness por ter sido o primeiro a tourear quatro corridas num mesmo dia, uma em Espanha e três em Portugal.

Destaco ainda a presença triunfal (depois, sem sequência) do jovem rejoneador espanhol Francisco Canales numa novilhada em Vila Franca; e os êxitos que o mexicano Emiliano Gamero voltou a conquistar em praças portuguesas, se bem que já sem o grande impacto que tivera no seu primeiro ano entre nós. Deixou de ser novidade, o que é natural, mas continuou indiscutivelmente a marcar alguma diferença.

Resumindo e concluindo, foi mais um ano igual a outros. Fartámo-nos de ver "mais do mesmo" todos os dias - e nunca refilámos. Pelo contrário, continuámos, cantando e rindo, a encher (e a esgotar) as praças. Grande público, este de Portugal!

Miguel Moura e Duarte Fernandes foram, para mim, os cavaleiros que marcaram a diferença em 2023. E que deram um abanão nisto, um sinal de esperança na diferença. Para que isto não seja sempre igual e depois, um dia, nos fartemos todos de ir às praças ver touradas...

Fotos M. Alvarenga e José Canhoto


Ainda e sempre, a diferença: Maestro Moura na encerrona de
Portalegre com seis Veiga Teixeira
Rui Fernandes: poucas corridas, triunfos marcantes. Ele não
baixou as calças aos "empresários chineses", é o único que
continuar a dar categoria e classe (e valor) à profissão