Miguel Alvarenga - O empresário mudou, mas o filme parece o mesmo. Da outra vez não havia toiros sobreros e os matadores recusaram-se a tourear, ficando a corrida cancelada. O empresário veio esclarecer que a culpa era dos toureiros, os toureiros vieram sacudir a água do capote e dizer que a culpa era do empresário. Os aficionados ficaram a arder sem tourada...
Ontem a cena foi diferente, mas os efeitos e os resultados são quase os mesmos. A empresa (nova) tentou tudo até às últimas para que houvesse corrida. Os cavaleiros viram o piso à hora do sorteio (antes de almoço) e às três e pouco da tarde (a corrida começava às quatro) foram testá-lo a cavalo e Rouxinol Jr. caiu. Por força das circunstâncias, os três cavaleiros concordaram que o melhor era cancelar a corrida. E assim fizeram e assinaram a acta de cancelamento com o diretor de corrida Ricardo Pais.
Bernardo Alexandre, novo empresário da "Palha Blanco", abriu as portas da praça, deixou o público entrar na arena e de microfone em punho disse, para que ninguém tivesse dúvidas, que o piso estava como o viam, mas que os cavaleiros tinham achado que estava impróprio para tourear e por isso se tinham recusado a fazê-lo.
Nas redes sociais, a empresa difundiu um pequeno comunicado a informar que a corrida ficava cancelada por motivos que lhe eram alheios, especificando que tinham sido os três cavaleiros a considerar que o piso não se encontrava em condições.
Ao final do dia, os três cavaleiros emitiram um comunicado conjunto defendendo-se e esclarecendo que, na realidade e depois da queda de Rouxinol, haviam concordado que o piso não estava em condições para se tourear.
Nas redes sociais, "tribuna" resultante das "liberdades" que Abril "nos trouxe" e dos modernismo deste era, onde todos podem escrever e opinar o que quiserem e da forma que lhes apetecer, multiplicaram-se os comentários de quem não tem mais nada que fazer e adora perder horas em frente do computador (ou do telemóvel) a dizer mal só por dizer.
Fez-se um bicho de sete cabeças de um caso que me parece ter sido igual a muitos outros já ocorridos. Mas com algumas diferenças.
Primeiro, aconteceu em Vila Franca, cuja aficion é séria e entendida, mas anda sempre alvoraçada e desejosa de criar polémicas. Maldosa, assim vezes...
Depois, acusaram os toureiros de ter decidido cancelar a corrida já perto da hora marcada para o seu início, defendendo que o deviam ter feito à hora do sorteio. Rui Bento, por exemplo, defendeu essa tese, do alto da sua experiência e do seu prestígio. Disse que, a ser cancelada, a corrida deveria tê-lo sido à hora do sorteio e não à hora do seu início. Acusou mesmo os toureiros, sendo apoderado de um deles, de terem deixado a empresa entre a espada e a parede.
Era preso por ter cão e preso por o não ter. Se cancelassem a corrida à uma da tarde, todos os iam acusar de não ter esperado para tentar melhorar o estado do piso. Por a terem cancelado à hora do início, foram acusados de terem faltado ao respeito aos aficionados, que se encontravam à porta prontos para entrar na praça...
Uma coisa é certa: havia grande ambiente, muita gente na rua e certamente que esta teria sido uma das corridas de Maio em Vila Franca com mais público.
Outra coisa é certa também: quando foram contratados, os toureiros sabiam perfeitamente os toiros que iam tourear. Não venham agora acusá-los de terem tido medo dos toiros (um tinha 700 quilos!)...
Mas não podemos ignorar, muito menos fingir que ignoramos: uma coisa é tourear esses toiros em condições normais, outra coisa seria lidá-los num piso que em óptimo estado não estaria de certeza, se não Rouxinol não teria caído.
A culpa não morreu solteira. Mas não é da empresa, nem é dos toureiros. É do clima. Mais concretamente, do tempo. Que este ano já deitou abaixo uma série de corridas, mas em nenhum outro caso com a polémica e a coscuvilhice que este motivou. Lá está, Vila Franca é Vila Franca...
O que aconteceu não foi bom para ninguém. Não foi bom para os três cavaleiros, que podem ter ficado pelos próximos tempos vetados pela aficion vilafranquense. Não foi bom para a nova empresa, que pretendia estrear-se em beleza e tudo fez para que isso acontecesse, mas o tempo trocou-lhe as voltas. E não foi bom sobretudo para Vila Franca, repetindo-se, com contornos distintos mas efeitos idênticos, a bronquite de 5 de Outubro...
Em Outubro, Levesinho amuou e bateu com a porta. Bernardo Alexandre ainda agora começou, não tem outra chance que não seja aguentar-se à bronca e esperar que no Colete Encarnado o piso esteja uma maravilha...
Foto D.R.