sábado, 9 de agosto de 2025

Alcochete: Glória a Palha nas alturas e à bravura dos Palhas com tanta verdade

Miguel Alvarenga - Assim, sim. Com corridas como a de ontem à noite em Alcochete, qualquer aficionado cansado e farto de andar sempre a correr atrás de coisinhas mais do mesmo, recupera num instante a adrenalina, volta a sentir paixão e entusiasmo pelo que vê, acredita outra vez que isto, afinal, ainda vale a pena e ainda vamos a tempo de recuperar todo o esplendor, todo o glamour e toda a solenidade que em tempos que já lá vão eram apanágios deste espectáculo de que todos gostamos muito, mas de que todos já andamos saturados por ser sempre "o mesmo filme". Francisco Palha, que ontem se autoproclamou, se dúvidas ainda existissem, como o mais valente cavaleiro do momento (tinha razão o ganadeiro João Folque quando assim o referenciou no acto de apresentação da encerrrona!) e, mais que isso, como a primeira figura do toureio equestre actual. Ele é, desde ontem com mais força ainda, o grande toureiro de Portugal!

Um toureiro encerra-se com seis toiros, lá dizia o sapiente e muito saudoso Fernando Camacho, num acto de desespero, para voltar a ser falado e procurar dar de novo nas vistas; ou num gesto de consagração. E foi isto, um gesto de máxima e incontornável consagração, que Palhinha ontem reclamou como seu e protagonizou com todo o fulgor e toda a arte na praça de Alcochete, que mesmo sem ter esgotado a lotação, registou uma enchente de três quartos fortes e teve um ambiente daqueles que arrepiam e impõem respeito à séria.

Bravos, agressivos, a transmitir toda a verdade, toda a emoção e toda a seriedade que constituem e compõem a verdadeira essência do espectáculo tauromáquico, apesar de tantas vezes a desvirtuarem e a envergonharem com toiritos "nhoc-nhoc", dóceis e muito queridos, os exemplares da histórica ganadaria Palha repuseram ontem na Festa o risco, o perigo, a emoção que outros insistem em lhe retirar com historietas da Carochinha, lotações esgotadas pra inglês ver e falsas apoteoses que não têm nada que ver com aquilo que ontem se passou em Alcochete

Foi uma corrida que marcou a temporada, um cavaleiro que se impôs como primeiríssima Figura da Verdade, dois grupos de forcados heróicos a enfrentar toiros bravos e agressivos que arrancavam com raça e com força e para fazerem mal. E um ganadeiro de enorme prestígio internacional a que ontem só faltou mesmo sair também em ombros ao lado de Palhinha, depois de com ele ter dado uma muito aclamada volta à arena. João Folque e os seus bravos toiros foram também grandes responsáveis pela fantástica e inesquecível noite de esplendor, de glamour (aqui sim, de verdade, sem historietas para embalar...) e de muita emoção que ontem se viveu em Alcochete, por obra e graça de um toureiro de um valor sem fim. Olé, Francisco Palha!

Foram superiormente lidados e pegados seis toiros, mas sairam oito à arena. O segundo recolheu aos curros já com dois ferros cravados depois de ter embatido com violência nas tábuas e partido um corno. Nada obriga a que fosse substituído por um sobrero, pois já estava considerado "lidado", mas a empresa, o ganadeiro e o cavaleiro não quiseram defraudar o público e anunciaram desde lodo que a coisa não ficava por ali. A seguir, outro toiro - bonito, bem apresentado e a prometer muito - entrou com imensa pata na arena e sofreu uma lesão numa pata dianteira, coxeando e sendo também recolhido e substituído por outro sobrero. Parecia que a noite estava enguiçada, mas depressa se recompôs tudo mercê da força dos acontecimentos que se seguiram.

Só destoou o toiro lidado como quinto da noite (afinal, às vezes, há quinto mau...), manso e reservado, parado, a esperar, precisamente aquele em que Palha convidou (azar o dele, o deles...) o cavaleiro sobressalente, seu primo Manuel Ribeiro Telles Bastos, a consigo repartir a lide. Foi uma actuação a duo sem histórica e no final só o forcado veio à arena agradecer uma ovação, tendo os dois cavaleiros permanecido entre tábuas.

A noite foi de grandes emoções. E teve até a sua dose de tragédia, graças a Deus sem consequências de maior, quando o terceiro toiro derrubou violentamente o cavalo e o cavaleiro, vivendo-se momentos de grande angústia e preocupação - imagens que ainda esta madrugada aqui demos à estampa.

Os bravos toiros de Palha não eram "búfalos" com quilos a mais. Eram toiros de verdade, exigentes, a pedir máximo ofício ao cavaleiro, com esqueletos, na maior parte dos casos, bem característicos do encaste Baltasar Ibán, outros a evidenciar a ascendência Oliveiras Irmãos. Não monstruosos, mas a transmitir muita emoção, muito perigo e a pedirem contas. Francisco Palha deu-as todas, lidou adequadamente e com imenso brio cada um dos toiros, desta vez não houve espaço para a irregularidade, a inconstância e outros calcanhares de Aquiles que costumam marcar, nem todas, mas algumas das suas actuações. Francisco ontem contrariou com toda a força essa, às vezes, anomalia, passou por cima disso tudo, esteve muito bem em todos os toiros, muito bem mesmo, superou-se a ele próprio, marcou toda a diferença, reafirmou o momento grande que está a viver, a tranquilidade, a segurança, a confiança e a quadra fantástica que possui. Com argumentos para todas as situações e histórias para contar com todos os toiros. Um toureiro à maneira antiga. Com toiros à antiga.

O primeiro toiro não era bravo, era bravíssimo. E mais bravo esteve Francisco com ele. Outros houve de nota altíssima, toiros com pata, com emoção, a assustar, a exigir e a impor. No último, o público exigiu a Palha uma sorte de gaiola e ele mandou sair os bandarilheiros. Ouviram-se na bancada gritos de "Toureiro! Toureiro!", o entusiasmo cresceu em fim de festa e Francisco recebeu o toiro com a atitude e a raça dos eleitos, numa emotiva e arriscada sorte de gaiola que pôs tudo em alvoroço. Terminou em beleza, com uma actuação marcante e se mais toiros houvesse, mais tempo ali teríamos ficado a ver Francisco Palha superar-se e autoproclamar-se o primeiro cavaleiro do momento!

Houve brindes significativos do cavaleiro: o primeiro a sua Mulher, Beatriz Prates e a sua filha Pureza (três meses) e ao médico Dr. Duarte Vilarinho, que a trouxe ao mundo; o segundo a seus pais, Mariquita Palha e Nico Palha; outro ao ganadeiro João Folque; um aos Bombeiros Voluntários de Alcochete; e o último aos empresários Margarida e António José Cardoso, obreiros felizes e realizados desta aposta ousada, como foram sempre as apostas - e as vitórias - de seu querido pai, o nosso nunca esquecido "Nené".

No fim, Francisco Palha deu uma muito aclamada volta à arena com o ganadeiro João Folque e o forcado João Dinis (Amadores de Alcochete), autor da última pega, acompanhados de uma legião de pequenada. E depois saíu em ombros, em verdadeira apoteose. Merecido. Folque também devia ter saído aos ombros. Não se vêem todos os dias toiros de tanta verdade e tamanha emoção como os seus.

Nota muito alta para os seis toureiros de prata que ontem valeram ouro - extraordinários os irmãos Joaquim e João de Oliveira; muito eficientes Diogo Malafaia, Jorge Alegrias, Gonçalo Veloso e Miguel Maltinha. Mais na brega para os forcados do que propriamente nas intervenções durante as lides do cavaleiro, que foram poucas e discretas.

As pegas não foram fáceis. Como já referi, os Palhas arrancavam com violência e para fazer mal. Não eram toirinhos dóceis e bonzões como os da véspera na desvirtuada Catedral. É pena que assim tenha acontecido, mas o facto de as duas corridas estarem separadas por apenas 24 horas levou todo o mundo a fazer inevitáveis comparações...

Pelos Amadores de Vila Franca pegaram Vasco Carvalho, à primeira; Rafael Plácido, à segunda; e Miguel Faria, à quinta. Pelos anfitriões Amadores de Alcochete foram forcados de cara Vitor Marques, à terceira; Miguel Direito, à terceira; e João Dinis, ao primeiro intento.

Esta noite histórica foi bem dirigida por Tiago Tavares, que esteve assessorado pelo médico veterinário Jorge Moreira da Silva.

Ao início da corrida, nas cortesias, foi guardado um minuto de silêncio em memória do repórter fotográfico Luis Azevedo, recentemente falecido; e prestou-se homenagem póstuma ao também falecido Joaquim Carlos, maioral da ganadaria Palha, com a entrega aos filhos, por António Palha, de um quadro pintado por João Quintella.

Fica na história da Tauromaquia, na de Alcochete e, obviamente, na de Francisco Palha. Protagonizar uma encerrona já é, de si, um gesto de coragem, de valor e de afirmação/consagração neste caso. Fazê-lo com toiros da ganadaria Palha transforma esse gesto num acto verdadeiramente épico e que guardaremos para sempre nas nossas memórias. A noite de Palha & Palhas foi também, como atrás referi, uma aposta ganha pela empresa Toiros & Tauromaquia. Que é preciso felicitar e enaltecer.

Podem acontecer muito mais coisas ainda. Mas já nada vai ser igual depois deste brutal e muito saudável murro na mesa que Francisco Palha e o ganadeiro João Folque deram no marasmo e na pasmaceira da sempre igual tauromaquia nacional. Haverá a partir de agora obrigatoriamente um antes e um depois desta corrida épica. E Francisco Palha, que aos costumes disse nada, sentou-se ontem, com toda a glória e todo o merecimento, no Trono do Toureio Nacional.

Foto M. Alvarenga

A seguir, vamos mostrar-lhe os melhores momentos das lides triunfais de Francisco Palha e também as sequências das seis rijas pegas dos forcados de Vila Franca e de Alcochete. E mais logo não perca as fotos dos Famosos ontem nesta corrida espectacular.