A história do "Matavacas"
a propósito da polémica
das mordidelas...
Em toda esta polémica dos cavalos que
mordem os toiros, intencionalmente não quis meter a colherada por achar que já
havia polémica demasiada. Veio-me no entanto à ideia contar a história
pitoresca que vivi com o primeiro cavalo que mordia nas vacas ao ponto de as
matar.
Um dia fui ver o Gustavo Zenkl a tourear
vacas com cavalos novos e entre eles havia um com o ferro Barahona, na mesma
época em que o sr. David tinha um outro com o mesmo ferro de nome "Democrata",
em que toureava o Mestre e algumas vezes o seu filho João, e que tinha a
particularidade de na arena tentar morder o peitoral .
O Gustavo entusiasmado disse-me:
"Comprei há dias este cavalo que é irmão do 'Democrata', e anda tão bem à
tourinha que hoje vou experimentá-lo com vacas".
Depois de passar dois cavalos montou o
tal que logo na primeira passagem se atirou com a boca aberta à vaca largando-a
só, quando esta já estava morta!
Foi o espanto geral, porque nenhum dos
presentes (César Marinho, Joaquim Gonçalves, Mestre Diogo Serrão e Edmundo Albergaria)
tinham visto na vida uma coisa assim. A partir desse dia, o cavalo passou a
chamar-se "Matavacas"
Passados alguns dias, telefonou-me o
Gustavo para eu fazer diligências no sentido de vender o tal cavalo. Naquela
altura ia várias vezes por semana a casa de Mestre Batista, quando o Zé Zuquete
ali tinha os cavalos e trabalhávamos juntos no mesmo serviço em Lisboa. Contei
aos dois o que tinha visto e logo o Batista manifestou vontade de experimentar
o "Matavacas". Telefonei ao Gustavo e no dia combinado lá estávamos
os três (Batista, Zuquete e eu) para que o de S. Marcos experimentasse o tal
cavalo.
Logo na primeira passagem o cavalo fez o
que eu já tinha visto, mas pior, depois de sentir a vaca morta e porque o
Gustavo ainda tentou com um pau evitar o desenlace fatal para a vaca, o
"Matavacas" foi direito a ele com a boca aberta como se fosse um cão,
tendo o Gustavo e o Batista, já apeado, que se refugiarem num burladero...
Passados um ou dois dias contei esta
história ao pai de Diego Ventura, João António Ventura, toureiro valentíssimo,
que eu representava nessa altura, que logo foi comigo a Alpompé e comprou o
"Matavacas muito barato sem o experimentar.
Passaram-se uns dias e o Ventura
disse-me que o cavalo já lhe tinha morto uma vaca mas que o ia levar às duas
corridas que tourearia seguidas, sábado e domingo, em Albufeira e Portimão e
receberia um toiro nele, o que sinceramente não acreditei...
Já no Algarve, eu e o bandarilheiro José
Carlos Nicolau, ao apercebermo-nos das intenções de Ventura, tentámos
demovê-lo, mas nada...
No primeiro toiro, lá estava
Ventura montado no
"Matavacas". Na primeira passagem pela cara do toiro deu-se o que
esperávamos, mas como era um toiro, este atirou-se ao cavalo dando-lhe uma
tareia monstra, tendo o cavaleiro caído e escapado por milagre.
No segundo toiro, Ventura sacou de novo
o cavalo que murchou a orelha... mas de morder nada...
No dia seguinte parou mais dois toiros e
até ao fim da época parou mais de vinte.
No defeso apareceu-me um amigo francês
que queria comprar um cavalo a tourear relativamente barato. Falei-lhe no
"Matavacas" e contei-lhe toda a história invulgar do cavalo, este
montou-o sem vaca e comprou-o, vendendo-o depois ao cavaleiro Cristophe Yonnet,
que infelizmente já não está entre nós, que depois de o cavalo ter morto várias
vacas da prestigiada ganadaria de seu pai, o soltou para o campo, vindo o "Matavacas"
a ser morto com uma cornada quando em liberdade atacou uma vaca no campo, como
me contou o Luc Jalabert e o próprio Cristophe.
Podia juntar a esta história outra
semelhante de um outro cavalo de Ana Batista a que chamávamos "Rei
Leão" que ia matando o pai de Verónica Cabaço.
Estas experiências levaram-me a
acrescentar o comportamento dos cavalos a um ditado popular que diz:
"Jogadores, fumadores, bêbados, mulheres de mau porte, homossexuais e
cavalos que mordem; nunca regeneram, quando muito metem férias...".