sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Grande tourada, à antiga, ontem no Campo Pequeno!

Deus gosto ver um cartel "à antiga". Tem outro sabor!
Moura abriu o livro com o "Merlin" e foi o que se viu!
Estar "à Bastinhas" é estar bem, pôr a praça em alvoroço!
António Ribeiro Telles toureou divinalmente, sobretudo o seu segundo toiro
A noite foi dura para os valentes Amadores de Santarém...
... mas defenderam com unhas e dentes a glória do seu passado!

"Estendi-me" de mais, talvez me tenha emocionado com o cartel (do meu tempo...) e com o êxito da tourada de ontem em Lisboa, mas acho que vão gostar de ler. Foi assim que eu vi a corrida do 119º aniversário do "meu" Campo Pequeno. Com a estreia no "Farpas" da jovem fotógrafa (promete!) Carlota Melo, que substituiu o nosso Dinis, em Alcochete a fazer um "directo" para o seu site.

Reportagem de Miguel Alvarenga e Carlota Melo (fotos)


Comemorar, afinal de contas sem comemoração nenhuma, os 119 anos do Campo Pequeno foi uma forma estratégica de "emoldurar" perante a opinião pública a corrida de ontem à noite em Lisboa. E resultou. A praça encheu. Não propriamente pelo aniversário (ninguém deu por ele...), acredito que mais pelo cartel. Com os novos a andar, a andar e a andar sem haver meio de disparar, o elenco de ontem, com três das maiores figuras dos últimos trinta anos da história do toureio português - Moura, Bastinhas e Telles - era, sem dúvida, a meu ver, um dos cartéis mais interessantes da temporada lisboeta. Tinha, pelo menos, um outro sabor. Um sabor mais de glória, mais de "antigamente". Sou um bocado "saudosista" nessas coisas...
Foi pena que o Campo Pequeno (não tem um gabinete de Relações Públicas, como agora está tanto na moda? Dantes tinha...) não tivesse assinalado com "qualquer coisa" o aniversário da praça. Ainda que não fosse uma efeméride "assinalável" (119 anos não são 100, nem 115, nem 120...), havia que ter feito uma brochura para oferecer aos aficionados, qualquer coisinha mais bonita, em vez do tradicional programinha ou mesmo um discurçozito (fazem-te tantos sem vir a propósito) que, se fosse rápido e conciso, certamente ninguém levaria a mal. Assim, passou-se pelo aniversário, que mais não foi que um chamariz, sem ninguém dar por ele. Nem que fosse o "parabéns a você" tocado pela banda a abrir ou no final, em vez daquela saloice do Hino a fechar praça...
Enfim, o Rui Bento, tão espertinho para tanta coisa (e insisto: continuo a dizer que é o homem certo no lugar certo), às vezes é um atadinho para outras. Ou era aniversário ou não era, assim não foi nada. Pronto, tenho dito.
Agora, a tourada (que é como se dizia e se escrevia antigamente e eu continuo a preferir este ao termo "corrida de toiros", até porque os toiros, só às vezes é que correm, estes correram, por acaso).
Começo pelos toiros de Passanha. Não entendo nada disso das castas de que tanto falam os "entendidos" - mas parece-me que estes não eram da linha "Murube", não eram da "casta nhoc-nhoc", eram antes da antiga linha dura dos verdadeiros Passanhas. Parabéns ao ganadeiro!
O primeiro adiantava-se barbaridades, era complicado. O segundo foi bom. O terceiro óptimo. O quarto belíssimo, bravo. O quinto bom e o sexto também, mas mais reservado e menos "claro" nas investidas.
João Moura, Joaquim Bastinhas e António Ribeiro Telles estiveram cada qual ao seu melhor estilo e ao seu melhor nível. Foi uma corrida "à antiga" - por muito que o pretendam "desmentir" certos e determinados miúdos que agora escrevem em sites que ninguém lê, que não eram nascidos quando estes toureiros começaram a subir os degraus que os levaram a onde hoje estão e continuam a estar, e que pretendem a todo o custo dar nas vistas escrevendo sempre negativamente de tudo o que vêem - se é que vêem alguma coisa!... Adiante.
Ao intervalo, pese embora a lide brilhante de Bastinhas, dentro do seu estilo alegre, comunicativo, mas, não podemos esquecer nunca, de bom toureiro (bom, mesmo!) e a lide menos regular, mas sempre éticamente correcta e bem delienada do clássico António, era João Moura o claro vencedor da "partida". Esteve genial o Maestro, na "onda" a que nos vem habituando nas últimas temporadas, de grande maestria e de eterna continuidade, como se tivesse 16 anos outra vez.
A fasquia estava alta. No segundo toiro, à saída de um dos primeiros ferros, o cavalo "Mel e Noz" "perdeu as patas" e "espalhou-se" nitidamente, arrastando na queda o cavaleiro... que já não tem propriamente vinte anos, embora a tourear pareça que os tem. Moura saíu fortemente combalido e a coxear foi até ao páteo de quadrilhas, amparado pelo jovem bandarilheiro António Telles Bastos.
Regressou montado no "Merlin". E regressou com a casta, a garra e a "toureria" que o fizeram sempre diferente. A seguir, abriu o livro e foi um verdadeiro "pandemónio" de bem tourear que desenhou na arena do Campo Pequeno, como que a prestar a maior das homenagens à "sua" praça, o palco de tantos e tantos triunfos.
Quem viu, viu - e foram muitos, certamente, já que a tourada estava a ser transmitida (e dizem-me que bem) pela RTP. Quem não viu, paciência. "Aquilo" não se descreve. É daquelas coisas que se vivem, se sentem e emocionam no momento. E de que não há depois palavras para descrever - Moura eterno, Moura ainda e sempre o rei! E o resto são cantigas...
Desta vez não foram tanto assim, valha a verdade. Joaquim Bastinhas mantém ao longo de quase trinta anos de alternativa, um carisma e um lugar que jamais alguém alcançará, dentro do seu estilo. E quando se diz que "esteve ao seu estilo", não se quer dizer que tenha estado "assim assim". O seu estilo, defendido e imposto ao longo da sua gloriosa carreira, é um estilo alegre, popular, comunicativo, mas é acima de tudo um estilo de bom toureiro. Que arrisca, que se entrega, que é de um profissionalismo muito acima da média. Esteve "à Bastinhas", sim senhor, mas estar "à Bastinhas" é estar bem, é pôr o público de pé, é cravar aqueles pares de bandarilhas como só ele sabe, é "puxar" pelo público e obrigá-lo a "explodir" na bancada. E não se pode esquecer que o actual público do Campo Pequeno, tão diferente do sisudo e "entendidíssimo" conclave de outros tempos. Este público vibra, aplaude, colabora, faz a festa e deita os foguetes, ainda apanha as canas. É óptimo - mesmo que alguns escrevam e digam o contrário.
António Ribeiro Telles é há mais de vinte anos fiel a um estilo de toureio que muitos denominam "clássico". Mas não há toureio clássico e toureio moderno. Pode haver evolução, inovação - mas só há um toureio e uma forma de abordar o toiro na lide a cavalo (e a pé), que é com verdade. Há bons e maus toureiros. António está nos primeiros, obviamente. É muito bom toureiro.
Para lá do senão que foi a "nega" do espectacular cavalo "Santarém", obrigando-o a mudar de montada já em final de lide (compreende-se, penso, pelo cansaço de muitas touradas seguidas) e de um ferro que "espetou no ar" (acontece aos melhores!), António também se encastou e veio acima com mais dois ferros que levantaram a praça. Toureou divinalmente o Maestro da Torrinha - nesta que é uma das melhores e mais sólidas temporadas da sua importante trajectória.
Não houve triunfadores. Moura esteve mais regular no conjunto das duas lides, podia perfeitamente ser aclamado "vencedor" da noite, mas não seria justo, perante a tourada triunfal a que assistimos, com êxitos repartidos pelo ganadeiro (que ninguém chamou à praça, mas merecia!) e pelos três toureiros. Honra, assim, a João, a Joaquim, a António - que grande noite de toiros nos proporcionaram eles ontem!
Os Forcados Amadores de Santarém, também eles a caminhar a passos largos para a gloriosa comemoração do seu centenário, não tiveram noite fácil perante a agressividade dos Passanhas. Mas estiveram à altura das circunstâncias, dignificando o seu grande historial - numa corrida em que na trincheira, a acompanhar a nova rapaziada, vi dois antigos pilares do grupo, o ex-cabo Carlos Grave e aquele que para mim é, desde os meus tempos de miúdo aficionado, uma das maiores referências dessa arte única de pegar toiros, o grande Nuno Megre!
João Brito pegou bem, ao primeiro intento, o toiro que abriu praça; António Grave de Jesus pegou à segunda, depois de sair combalido da primeira tentativa e de se ter recomposto; João Goes (presumo que filho de outro bom forcado, o meu querido amigo Manuel Goes) substituiu o lesionado Luís Sepúlveda (que uma vez mais deslocou o ombro esquerdo, regressando à trincheira depois de assistido na enfermaria) consumou a pega do terceiro toiro da noite; António Imaginário fez a pega ao quarto toiro, uma grande pega, à primeira; seguiu-se João Vaz Freire à segunda e depois, a fechar, Ricardo Francisco, ao terceiro intento.
Nem sempre não pegar à primeira é "um desastre". A noite foi dura e teve emoções. Mas é com toiros difíceis que se vêem os forcados grandes. E o Grupo de Santarém continua em grande. Boas ajudas (belíssimas!), coesão de grupo e um rabejador sempre eficiente e artista, o valente David Romão.
Bons destaques de brega de todos os bandarilheiros: os consagrados Hugo Silva, João Ganhão e Diogo Malafaia, o jovem Ricardo Raimundo, João Neves Ribeiro "Curro" (um toureiro cada vez mais apurado e com maior sentido de oportunidade na hora de intervir - chama-se a isso classe, arte e, claro, veterania!) e António Telles Bastos - que se apresentava em Lisboa depois da alternativa nas Caldas e o fez apontando uma vez mais carreira de sucesso e com futuro - bem como o sempre eficiente Ernesto Manuel.
Muito bem dirigida a corrida pelo saber e pela experiência, mas acima de tudo pela afición e pelo sentido de festa e de se estar em directo na televisão, transmitindo alegria, ritmo e "imagem", do diligente e inteligente (no verdadeiro sentido da palavra) César Marinho. Olé também para si, Maestro!