Deus gosto ver um cartel "à antiga". Tem outro sabor! |
Moura abriu o livro com o "Merlin" e foi o que se viu! |
Estar "à Bastinhas" é estar bem, pôr a praça em alvoroço! |
António Ribeiro Telles toureou divinalmente, sobretudo o seu segundo toiro |
A noite foi dura para os valentes Amadores de Santarém... |
... mas defenderam com unhas e dentes a glória do seu passado! |
"Estendi-me" de mais, talvez me tenha emocionado com o cartel (do meu tempo...) e com o êxito da tourada de ontem em Lisboa, mas acho que vão gostar de ler. Foi assim que eu vi a corrida do 119º aniversário do "meu" Campo Pequeno. Com a estreia no "Farpas" da jovem fotógrafa (promete!) Carlota Melo, que substituiu o nosso Dinis, em Alcochete a fazer um "directo" para o seu site.
Reportagem de Miguel Alvarenga e Carlota Melo (fotos)
Comemorar, afinal de contas sem
comemoração nenhuma, os 119 anos do Campo Pequeno foi uma forma estratégica de
"emoldurar" perante a opinião pública a corrida de ontem à noite em
Lisboa. E resultou. A praça encheu. Não propriamente pelo aniversário (ninguém
deu por ele...), acredito que mais pelo cartel. Com os novos a andar, a andar e
a andar sem haver meio de disparar, o elenco de ontem, com três das maiores
figuras dos últimos trinta anos da história do toureio português - Moura,
Bastinhas e Telles - era, sem dúvida, a meu ver, um dos cartéis mais
interessantes da temporada lisboeta. Tinha, pelo menos, um outro sabor. Um sabor mais de glória, mais de "antigamente". Sou um bocado "saudosista" nessas coisas...
Foi pena que o Campo Pequeno (não tem um
gabinete de Relações Públicas, como agora está tanto na moda? Dantes tinha...)
não tivesse assinalado com "qualquer coisa" o aniversário da praça.
Ainda que não fosse uma efeméride "assinalável" (119 anos não são
100, nem 115, nem 120...), havia que ter feito uma brochura para oferecer aos
aficionados, qualquer coisinha mais bonita, em vez do tradicional programinha
ou mesmo um discurçozito (fazem-te tantos sem vir a propósito) que, se fosse
rápido e conciso, certamente ninguém levaria a mal. Assim, passou-se pelo
aniversário, que mais não foi que um chamariz, sem ninguém dar por ele. Nem que
fosse o "parabéns a você" tocado pela banda a abrir ou no final, em
vez daquela saloice do Hino a fechar praça...
Enfim, o Rui Bento, tão espertinho para
tanta coisa (e insisto: continuo a dizer que é o homem certo no lugar certo),
às vezes é um atadinho para outras. Ou era aniversário ou não era, assim não
foi nada. Pronto, tenho dito.
Agora, a tourada (que é como se dizia e
se escrevia antigamente e eu continuo a preferir este ao termo "corrida de
toiros", até porque os toiros, só às vezes é que correm, estes correram,
por acaso).
Começo pelos toiros de Passanha. Não
entendo nada disso das castas de que tanto falam os "entendidos" -
mas parece-me que estes não eram da linha "Murube", não eram da
"casta nhoc-nhoc", eram antes da antiga linha dura dos verdadeiros
Passanhas. Parabéns ao ganadeiro!
O primeiro adiantava-se barbaridades,
era complicado. O segundo foi bom. O terceiro óptimo. O quarto belíssimo,
bravo. O quinto bom e o sexto também, mas mais reservado e menos
"claro" nas investidas.
João Moura, Joaquim Bastinhas e António
Ribeiro Telles estiveram cada qual ao seu melhor estilo e ao seu melhor nível.
Foi uma corrida "à antiga" - por muito que o pretendam
"desmentir" certos e determinados miúdos que agora escrevem em sites
que ninguém lê, que não eram nascidos quando estes toureiros começaram a subir
os degraus que os levaram a onde hoje estão e continuam a estar, e que
pretendem a todo o custo dar nas vistas escrevendo sempre negativamente de tudo
o que vêem - se é que vêem alguma coisa!... Adiante.
Ao intervalo, pese embora a lide
brilhante de Bastinhas, dentro do seu estilo alegre, comunicativo, mas, não
podemos esquecer nunca, de bom toureiro (bom, mesmo!) e a lide menos regular,
mas sempre éticamente correcta e bem delienada do clássico António, era João Moura
o claro vencedor da "partida". Esteve genial o Maestro, na
"onda" a que nos vem habituando nas últimas temporadas, de grande
maestria e de eterna continuidade, como se tivesse 16 anos outra vez.
A fasquia estava alta. No segundo toiro,
à saída de um dos primeiros ferros, o cavalo "Mel e Noz" "perdeu
as patas" e "espalhou-se" nitidamente, arrastando na queda o
cavaleiro... que já não tem propriamente vinte anos, embora a tourear pareça
que os tem. Moura saíu fortemente combalido e a coxear foi até ao páteo de
quadrilhas, amparado pelo jovem bandarilheiro António Telles Bastos.
Regressou montado no "Merlin".
E regressou com a casta, a garra e a "toureria" que o fizeram sempre
diferente. A seguir, abriu o livro e foi um verdadeiro "pandemónio"
de bem tourear que desenhou na arena do Campo Pequeno, como que a prestar a
maior das homenagens à "sua" praça, o palco de tantos e tantos
triunfos.
Quem viu, viu - e foram muitos,
certamente, já que a tourada estava a ser transmitida (e dizem-me que bem) pela
RTP. Quem não viu, paciência. "Aquilo" não se descreve. É daquelas
coisas que se vivem, se sentem e emocionam no momento. E de que não há depois
palavras para descrever - Moura eterno, Moura ainda e sempre o rei! E o resto
são cantigas...
Desta vez não foram tanto assim, valha a
verdade. Joaquim Bastinhas mantém ao longo de quase trinta anos de alternativa,
um carisma e um lugar que jamais alguém alcançará, dentro do seu estilo. E
quando se diz que "esteve ao seu estilo", não se quer dizer que tenha
estado "assim assim". O seu estilo, defendido e imposto ao longo da
sua gloriosa carreira, é um estilo alegre, popular, comunicativo, mas é acima
de tudo um estilo de bom toureiro. Que arrisca, que se entrega, que é de um
profissionalismo muito acima da média. Esteve "à Bastinhas", sim
senhor, mas estar "à Bastinhas" é estar bem, é pôr o público de pé, é
cravar aqueles pares de bandarilhas como só ele sabe, é "puxar" pelo
público e obrigá-lo a "explodir" na bancada. E não se pode esquecer que o actual público do Campo Pequeno, tão diferente do sisudo e "entendidíssimo" conclave de outros tempos. Este público vibra, aplaude, colabora, faz a festa e deita os foguetes, ainda apanha as canas. É óptimo - mesmo que alguns escrevam e digam o contrário.
António Ribeiro Telles é há mais de
vinte anos fiel a um estilo de toureio que muitos denominam
"clássico". Mas não há toureio clássico e toureio moderno. Pode haver
evolução, inovação - mas só há um toureio e uma forma de abordar o toiro na
lide a cavalo (e a pé), que é com verdade. Há bons e maus toureiros. António
está nos primeiros, obviamente. É muito bom toureiro.
Para lá do senão que foi a
"nega" do espectacular cavalo "Santarém", obrigando-o a
mudar de montada já em final de lide (compreende-se, penso, pelo cansaço de
muitas touradas seguidas) e de um ferro que "espetou no ar" (acontece
aos melhores!), António também se encastou e veio acima com mais dois ferros
que levantaram a praça. Toureou divinalmente o Maestro da Torrinha - nesta que
é uma das melhores e mais sólidas temporadas da sua importante trajectória.
Não houve triunfadores. Moura esteve
mais regular no conjunto das duas lides, podia perfeitamente ser aclamado
"vencedor" da noite, mas não seria justo, perante a tourada triunfal
a que assistimos, com êxitos repartidos pelo ganadeiro (que ninguém chamou à
praça, mas merecia!) e pelos três toureiros. Honra, assim, a João, a Joaquim, a
António - que grande noite de toiros nos proporcionaram eles ontem!
Os Forcados Amadores de Santarém, também
eles a caminhar a passos largos para a gloriosa comemoração do seu centenário,
não tiveram noite fácil perante a agressividade dos Passanhas. Mas estiveram à
altura das circunstâncias, dignificando o seu grande historial - numa corrida
em que na trincheira, a acompanhar a nova rapaziada, vi dois antigos pilares do
grupo, o ex-cabo Carlos Grave e aquele que para mim é, desde os meus tempos de
miúdo aficionado, uma das maiores referências dessa arte única de pegar toiros,
o grande Nuno Megre!
João Brito pegou bem, ao primeiro
intento, o toiro que abriu praça; António Grave de Jesus pegou à segunda,
depois de sair combalido da primeira tentativa e de se ter recomposto; João
Goes (presumo que filho de outro bom forcado, o meu querido amigo Manuel Goes)
substituiu o lesionado Luís Sepúlveda (que uma vez mais deslocou o ombro
esquerdo, regressando à trincheira depois de assistido na enfermaria) consumou
a pega do terceiro toiro da noite; António Imaginário fez a pega ao quarto
toiro, uma grande pega, à primeira; seguiu-se João Vaz Freire à segunda e
depois, a fechar, Ricardo Francisco, ao terceiro intento.
Nem sempre não pegar à primeira é
"um desastre". A noite foi dura e teve emoções. Mas é com toiros
difíceis que se vêem os forcados grandes. E o Grupo de Santarém continua em
grande. Boas ajudas (belíssimas!), coesão de grupo e um rabejador sempre
eficiente e artista, o valente David Romão.
Bons destaques de brega de todos os
bandarilheiros: os consagrados Hugo Silva, João Ganhão e Diogo Malafaia, o
jovem Ricardo Raimundo, João Neves Ribeiro "Curro" (um toureiro cada
vez mais apurado e com maior sentido de oportunidade na hora de intervir -
chama-se a isso classe, arte e, claro, veterania!) e António Telles Bastos - que
se apresentava em Lisboa depois da alternativa nas Caldas e o fez apontando uma
vez mais carreira de sucesso e com futuro - bem como o sempre eficiente Ernesto Manuel.
Muito bem dirigida a corrida pelo saber
e pela experiência, mas acima de tudo pela afición e pelo sentido de festa e de
se estar em directo na televisão, transmitindo alegria, ritmo e
"imagem", do diligente e inteligente (no verdadeiro sentido da palavra) César Marinho. Olé também para si, Maestro!