Domingos Barroca, à direita, com Nuno Salvação Barreto e José Pedro Faro Foto D.R. |
A rabejar, numa pega de cernelha com outro grande nome do Grupo de Lisboa: Horácio Lopes Foto C. Brito/Arquivo |
Amigo Domingos Barroca,
Quis o destino levar-te bem cedo, da
mesma maneira que te marcou para toda a vida naquela corrida no Campo Pequeno.
Não tinhas inimigos e, como forcado, ou
te admiravam muito ou muitíssimo.
Foste forcado de caras, ajuda, rabejador
e cernelheiro - e em qualquer destas posições dentro do grupo foste
extraordinário. Não se pode ser mais completo.
Tive o privilégio de me fardar contigo e
de ser teu amigo, e na altura em que sofreste o acidente tinhas uma seara de
melão pegada com uma de tomate que eu fazia por conta da casa Ortigão Costa e
nessa época convivíamos diariamente e tive ocasião de calibrar os projectos que
tinhas para o futuro e que se perderam nessa noite.
O tempo que passaste em coma profundo,
durante o qual todo o grupo ou quase ia ao final da tarde, de romagem ao
Hospital de S. José antes de seres transferido para outro hospital, foi um
tempo de angústia e os momentos que passávamos com o teu cabo e padrinho Nuno
Salvação Barreto à espera que o Prof. Vasconcellos Marques fizesse de viva voz
o ponto da situação, mordiam cá dentro.
Quando fui para o Ultramar não disse aos
meus pais que ia, mas fui contigo e com o teu primo Zé Eugénio a Coimbra
despedir-me, sem que os meus pais pressentissem que embarcava dois dias depois.
Já no regresso e atingido o cimo da ladeira do Vale do Inferno, olhei para
trás, vi Coimbra ao longe e comecei a chorar. Acalmaste-me então com uma
palmada de carinho na cara que me abriu o lábio. Só tu meu caro amigo...
Ouvir-te falar dos forcados do teu tempo
dava a ideia que todos eram melhores que tu.
A satisfação de pegar só por pegar era
em ti nítida e tinha a força da raça.
Para ti pegar em praças importantes de
França, de Espanha ou numa desmontável dum canto recôndito do nosso país tinha
a mesma importância. A tua humildade e singeleza faziam de ti um caso único num
mundo onde as vaidades são naturais.
Nascido duma família de Campinos, a
forma como te referias às lides de campo e o valor que lhes davas, ultrapassava
a visão vulgar de quem as aprecia, mas não as sente por não as conhecer como tu
conhecias.
Perante a situação em que ficaste depois
da célebre colhida no Campo Pequeno (anos 70), ultrapassaste sempre o desespero
que seria natural, porém, seguiste o destino com frieza e com a coragem e
naturalidade dos homens grandes.
Disse um dia Georges Bernanos: "
Para encontrar a esperança é necessário ir além do desespero, porque quando
chegamos ao fim da noite, encontraremos a Aurora".
É nessa Aurora do além, sem os condicionalismos
de um mundo cão, que quero encontrar-te um dia, mas antes, escrevo-te esta
carta - p'ra que a terra não esqueça!