"Não digo que seja a melhor, mas esta é a temporada mais sólida e mais regular da minha carreira!" |
Rui Fernandes com Miguel Alvarenga e o Pai, Rui, um dos grandes pilares da sua carreira |
"Só com muito trabalho diário e muito esforço se pode estar nesta profissão!" |
Jacobo Botero, o jovem colombiano que vinha por um mês... e ficou cinco anos! |
Rui Fernandes numa pausa da nossa entrevista |
Toureiro e repórter no tentadero da Charneca da Caparica |
RUI FERNANDES:
"Até achava piada
quando me chamavam Lady Di..."
A viver a mais sólida e a mais importante temporada da sua carreira, Rui Fernandes considera que o público português lhe reconheceu finalmente o valor e recorda que não foi fácil chegar onde chegou. A 24 horas de regressar este ano pela terceira vez ao Campo Pequeno (amanhã à noite, na Corrida do Sporting), no dia seguinte a ter alcançado mais um grande triunfo em Espanha (quatro orelhas e saída em ombros ontem em Zarza la Mayor, na província de Cáceres), o cavaleiro fala ao "Farpas" de todo o seu percurso e aponta com um sorriso a meta que quer alcançar: "Chegar ao máximo!". A entrevista, já a seguir.
Entrevista de Miguel Alvarenga e Rita Barreiros (fotos)
- Esta é a melhor temporada da tua
carreira, Rui?
- Não sei... já tive umas melhores, outras
piores. Mas penso que é uma temporada mais regular...
- É a temporada de consagração?
- De consagração, não, acho que já sou
consagrado há mais tempo (risos)...
- ... de afirmação, então...
- O que se pode dizer, talvez, é que na
minha carreira toda, esta é a temporada em que me sinto mais moralizado, mais
confiante, mais maduro também, e com uma quadra de cavalos extraordinária, em
termos de qualidade e de quantidade.
- Custou chegar até aqui?
- Custar, custa. É uma profissão difícil,
por vezes ingrata, mas quando conseguimos singrar, não é nada melhor que isto,
não há nada melhor que ser toureiro.
- Tomar a alternativa no Campo Pequeno com
João Moura e Pablo Hermoso foi um sonho quase impossível?
- Na altura, tudo surgiu muito de repente.
Eram e ainda são duas máximas figuras do toureio, que mais podia eu pedir para
o dia da minha alternativa? Foi uma corrida bonita, as coisas correram bem, o
triunfo aconteceu, é um dia que nos marca sempre.
- Ser filho de toureiro, ter tradição
tauromáquica, são coisas que contam. Chegaste aqui sem nada disso... foi mais
difícil, Rui, custou mais a subir os degraus?
- Penso que em todas as profissões, quando
se luta para se ser o melhor, existem rivalidades, existem competições, existe
um trajecto difícil a trilhar. Seja-se ou não se seja filho de toureiro,
tenha-se ou não se tenha tradição tauromáquica. O meu pai nunca foi toureiro e
na minha família não havia tradição. Havia aficion, gosto pelos cavalos, mas
mais nada. Não foi fácil, reconheço. Mas penso que não teve nada a ver com
isso. Em qualquer profissão, o trajecto não é fácil, até te conhecerem, até
reconheceram o teu valor, até perceberem e reconhecerem aquilo que és, aquilo
que queres ser... todas essas coisas são escalões que se vão subindo ao longo
dos anos, ganhando o respeito, o carinho, a amizade e sobretudo o
reconhecimento do público. E aquilo que me deixa bastante feliz é sentir que ao
longo destes anos todos me dei sempre bem como todos os meus colegas, quer
cavaleiros, quer toureiros a pé, bandarilheiros, forcados, ganadeiros, sei lá,
todos. Orgulho-me de ter constuído amizades e do facto de todos reconhecerem
hoje que a minha postura é uma postura de verdade, de humildade e não na base da
mentira...
- Incomodava-te quando no início te
chamavam "Lady Di", "Barbie"?...
- Alguns ainda chamam!... Isso são marcos
que até orgulho me deixam! Que mal é que tem chamarem-me "Lady Di",
não vejo qualquer problema nenhum nisso. Diziam isso num tom que não me
incomodava nada, antes pelo contrário, até sempre achei graça a esse tipo de
coisas... a sério!
- Em Espanha também estás a consolidar uma
carreira importante. És um dos poucos cavaleiros portugueses que lá andam,
toureias as feiras importantes, triunfas, cortas orelhas, sais em ombros...
- Em Espanha, falando com sinceridade e é
assim que gosto de falar, ainda estou longe de alcançar aquilo que pretendo.
Posso-me orgulhar de me ter vindo a aguentar numa fase em que existe uma enorme
competição no rejoneio, em que existem muito bons rejoneadores, cada vez há
rejoneadores melhores, o que torna cada vez mais difícil entrar nessas feiras
importantes e a minha luta é conseguir tourear o maior número de feiras
possíveis, que as empresas possam contar comigo e isso só se consegue lutando
todos os dias e saindo todos os dias à praça com uma enorme vontade de triunfar
e de mostar ao público que temos valor para estar ali, que não estamos ali pelo
"valor" de terceiros!
- Achas que em Portugal o público
reconheceu finalmente o teu valor?
- Portugal é o meu país, tenho um grande
orgulho de ser português e adoro tourear no meu país. Nem sempre as coisas me
corriam bem por cá e acho também que o público, sabendo que eu andava a tourear
e a triunfar em Espanha, tinha comigo um grau de exigência que por vezes me
assustava. Isso por um lado é bom, por outro é mau, mas essa exigência por
vezes trazia-me menos tranquilo e as coisas também nem sempre resultavam bem.
Penso que hoje tudo foi ultrapassado e que estou a consolidar a minha posição
em Portugal e sinto cada vez mais o carinho, o apoio e o reconhecimento dos
aficionados. Aprendi ao longo do tempo, estou mais maduro, vejo as coisas de
maneira diferente e penso que tenho conquistado a aficion portuguesa, a postura
que têm tido comigo tem sido simplesmente magnífica, dando-me uma força
tremenda para quando vou lá fora tourear ir com imenso orgulho de ser
português!
- Regressas amanhã pela terceira vez nesta
temporada ao Campo Pequeno... conta lá o que foi aquilo, na última corrida, de
"recusar" a "porta grande"... que tinhas na mão, se a
quisesses...
- Não digo que tenha recusado... Senti-me
muito feliz e muito realizado por ter dado aquele volta à arena com o público a
aplaudir como aplaudiu. Se calhar, se tivesse dado uma segunda volta, com menos
aplausos, tinha dado as duas, pronto, mas não me sentia tão realizado e tão
feliz comigo próprio. Não quero dizer que não dê um dia as duas voltas, se o
público as pedir com muita força, mas penso que não podemos dizer que o Campo
Pequeno é a primeira praça do país só por dizer e depois encará-la como se
fosse outra praça qualquer. Acho que devemos respeitar o Campo Pequeno pelo que
é, pelo seu historial e pelo facto de ser a Catedral do Toureio a Cavalo. Não
se pode banalizar o Campo Pequeno e sair em ombros pela "porta
grande" é um acto de muito respeito. O meu sentimento, sempre que toureei
no Campo Pequeno, amanhã vou lá tourear outra vez e nas próximas vezes em que
voltar, vai ser sempre um sentimento de respeito, toureando melhor ou pior, mas
sentindo-me toureiro. Isso de dar duas voltas, uma volta ou três voltas, é o
menos importante. Eu penso que temos que estar a gosto e sentirmos que o
público, pelo menos todo, esteja de acordo. Darei as duas voltas quando mas
pedirem com força e quando eu sentir que as devo dar. Na últiam corrida, como
disse, senti-me orgulhoso na mesma e senti-me feliz dando só aquela volta, pela
forma como fui ovacionado. Vim realizado para casa.
- Vem também aí Portalegre, dia 9 de
Setembro, e a competição com Ventura e Moura Jr., como encaras essa corrida em
que a aficion tem os olhos postos? Vais também levar um cavalo que morda os
toiros?...
- (Risos)... Não, porque não tenho...
porque se calhar até levada... não é isso que está em causa. Vou tentar tourear
o melhor possível, realizar-me a mim mesmo e fazer com que as pessoas também se
possam divertir com a minha postura nesse dia. É um cartel bonito, jovem, com
muita força, oxalá seja uma grande noite de toiros, é o que eu desejo,
sobretudo para o bem da Festa de Toiros em Portugal, que bem falta faz!
- Quem foram os homens da tua carreira, as
pessoas que te ajudaram e te apoiaram, as pessoas que recordas?
- Não é fácil... acho que aprendi com
tanta gente, que tinha que estar aqui a enumerar imensas pessoas. Felizmente
tenho tido a capacidade de aprender com toda a gente, quer com colegas de
profissão, com pessoas do meu dia a dia, uns que cá estão e outros que já não
estão e para responder directamente à tua pergunta teria que falar de muitos
deles. A base da minha aprendizagem e do apoio que tenho tido tem sido,
sobretudo, ter ao meu lado as pessoas que estão comigo todos os dias, que vivem
comigo esta profissão vinte e quatro horas por dia, para um dia chegar onde
quero mesmo chegar...
- ... e onde é, Rui?
- Ao máximo!
- Qual foi o cavalo da tua vida?
- Posso-me orgulhar de ter tido já grandes
cavalos e de ter grandes cavalos na actualidade. Penso que se as coisas
continuarem conforme as perspectivas o indicam, o "Vivaldi" pode ser
um cavalo que vai fazer história na minha carreira, assim como tive o
"Damasco", o "Macarena", o "Joselito", entre
outros. Mas penso que este pode vir a ser o cavalo mais completo da minha
carreira... mas a seguir a este ainda vão vir mais!
- Entretanto já estás a fazer escola, já
há alguns toureiros saídos aqui da tua casa. Fala-me do miúdo colombiano, o
Jacobo Botero.
- É um miúdo que conheci quando fui
tourear ao país dele, à Colômbia, aparecia nos dias de corrida, tinha um enorme
entusiasmo, chegou a viajar com os cavalos, tinha imensa graça a maneira como
ele me dizia que queria ser toureiro... era muito miúdo, não tinha bem a
consciência do que estava a dizer, dizer era fácil, mas depois fazer era
difícil... mas achei-lhe graça e convidei-o para vir, nas férias, passar um mês
à minha casa... e está cá há cinco anos! Neste momento já sabe andar
minimamente a cavalo, sabe mais ou menos as regras do toureio a cavalo, é
humilde, ainda tem muito para aprender, mas revela uma intuição especial e eu
acredito que pode ir longe. O futuro o dirá. Ele trabalha aqui todos os dias,
esforça-se muito e enquanto assim for vai ter todo o meu apoio, que na sua vida
profissional, quer na sua vida pessoal.
- Outra pupila tua, a Isabel Ramos, este
ano a estudar no Brasil e por isso ausente das arenas, não parou de vez, pois
não?
- Não, de maneira nenhuma! Tem a vida
dela, os estudos, em que é muito boa e a Isabel ou estava nisto a cem por cento
ou não estava. Optou este ano pelos estudos, vai fazer o sacrifício de estar
onde está, longe de todos, mas penso que isso será importante para o futuro
dela, gostei da maneira de ser dela e da atitude que tomou, mas de maneira
alguma isso significa uma desistência. Para o ano vai voltar outra vez em força
e quando chegar vai-se preparar a trezentos por cento para ter uma grande temporada.
Vai continuar, sem dúvida!
- Vamos terminar, Rui. Casamento, está
para breve?...
- Tudo indica que me vá casar, mas tudo
tem o seu momento, concerteza que acontecerá e quando for posso dizer-te que
serás informado... para ires preparando um fatinho a tempo! O que posso dizer é
estou bastante feliz conforme estou, tenho uma grande pessoa a meu lado que é a
minha namorada (Guadalupe Caldeira, a "Pi"), que me dá imenso apoio e
penso que esse é o melhor casamento que existe nesta altura, mas que me hei-de
casar, concerteza que sim!