Meu Querido João Cortes,
Sei bem que não consigo dizer-te nada,
João. E quue também tu não vais conseguir ler nada. Que se lixe, hei-de
dizer-te um dia.
Poucos saberão, e também pouco importa,
da amizade antiga que nos unia. Pela amizade que te unia a meu Pai e a minha
Tia Isabel. Que te tratavam sempre por Joãozinho.
Lembro-me tão bem de ti como cabo - e
como forcado. Quantas e quantas vezes te elogiei as tuas enormes pegas, ainda
nas páginas de "O Diabo", que eu repartia semanalmente com o saudoso
Dr. Fernando Teixeira, elogios esses que ele aplaudia, precisamente por que te
considerava - e eras, e foste - um dos maiores Forcados da nossa História.
Imagino, ou não imagino, a tua dor neste
dia. Não sei, confesso, se aguentaria a morte de um Filho. Sei. Não aguentava
mesmo.
Ao longo dos anos, habituei-me,
habituámo-nos todos, a ter pelo teu Filho Zé Maria o mesmo respeito e a mesma
admiração (enorme) que tínhamos por ti. Que temos por ti. Ele foi, sem favor,
um dos maiores Forcados dos últimos anos.
O Zé Maria não é um daqueles de que se
vai escrever e dizer bem só porque teve a infelicidade, o azar, de ter morrido
assim tão cedo - e de um forma tão estúpida, tão inglória, tão inacreditável.
Nada disso. É que ele foi mesmo bom.
Sei que fica para sempre a recordação.
Sei que o Zé Maria vai estar sempre presente. É o que temos que dizer e é o que
temos que pensar. Mas a verdade, a realidade nua e crua, terrível, é só uma: o
Zé Maria partiu. Que impotência que eu sinto, meu Deus, que horrível sensação
de nada poder fazer para virar tudo ao contrário, andar para trás no tempo,
riscar Alcácer, pô-lo aqui de novo, aquele sorriso franco, aquele olhar terno
de amigo que é verdadeiro, aquela força e aquele garra com que punha o barrete,
batia as palmas e desafiava a morte com uma tranquila serenidade que transmitia
segurança e nos garantia que dali ia sair mais um grande pegão. Como aconteceu
há oito dias em Lisboa. Como aconteceu de todas as outras vezes ou quase todas.
Como ia acontecer em Setembro em Montemor, onde ele ia despir a jaqueta e despedir-se
de uma carreira de glória, tanta glória, tanto aplauso, tanto momento único,
tanta pega de levantar as bancadas.
Sei lá o que te dizer, João. Sei lá o
que escrever. Sei lá quantas lágrimas me escorrem pela cara abaixo enquanto
teclo aqui nesta merda deste computador, cheio de raiva, cheio de dor, cheio de
tudo o que não me apetecia ter, nem sentir, nem nada.
Sei que não é fácil, João. Sei que eu
não conseguia. Mas sei também que tu és forte. Mais forte que eu. Que com tua
Mulher e teus filhos conseguirás ultrapassar este dia, esta dor e lembrar
sempre o teu Filho - com a força que ele tinha. Com o sorriso que ele
partilhava. Com os exemplos que ele deu.
Um abraço é pouco, João. Mas dou-to. Sem
palavras. Sem mais nada.
Força!
Miguel Alvarenga
Foto Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com