terça-feira, 10 de março de 2015

Nuno "Mata" em entrevista exclusiva: "Onde estão os meus velhos amigos?"

"A Carina é incrível, é uma mulher especial,
é ela que me dá força, é por ela que luto todos dias!
Ela, sim, é uma guerreira, eu limito-me
a tentar estar à sua altura"
Nuno "Mata" em Fevereiro de 2013, na homenagem que lhe prestaram e que
esgotou o Campo Pequeno, com José Manuel Pires da Costa (cabo fundador do
grupo do Aposento da Moita), José Broega, a sua namorada Carina Lousa Rodrigues
e José Pedro Pires da Costa (actual cabo do grupo)




A noite de 30 de Agosto de 2012 mudou a vida de Nuno de Carvalho, valente forcado do grupo do Aposento da Moita, tratado por "Mata" pelos amigos e que tinha então 25 anos. Colhido ao tentar pegar o quinto toiro da noite, na tradicional Corrida TV no Campo Pequeno, um exemplar da ganadaria Infante da Câmara, ficou tetraplégico e para sempre "agarrado" a uma cadeira de todas. O mundo taurino emocionou-se e esgotou a praça de Lisboa em Fevereiro do ano seguinte, e depois a da Moita, para o homenagear e com ele se solidarizar. Quase três anos passados sobre o acidente, quisemos saber o que é feito de Nuno "Mata", como vive e do que vive, o que sente ao ver uma corrida de toiros,  como está a sua relação amorosa com Carina (que sempre esteve a seu lado), que é feito dos amigos de outrora. A entrevista que se segue e que o Nuno acedeu a conceder ao "Farpas" (que lê diariamente), é o retrato vivo e impressionante de um jovem lutador. Hoje com 28 anos, diz que não é um homem revoltado, nem conformado, mas sim "um realista esperançoso". E está a escrever um livro. O Nuno é um verdadeiro herói, como o foi sempre na arena. Mas é, acima de tudo, um exemplo de força. E de vida, à qual bate hoje as palmas com o mesmo sorriso, a mesma raça e a mesma convicção na vitória com que as batia aos toiros. Vamos "ouvi-lo".

Entrevista de Miguel Alvarenga

- Passados três anos do acidente que sofreu no Campo Pequeno, o que sente hoje, Nuno, quando assiste a uma corrida de toiros?       
- Sinto uma enorme saudade. Adoro ver corridas toiros. Logo a seguir ao acidente não conseguia ver, temi que esse medo tomasse conta de mim, mas graças a Deus a paixão falou mais alto.
- É hoje um homem revoltado ou conformado?
- Nem uma coisa nem outra, sou um realista esperançoso. Preparado para o pior, esperando o melhor.
- Como tem sido a sua nova vida? Do que vive?
- É uma habituação constante, tem de ser um dia de cada vez. Vivo da pensão de invalidez e do ordenado da minha namorada e da minha marca de roupa, a Warrior. Mas é muito difícil, para não dizer qua impossível, os comprimidos e o material para este tipo de lesão são caríssimos. Se não fosse a ajuda que recebi ao início, não sei como vivia.
- Sente que tem hoje a seu lado os mesmos amigos que o apoiaram quando ocorreu o acidente e nos tempos que lhe seguiram?
- Não! Nada que se compare! Amigos de diversão tenho alguns, amigos de verdade muito, muito poucos, prefiro não falar em números, mas tenho tido muita desilusão e houve muitas pessoas que se afastaram. Caso para dizer: onde estão os meus velhos amigos? Passamos de bestial a bestas... é o nosso Portugal!
- Voltaria a pegar toiros, se pudesse?
- Sim! Pelo menos mais um! Depois do acidente já saltei de pára-quedas, não sou homem de ficar preso a medos.
- Foi no ano passado, não foi?
- Foi no dia 31 de Maio, em Ferreira do Alentejo, Évora. Fui de cadeira de rodas para o avião e saltei de uma altura de 4.200 metros. Foi uma sensação única, fantástica!
- Quando teve a noção exacta de que sua vida iria obrigatoriamente mudar?
- Assim que acordei da operação.
- A relação com a sua namorada saíu reforçada, Nuno?
- Sim, sim. Só uma relação forte aguenta uma coisa destas! Às vezes temos dias muito difíceis, mas a Carina é incrível, é uma mulher especial, é ela que me dá força, é por ela que luto todos dias! Ela, sim, é uma guerreira, eu limito-me a tentar estar à sua altura.  
- Conhece a história do saudoso cavaleiro José Barahona Núncio, que viveu mais de 40 anos numa cadeira de rodas?
- Sim, sim! Já me contaram algumas histórias. É um exemplo a seguir.
- Como é o seu quotidiano, como são os seus dias?
- Tenho dias preenchidos e outros nem tanto. Mas ocupo o tempo a ler, a navegar na internet, a escrever, pois estou a escrever um livro e a tratar da minha marca de roupa, a Warrior, que se vende online, através da página que tem no Facebook, enviamos por correio. É o que faço, entre outras coisas que estou a desenvolver.
- Lê o "Farpas Blogue"?
- Todos os dias e sempre que me lembro, vou ver o que se passa. É, sem dúvida, o melhor!
- Por que é que lhe chamam "Mata"?
- Chamam-me "Mata" desde os 6 anos, praticamente desde que me lembro. E hoje confunde-se com o meu nome, há quem pense que me chamo Nuno Mata... Começaram por me chamar "Matateu" em pequeno e acabou por ficar "Mata".
- Portugal é um país preparado para um cidadão como o Nuno? Sente barreiras, sente-se descriminado socialmente?
- Não, Portugal não é, de facto, um país minimamente preparado para deficientes! As barreiras estão por todo lado. Sim, há discriminação. E eu também a sinto. É assustador ser deficiente em Portugal!
- Nuno, se pudesse voltar atrás...
- Recuava, naquela noite, mais um pouco na cara do toiro...

Fotos D.R./@Nuno de Carvalho Mata/Facebook