sábado, 15 de agosto de 2015

Praça esgotada em Abiul e mais uma noite de ouro de João Telles

Praça esgotada ontem à noite em Abiul na última corrida da Feira, transmitida em
directo pela RTP
Momentos de Glória: a sinfonia de arte que João Ribeiro Telles tocou ontem
na arena de Abiul. Quatro grandes triunfos consecutivos em quatro noites de
lotações esgotadas: Lisboa, Redondo, Alcochete e ontem, Abiul
Sempre em grande forma, Luis Rouxinol empolgou no primeiro toiro e teve esforçada
actuação frente ao quarto toiro da noite, um Silva que exigia muito, mas que teve
pela frente um toureiro pronto para tudo
Gilberto Filipe alternou momentos altos com momentos baixos nas suas duas
participações ontem na corrida televisionada de Abiul





Miguel Alvarenga - Quando há verdade e seriedade, que é o mesmo que dizer, quando há toiros "à antiga", daqueles que provocam emoções na bancada e sustos na arena, o espectáculo acontece e a Tauromaquia sai sempre engrandecida. E se a festa é televisionada, melhor ainda, dá-se a milhões de telespectadores, sejam ou não aficionados, aquela que é - e deveria ser sempre - a verdadeira e mais pura essência deste ancestral espectáculo que tão enraizado está nos costumes e nas tradições deste povo.
A corrida que a RTP transmitiu ontem da praça de Abiul, com lotação esgotada (outra mais valia importante para a transmissão da verdadeira imagem da Festa Brava e do grande acolhimento que continua a ter por parte da população), foi importante por tudo isso.
Primeiro, pela seriedade dos toiros, que demonstrou, mesmo a quem não quer ver, que este espectáculo é de risco e para homens de barba rija. Uma corrida "fácil" não daria nunca a mesma imagem.
Segundo, pela imagem de grandeza e de entusiasmo popular que se deu da Festa Brava, com uma praça completamente esgotada.
O empenho dos toureiros e a presença de dois dos melhores grupos de forcados nacionais contribuiram para o sucesso da corrida. Os toiros dos Herdeiros do Dr. António Silva, uma dura e temida ganadaria, não foram fáceis, não são nunca, exigiram muitos aos cavaleiros e aos forcados e houve mesmo momentos de susto e grande emoção, como o foram a aparatosa colhida de Gilberto Filipe e os duros momentos vividos pelos forcados na concretização de algumas pegas.
A praça de Abiul, há muito referenciada como a mais antiga de Portugal, voltou a ser palco de um grande espectáculo e de uma louvável jornada de promoção da Tauromaquia nesta que era a terceira e última corrida da sua tradicional Feira Taurina das Festas do Bodo. Há que aplaudir o empenho da Junta de Freguesia de Abiul, presidida por Sandra Barros, a colaboração que lhe foi prestada pelo empresário Paulo Pessoa de Carvalho e o apoio que a Festa tem tido no concelho por parte do Município de Pombal, presidido por Diogo Mateus, um autarca sem complexos de apoiar a tradição e a cultura (leia-se, a arte tauromáquica), que ontem nos honrou a todos com a sua presença na trincheira da praça.
A corrida ficou marcada por mais um grande passo em frente dado por João Ribeiro Telles, que esta temporada se está a afirmar em definitivo e a somar triunfos consecutivos, e ainda por cima, em corridas de lotação esgotada. Foi assim em Lisboa, assim voltou a ser no Redondo e em Alcochete e ontem em Abiul. João Telles está moralizado, muito bem montado, com uma madurez sólida e um querer tremendo e não há quem agarre um toureiro quando vive um momento assim.
Os Silvas não foram fáceis, mas Telles tem argumentos para enfrentar todos os toiros e de que tipo eles forem, lidou-os na perfeição, com sortes emotivas, grande sentido de lide na colocação dos toiros e na escolha dos terrenos, ferros de excelente marca em que entrou positivamente pelos toiros dentro com a garra de quem diz "estou aqui!", marcando e consolidando uma posição de grande e louvável destaque no escalafón dos maiores triunfadores desta temporada - e tudo correu da melhor forma, com o público rendido ao bom toureio de João Telles.
Luis Rouxinol assinou uma actuação com a sua marca no primeiro toiro da noite e teve a vida menos facilitada no quarto, um Silva reservado e complicado, a que deu a volta por obra e graça da sua grande entrega, do seu saber e da sua maestria.
Gilberto Filipe, que é um cavaleiro com raízes em Abiul, de onde era natural seu saudoso Avô Maçãs (um grande e distinto aficionado), alternou momentos altos e baixos na lide do seu primeiro toiro, conseguindo contudo ferros de boa nota. No seu segundo, um toiro manso e com arrancadas agressivas e inesperadas, sofreu uma aparatosa colhida e saíu projectado para dentro da trincheira, enquanto o cavalo, caído, ficou à mercê do toiro. Viveram-se momentos de pânico e ansiedade, mas felizmente nada de grave houve a registar, saindo cavaleiro e cavalo ilesos deste aparatoso acidente.
A seguir, Gilberto Filipe encastou-se (e é nestes momentos que se revela a fibra de um toureiro) e redimiu-se (um toureiro tem sempre culpa quando é colhido), prosseguindo a sua actuação com muita entrega e profissionalismo e com a garra que caracteriza os que vão à luta e não cruzam nunca os braços.
Houve quem assobiasse e o cavaleiro reagiu (não deveria tê-lo feito), entrando em "diálogo" com alguns espectadores e, ainda por cima, numa corrida televisionada - não lhe ficou bem. Mas há que entendê-lo, dada a emoção que viveu. Os homens dos toiros também são emocionais. Muitas vezes, mais que os outros...
Os Forcados de Santarém e de Alcochete não tiveram ontem tarefa fácil frente aos duros toiros de Silva. Mas, verdade seja dita, com toiros de verdade se vêem os toureiros e os forcados de verdade. E foi mesmo assim.
Pelos escalabitanos, abriu praça o experiente Luis Sepúlveda, com o grupo a ajudar muito bem, concretizando ao primeiro intento. António Goes, o valente forcado que deu três voltas à arena no Campo Pequeno, foi fortemente derrotado em três tentativas para pegar o terceiro toiro da noite, um Silva problemático. A pega foi concretizada à quarta, a sesgo e com as ajudas bem carregadas. O grande João Brito, um açoreano que se tem destacado no grupo, fez à primeira uma grande e rija pega ao quinto da noite, fechando com chave de ouro a intervenção dos Amadores de Santarém.
Os forcados de Alcochete executaram duas pegas à primeira e uma à segunda. Nuno Santana tentou pegar o segundo da noite, mas sofreu violento derrote e, já no chão, foi atingido na perna com violência, desmaiando e saindo de maca da arena. Sofreu uma lesão no nervo ciático e foi observado no Hospital de Pombal, de onde teve alta ontem de madrugada. Dobrou-o o cabo Vasco Pinto numa grande pega à primeira, como é seu timbre.
A segunda intervenção dos Amadores de Alcochete, no quarto toiro, teve na cara o grande Fernando Quintela, um forcado que, depois de se fechar, já ninguém dali o tira. Consentiu muito bem a investida do toiro, fechou-se como uma lapa e o grupo, brilhante, como sempre, ajudou prontamente. A última pega, também à primeira e muito bem cosumada, foi executada por Diogo Timóteo.
Em suma: frente a toiros de verdade, estiveram em praça forcados de gabarito.
A corrida foi bem dirigida por Lourenço Luzio, que esteve ontem assessorado pelo médico veterinário Dr. Luis Cruz. Houve quem discordasse, eu achei muito bem que no final tivesse permitido a volta à arena da representante da ganadaria, a jovem Sofia Silva Lapa. Com toiros assim em todas as corridas, a Festa entrava rapidamente nos eixos e separava-se de uma vez por todas o trigo do joio, ia para casa quem não anda cá a fazer nada, ficava quem tem valor para ficar.
Já agora e embora nada tenha a ver propriamente com a corrida de ontem, mas sim com muitas que tenho visto nos últimos dias (estava tão cansado, que vim carregar baterias ao reino dos Algarves e foi daqui que vi ontem a corrida na RTP), porque é que muitos cavaleiros falham ferros, levam toques, passam cento e cinquenta vezes em falso pela cara dos toiros e depois vêm todos sorridentes direitos ao público, de braço no ar, a pedir aplausos?... Serão doidos, serão inconscientes, nunca ninguém lhes ensinou como devem ser as coisas?...
No meu tempo, o Senhor Dom José João Zoio, quando cometia alguma falha, por mais insignificante que fosse, tirava o tricórnio, parava o cavalo nos médios ou mesmo no centro da arena e baixava a cabeça, em jeito de quem pede humildemente desculpa. Se nunca o viram, se nem sabem quem ele foi, peçam que vos contem.
E, repito, este àparte não tem nada a ver com a corrida de ontem, nem com os toureiros que nela participaram. Mas lembrei-me, ando para dizer isto há que tempos...

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com