| Praça esgotada ontem à noite em Abiul na última corrida da Feira, transmitida em directo pela RTP |
| Gilberto Filipe alternou momentos altos com momentos baixos nas suas duas participações ontem na corrida televisionada de Abiul |
Miguel Alvarenga - Quando há verdade e
seriedade, que é o mesmo que dizer, quando há toiros "à antiga",
daqueles que provocam emoções na bancada e sustos na arena, o espectáculo
acontece e a Tauromaquia sai sempre engrandecida. E se a festa é televisionada,
melhor ainda, dá-se a milhões de telespectadores, sejam ou não aficionados,
aquela que é - e deveria ser sempre - a verdadeira e mais pura essência deste
ancestral espectáculo que tão enraizado está nos costumes e nas tradições deste
povo.
A corrida que a RTP transmitiu ontem da
praça de Abiul, com lotação esgotada (outra mais valia importante para a
transmissão da verdadeira imagem da Festa Brava e do grande acolhimento que
continua a ter por parte da população), foi importante por tudo isso.
Primeiro, pela seriedade dos toiros, que
demonstrou, mesmo a quem não quer ver, que este espectáculo é de risco e para
homens de barba rija. Uma corrida "fácil" não daria nunca a mesma
imagem.
Segundo, pela imagem de grandeza e de
entusiasmo popular que se deu da Festa Brava, com uma praça completamente
esgotada.
O empenho dos toureiros e a presença de
dois dos melhores grupos de forcados nacionais contribuiram para o sucesso da
corrida. Os toiros dos Herdeiros do Dr. António Silva, uma dura e temida
ganadaria, não foram fáceis, não são nunca, exigiram muitos aos cavaleiros e
aos forcados e houve mesmo momentos de susto e grande emoção, como o foram a
aparatosa colhida de Gilberto Filipe e os duros momentos vividos pelos forcados
na concretização de algumas pegas.
A praça de Abiul, há muito referenciada
como a mais antiga de Portugal, voltou a ser palco de um grande espectáculo e
de uma louvável jornada de promoção da Tauromaquia nesta que era a terceira e última corrida da sua tradicional Feira Taurina das Festas do Bodo. Há que aplaudir o empenho
da Junta de Freguesia de Abiul, presidida por Sandra Barros, a colaboração que
lhe foi prestada pelo empresário Paulo Pessoa de Carvalho e o apoio que a Festa
tem tido no concelho por parte do Município de Pombal, presidido por Diogo
Mateus, um autarca sem complexos de apoiar a tradição e a cultura (leia-se, a
arte tauromáquica), que ontem nos honrou a todos com a sua presença na
trincheira da praça.
A corrida ficou marcada por mais um
grande passo em frente dado por João Ribeiro Telles, que esta temporada se está
a afirmar em definitivo e a somar triunfos consecutivos, e ainda por cima, em
corridas de lotação esgotada. Foi assim em Lisboa, assim voltou a ser no
Redondo e em Alcochete e ontem em Abiul. João Telles está moralizado, muito bem
montado, com uma madurez sólida e um querer tremendo e não há quem agarre um toureiro
quando vive um momento assim.
Os Silvas não foram fáceis, mas Telles tem argumentos para enfrentar todos os toiros e de que tipo eles forem, lidou-os na perfeição, com sortes emotivas, grande sentido de lide na colocação
dos toiros e na escolha dos terrenos, ferros de excelente marca em que entrou
positivamente pelos toiros dentro com a garra de quem diz "estou
aqui!", marcando e consolidando uma posição de grande e louvável destaque
no escalafón dos maiores triunfadores desta temporada - e tudo correu da melhor
forma, com o público rendido ao bom toureio de João Telles.
Luis Rouxinol assinou uma actuação com a
sua marca no primeiro toiro da noite e teve a vida menos facilitada no quarto,
um Silva reservado e complicado, a que deu a volta por obra e graça da sua
grande entrega, do seu saber e da sua maestria.
Gilberto Filipe, que é um cavaleiro com
raízes em Abiul, de onde era natural seu saudoso Avô Maçãs (um grande e
distinto aficionado), alternou momentos altos e baixos na lide do seu primeiro
toiro, conseguindo contudo ferros de boa nota. No seu segundo, um toiro manso e
com arrancadas agressivas e inesperadas, sofreu uma aparatosa colhida e saíu
projectado para dentro da trincheira, enquanto o cavalo, caído, ficou à mercê
do toiro. Viveram-se momentos de pânico e ansiedade, mas felizmente nada de
grave houve a registar, saindo cavaleiro e cavalo ilesos deste aparatoso
acidente.
A seguir, Gilberto Filipe encastou-se (e
é nestes momentos que se revela a fibra de um toureiro) e redimiu-se (um
toureiro tem sempre culpa quando é colhido), prosseguindo a sua actuação com muita
entrega e profissionalismo e com a garra que caracteriza os que vão à luta e
não cruzam nunca os braços.
Houve quem assobiasse e o cavaleiro
reagiu (não deveria tê-lo feito), entrando em "diálogo" com alguns
espectadores e, ainda por cima, numa corrida televisionada - não lhe ficou bem.
Mas há que entendê-lo, dada a emoção que viveu. Os homens dos toiros também são
emocionais. Muitas vezes, mais que os outros...
Os Forcados de Santarém e de Alcochete
não tiveram ontem tarefa fácil frente aos duros toiros de Silva. Mas, verdade seja dita, com toiros de verdade se vêem os toureiros e os forcados de verdade. E foi mesmo assim.
Pelos escalabitanos, abriu praça o
experiente Luis Sepúlveda, com o grupo a ajudar muito bem, concretizando ao
primeiro intento. António Goes, o valente forcado que deu três voltas à arena
no Campo Pequeno, foi fortemente derrotado em três tentativas para pegar o
terceiro toiro da noite, um Silva problemático. A pega foi concretizada à
quarta, a sesgo e com as ajudas bem carregadas. O grande João Brito, um
açoreano que se tem destacado no grupo, fez à primeira uma grande e rija pega
ao quinto da noite, fechando com chave de ouro a intervenção dos Amadores de
Santarém.
Os forcados de Alcochete executaram duas pegas à primeira e uma à segunda. Nuno Santana tentou pegar o segundo da
noite, mas sofreu violento derrote e, já no chão, foi atingido na perna com
violência, desmaiando e saindo de maca da arena. Sofreu uma lesão no nervo
ciático e foi observado no Hospital de Pombal, de onde teve alta ontem de
madrugada. Dobrou-o o cabo Vasco Pinto numa grande pega à primeira, como é seu timbre.
A segunda intervenção dos Amadores de
Alcochete, no quarto toiro, teve na cara o grande Fernando Quintela, um forcado
que, depois de se fechar, já ninguém dali o tira. Consentiu muito bem a
investida do toiro, fechou-se como uma lapa e o grupo, brilhante, como sempre,
ajudou prontamente. A última pega, também à primeira e muito bem cosumada, foi
executada por Diogo Timóteo.
Em suma: frente a toiros de verdade,
estiveram em praça forcados de gabarito.
A corrida foi bem dirigida por Lourenço
Luzio, que esteve ontem assessorado pelo médico veterinário Dr. Luis Cruz.
Houve quem discordasse, eu achei muito bem que no final tivesse permitido a
volta à arena da representante da ganadaria, a jovem Sofia Silva Lapa. Com
toiros assim em todas as corridas, a Festa entrava rapidamente nos eixos e
separava-se de uma vez por todas o trigo do joio, ia para casa quem não anda cá
a fazer nada, ficava quem tem valor para ficar.
Já agora e embora nada tenha a ver
propriamente com a corrida de ontem, mas sim com muitas que tenho visto nos
últimos dias (estava tão cansado, que vim carregar baterias ao reino dos Algarves
e foi daqui que vi ontem a corrida na RTP), porque é que muitos cavaleiros
falham ferros, levam toques, passam cento e cinquenta vezes em falso pela cara
dos toiros e depois vêm todos sorridentes direitos ao público, de braço no ar,
a pedir aplausos?... Serão doidos, serão inconscientes, nunca ninguém lhes
ensinou como devem ser as coisas?...
No meu tempo, o Senhor Dom José João
Zoio, quando cometia alguma falha, por mais insignificante que fosse, tirava o
tricórnio, parava o cavalo nos médios ou mesmo no centro da arena e baixava a
cabeça, em jeito de quem pede humildemente desculpa. Se nunca o viram, se nem
sabem quem ele foi, peçam que vos contem.
E, repito, este àparte não tem nada a
ver com a corrida de ontem, nem com os toureiros que nela participaram. Mas
lembrei-me, ando para dizer isto há que tempos...
Fotos Emílio de
Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com
