sexta-feira, 3 de junho de 2016

Campo Pequeno, à terceira foi de vez: a importância de se chamar Pablo Hermoso de Mendoza

Praça cheia, ambiente enorme ontem no Campo Pequeno!
Momentos das duas sinfonias de arte de Pablo Hermoso de Mendoza ontem
à noite no Campo Pequeno - cheio, por obra e graça da sua presença. E o
resto são cantigas...
Com os toiros maus se vêem os grandes Toureiros. E ontem foi assim com
João Moura Júnior no Campo Pequeno
A corrida de ontem abriu com a cerimónia de confirmação
da alternativa de Lea Vicens, que amanhã se vai repetir
em Madrid. Foi apadrinhada por Pablo Hermoso com o
testemunho de João Moura Júnior
Lea Vicens tem escola, tem bases, toureia muito bem e se por cá andasse mais
ia incomodar muita rapaziada... Foi uma agradável surpresa ontem em Lisboa


Miguel Alvarenga - À terceira, foi de vez. Depois de duas primeiras corridas menos sucedidas em termos de público e que reflectem, de alguma forma, a falta de interesse do público aficionado face à já desgastante ausência de ídolos que encham praças (é uma verdade dura, mas não deixa de ser uma grande verdade), a terceira nocturna da temporada encheu ontem o Campo Pequeno. Houve ambiente, muito mesmo. Não se ver o vermelho das cadeiras vazias é um incentivo para os toureiros, uma agradável vitória para a empresa e as coisas têm obrigatoriamente um outro sabor.
O Campo Pequeno encheu, outra verdade que pode doer, mas que é também uma grande verdade, por obra e graça de Pablo Hermoso de Mendoza, da sua classe, da eterna e cada vez maior empatia que tem com o público português. É, sem dúvida alguma, há largos anos, o grande ídolo do Campo Pequeno - e o toureiro que obriga o público a ir à bilheteira.
Pode-se criticar a falta de emoção e de transmissão dos toiros, que ontem pertenciam à ganadaria de Santa Maria. Não vimos ali, obviamente, a emoção, o perigo e o risco que, por exemplo, vimos domingo em Almeirim com os Murteira Grave. Paciência. O espectáculo de Pablo Hermoso é outro espectáculo. Há que admiti-lo, que respeitá-lo. E a verdade é que faz delirar o público. E a verdade é que enche as praças. Glória, então, a Pablo nas alturas e paz na terra aos aficionados de boa vontade. A importância de se chamar Pablo Hermoso de Mendoza - foi o que ontem quase esgotou o Campo Pequeno.
Hermoso de Mendoza deu o seu show de bom toureio e grande equitação. Levantou o público com duas grandes lições, deu aplaudidas voltas à arena, entusiasmou com o temple, a brega, as atrevidas "hermosinas", a arte com que se impôs e cravou, rematando as sortes com a raça que continua a fazer dele o primeiro. Demonstrou que está ainda longe de abandonar o trono, volta em Setembro a Lisboa - e todos vão vê-lo outra vez. É esse o segredo. Vir poucas vezes a Portugal, tourear e triunfar como ontem o fez, empolgar. Chama-se a isso glória. E o resto são cantigas.
João Moura Júnior teve o pior lote. Toiros sem casta e sem raça, que se apagaram rapidamente, nada transmitindo, não emocionando. E o valor das suas duas actuações esteve precisamente no valor que lhe vai na alma e lhe toca o coração. Moura é um toureiro de casta, que se agiganta e se impõe pela força da sua arte, pela melodia dos seus compassos. Esteve vai não vai para desanimar, face à falta de matéria prima para brilhar, mas não virou a cara, espremeu até à última gota o pouco sumo que os dois Santa Maria tinham (não tinham) para dar. E reafirmou que é, de facto, um grande Toureiro, com argumentos de sobra para vencer todas as dificuldades, até mesmo o facto de não ter opositores à altura do seu valor tremendo. Com os toiros maus se vêem os toureiros bons, disse alguém um dia.
A francesa Lea Vicens começou por protagonizar a cerimónia, agora em moda, de confirmar a alternativa - que só é discutível, mesmo, para quem queira apenas dizer mal. Acontece em Madrid (onde a confirma também amanhã) e passou a acontecer em Lisboa, catedral mundial do toureio a cavalo. Não vem nenhum mal ao mundo por se fazer esta cerimónia, ponto final.
A jovem rejoneadora acusou o peso da responsabilidade de se estrear no Campo Pequeno cheio, mas nem por isso deixou de evidenciar no primeiro toiro que tem bagagem para poder, por cá, incomodar alguma da nossa acomodada rapaziada sempre-igual. Ele tem escola e isso é muito importante. Tem bases. Aprendeu em Sevilha com os irmãos Peralta. Está muito bem montada. E não anda aqui à toa, só por andar. A pequenez e a insignificância do primeiro toiro retirou obrigatoriamente brilhantismo à sua lide.
No último toiro da noite, Lea Vicens pôde por fim libertar todo o nervosismo inicial e brilhou em grande com uma actuação cheia de classe e de bom gosto, onde tudo foi bem feito, desde a brega, à eleição dos terrenos, à cravagem em sortes emotivas e aos remates garbosos, tudo desenhado a gosto e devagar, com temple e sabedoria. Uma agradável surpresa - a pedir repetição.
Os toiros de Santa Maria deixaram muito a desejar, não transmitiram, tiveram desigual apresentação e não emocionaram nada. Emoção, sim, houve ao intervalo, quando um anti-taurino holandês, ao que me dizem especialista nestas palhaçadas, saltou à arena, despiu a camisa e exibiu um cartaz a dizer uma parvoíce qualquer. As autoridades tardavam em actuar e foi Rui Bento quem saltou também à arena e o trouxe para fora. Foi entregue à Polícia para ser identificado. Ontem, também, ocorreu idêntica cena em Las Ventas, Madrid. Também neste aspecto, o Campo Pequeno se internacionaliza e está taco-a-taco com as grandes catedrais mundiais do toureio. Valha-nos isso! Há males que vêm por bem...
Sobre as pegas já ficou há momentos tudo dito (ler publicação anterior com o filme das seis). Noite de êxito para os Amadores de Alcochete, com duas pegas à primeira do cabo Vasco Pinto (que se despediu do público da capital) e de João Machacaz e uma à segunda de Fernando Quintela. Menos sorte tiveram os Amadores de Coruche, cujo cabo, Amorim Ribeiro Lopes, fez também a última pega no Campo Pequeno, à primeira, tendo os outros dois forcados do grupo, João Peseiro e António Tomás, executado as suas à terceira tentativa.
Em suma e feitas as contas, uma corrida diferente, com toiros apropriados ao apreciado espectáculo (que enche praças, repito) de Pablo Hermoso de Mendoza, uma boa direcção de João Cantinho (apenas teimoso a dar música a Lea Vicens no primeiro toiro, concedendo-a apenas já no último ferro), marcada sobretudo pela grande afluência de público, que deu à corrida um ambiente especial, que depois se prolongou pela madrugada nos bares da praça. Momentos como este fazem a diferença. E são precisos para animar a Festa. Que volte Pablo!

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com