Miguel Alvarenga - Há dias perguntara ao João pelo Pai. Disse-me que desta vez estava mesmo a chegar ao fim. Mestre David Ribeiro Telles tinha sete vidas. Estivera mais que uma vez para ir embora e ficou sempre. Era um Homem de outra têmpera, de outra raça. Aos 88 anos, já não ia aos toiros, mas sabia tudo, perguntava tudo, estava a par de tudo.
Fui ontem à noite pacatamente ao cinema. Também tenho esse direito. Por mais que pensem o contrário, não estou, Deus me livre, 24 horas ao serviço do "Farpas", não uso essa coisa moderna chamada tablete ou lá como se chama e o telemóvel uso-o exclusivamente para telefonar, nunca fui à internet nele. Cada macaco no seu galho. Blogue e net, só mesmo quando venho aqui, ao computador.
Mas isto para explicar que estava no cinema com o telemóvel em silêncio, como as pessoas normais quando vão ao cinema, quando este começou a vibrar no bolso. E não parou mais. Caramba, nem aqui me deixam sossegado? Depois comecei a ficar preocupado. Vi os nomes de quem me falava, tudo gente importante dos toiros. Tinha que ser alguma coisa de importante. E era.
Telefonei a um dos amigos que me contactara e disse-me: "Morreu Mestre David Ribeiro Telles".
Normal. Estava doente, tinha alguma idade, mais tarde ou mais cedo aconteceria.
A seguir caí em mim. Morreu Mestre David? Impossível. Há Homens que não morrem nunca. Porque não podem morrer. Porque temos dele uma imagem e a guardamos como uma referência tal que nunca nos vamos convencer de que fisicamente deixou de estar aqui. Mestre David morreu? Impossível.
Aquele ar senhorial, aquela postura, aquele olhar respeitável e puro, todo aquele saber, aquela experiência, aquele carinho e aquela voz suave e pausada, a educação, o saber estar, o marcar a diferença - isso, desculpem-me, mas são coisas que marcam, que tocam e que não deixam morrer ninguém. Que não desaparecem mais.
Foi Figura do Toureio incontestável. Foi Mestre, porque deixou ensinamentos e, mais que ensinamentos, exemplos. Porque deixou continuidade na descendência dos filhos e dos netos que lhe seguiram a postura, que lhe imortalizaram a diferença.
Mestre David morreu? Não acredito. Não era Homem para isso. Foi talvez, ao Céu, ver dos amigos, tratar da família, espalhar lá pela alturas todo o bem que por aqui espalhou. Ensinar, certamente. Fazer coisas diferentes, com gosto, com empenho, com sabedoria. Agora morrer, isso nunca.
Fotos M. Alvarenga, Henrique de Carvalho Dias e Botán