sábado, 19 de agosto de 2017

Divino António numa noite de que é preciso tirar muitas lições

Faltou o presidente da República, esteve o Rei! Noite histórica de António!
Moura foi Maestro com o toiro de Vinhas e andou menos inspirado com o manso
de Murteira Grave, sem o fulgor habitual
Luis Rouxinol não teve opções com o bicho sem cornos da (mudem o nome)
ganadaria Oliveiras Irmãos. Com o último, de Passanha, partiu a loiça!


António Telles marcou com a sua maestria a noite de celebração dos 125 anos do Campo Pequeno. Faltou o presidente da República, mas esteve ele com o estatuto de Rei. A (re)associação da empresa à TVI teve os frutos de lotação esgotada. Foi uma tourada "fora do baralho", diferente das outras - e a mostrar que o futuro é este. Aos grandes acontecimentos e aos grandes cartéis, o público acorre. Tirem agora, senhores empresários, as lições que é preciso e é urgente tirar deste grande sucesso de ontem.

Miguel Alvarenga - Praça esgotada, noite grande ontem no Campo Pequeno. Não me alongarei em análises a lides e pegas numa corrida que todos viram pela TVI e que teve uma moldura humana na praça fora do vulgar. Foi, é preciso sublinhar, uma tourada fora do baralho, diferente das outras. Saiu um toiro de seis anos e sem cornos da saudosa ganadaria Oliveiras Irmãos, que foi uma verdadeira afronta ao nome de tão prestigiada divisa e ao trabalho de tantos anos dos recordados ganaderos Calisto e Urgel de Oliveira (a ganadaria, dizem-me, está agora noutras mãos e já não tem nada a ver com os Oliveiras, então deveria mudar urgentemente de nome…) e a realidade é que ninguém protestou. O público de ontem era fantástico e era festivo, estava ali para assistir a um acontecimento único e diferente, para celebrar os 125 anos da praça e para acarinhar os artistas. Foi, por isso, uma tourada especial - e de que é necessário e urgente retirar conclusões, ilacções e lições. Para emendar e corrigir os erros do passado - e abrir de uma vez por todas a porta do futuro.

Em boa hora, a TVI voltou aos toiros

Primeiro, a (re)associação do Campo Pequeno à TVI teve os resultados que se viram. Praça esgotada, fruto de uma intensa campanha de promoção levada à cabo pela estação. O Campo Pequeno tem que estar associado ao 5º Poder, a Comunicação Social. Mas à Comunicação Social certa. A TVI bate aos pontos a RTP nas transmissões. E na promoção dos espectáculos. O resultado esteve bem à vista.
Depois, o cartel. Quer queiram, quer não o queiram ver, já é tempo de o assumirem os senhores empresários, os antigos são quem ainda leva gente às praças. Não vale a pena referir nomes para não ferir susceptibilidades, mas bastará olhar um nadinha para trás e recordar alguns cartéis levados esta temporada a cabo pela empresa de Lisboa com toureiros da chamada nova geração - que tiveram resultados financeiros catastróficos pela falta de público nas bancadas. Moura, Telles e Rouxinol, aliados à circunstância da celebração dos 125 anos da praça, apenas e só a esgotaram. São três Maestros que marcaram os últimos quarenta anos do toureio em Portugal. Que pena não poder estar Bastinhas.
Mas este sucesso significa também que aos grandes acontecimentos o público vai. Às dezenas de touradas de cácárácá que por aí se realizam, sempre com mais do mesmo e com toureiros que nem a família levam à praça, obviamente que as pessoas não acorrem.
Primeira e importante lição: a Tauromaquia, doa a quem doer, perdeu hoje o carisma e o glamour de outros tempos e, mais grave ainda, já não tem ídolos. Já não há “niños prodígios” como o Moura dos anos 70 que esgotava o Campo Pequeno uma semana antes.

É preciso voltar a arrastar multidões às praças

É preciso, por isso, dotar cada corrida de um carisma especial. A de ontem tinha todo o carisma e teve todo o glamour. As touradas, hoje em dia, já não podem ser organizadas apenas por serem organizadas, apenas para serem mais uma. É preciso haver motivos que arrastem a multidão, como ontem aconteceu. É preciso que haja menos corridas - e todas boas, como a de ontem. Dar touradas só por dar já passou de moda e já não convence ninguém a ir aos toiros.
Uma corrida de toiros, nos tempos que correm, tem que ser um acontecimento - como a de ontem. Corrida só por ser corrida e, para mais, com toureiros que não levam ninguém à praça, é coisa que precisa acabar. Não há ídolos - por muito que haja bons toureiros na nova vaga. Mas os de ontem tinham carisma, arrastavam o público às praças. E os de hoje, infelizmente, não.

Por que não saíu António aos ombros?

António Ribeiro Telles está melhor que nunca e ontem só não entendi porque não saiu em ombros do Campo Pequeno. Deu uma volta no seu primeiro toiro e duas no segundo. Não bastava? Se para Manzanares bastou, para o António tinha que ter bastado também. Lamentável.
Esteve enorme a lidar o toiro da ganadaria da casa (David R. Telles) e superiorizou-se a ele próprio frente ao fantástico e exigente toiro de Palha. Também não percebi, mas há tanta coisa que eu não percebo na Festa actual, por que razão o ganadero João Folque não foi premiado com volta à arena…
Duas actuações magníficas de António Ribeiro Telles, o Mestre, em noite de plena e aclamada glória. O trono desta temporada é dele.
A João Moura continua a reconhecer-se e a aplaudir-se a maestria. Quem é rei nunca perde a majestade. Actuação à antiga no primeiro toiro da noite, um codicioso exemplar da ganadaria Vinhas. Lide esforçada, mas menos inspirada, no segundo, um Murteira Grave manso, sem transmissão. Presença digna do Maestro, mas sem o fulgor habitual.
Luis Rouxinol fez das tripas coração para colocar os ferros no manso animal da ainda chamada ganadaria Oliveiras Irmãos (nem sei se aquilo se pode chamar manso, se calhar não era nada, nem manso, nem bravo, nem toiro…), um bicho sem opções e, pior, sem cornos. Indigno de qualquer praça portátil, quanto mais da primeira do país. Que vergonha. No fim, Rouxinol recusou a volta à arena com a dignidade que marca a diferença dos Grandes Senhores e dos Grandes Toureiros. Por mim, tinha dado duas ou três pelo profissionalismo que demonstrou e pelo grande lidador que foi.
No último, um Passanha que serviu sem grandes alardes de bravura, vingou-se o grande Luis Rouxinol e protagonizou uma lide empolgante, ao seu melhor estilo, exuberante, valente, de uma entrega sem fim. Grande actuação.

Martim Lopes: a pega da noite

Noite muito aplaudida também para os Forcados dos grupos de Montemor e de Lisboa.
Pelos alentejanos foram caras Francisco Bissaia Barreto à segunda, o valoroso Francisco Borges à primeira, enorme como sempre e com o grupo a ajudar “à Montemor” e Manuel Ramalho à terceira com uma grande ajuda de António Dentinho.
A pega da noite foi a de Martim Lopes, dos lisboetas, ao toiro de Ribeiro Telles, segundo da corrida. Pela correcção com que esteve na cara do toiro, que ensarilhou e que ele dominou na perfeição, corrigindo a investida, mandando nela e no toiro, fechando-se com braços de ferro. Um pegão.
Duarte Mira pegou o Grave à terceira e no final também não entendi por que razão o director de corrida Pedro Reinhardt lhe autorizou a volta à arena (que ele não deu, nem tinha que dar) e a não permitiu a João Moura. Ou há moralidade ou comem todos.
O último toiro foi pegado sem dificuldades de maior por João Varanda, também do grupo da capital.

Charanga, Fados, placas comemorativas

A festa iniciou-se uma hora antes do que é habitual com uma bonita exibição da Charanga a Cavalo da GNR e com Fados pelo consagrado Camané e a nova revelação Nathalie - uma agradável surpresa. Louvável atitude a da empresa em incluir Fados na comemoração dos 125 anos da praça.
Também ao início da corrida foi lida, sem que ninguém a entendesse, pelas más condições do som, uma curta mensagem do senhor presidente da República - cuja ausência em acontecimento tão importante já comentei devidamente e continuo a lamentar. Se o Campo Pequeno ardesse ou caísse uma árvore do jardim em cima de alguém, Sua Excelência estava lá a correr. Para honrar e respeitar a arte tauromáquica e o aniversário da primeira praça de toiros do país, não teve tempo. Nem paciência, se calhar. É mais politicamente correcto não ir…
Em contrapartida, vi o deputado centrista João Almeida, vi o antigo secretário de Estado da Cultura, Elísio Summaviele e vi o Dr. João Soares, aos dois brindou o Grupo de Lisboa a sua última pega. Ao contrário de Sua Excelência, eles souberam honrar e dignificar com as suas presenças a importante efeméride que ontem se assinalou. Lamentável, também a ausência do presidente da Câmara de Lisboa, Medina, acho que se chama, não é o nome?
Ao intervalo, a Administração do Campo Pequeno descerrou no átrio principal da praça uma placa de homenagem a todos os que escrevam a História destes 125 anos na Catedral do Toureio Nacional e foi ainda presenteada por outra, alusiva à efeméride, pelo Real Clube Tauromáquico Português, que também cumpre este ano o seu 125º aniversário.

E agora... venham mais três cartelazos 
para encher a praça outra vez!

Enfim, valha o valor eterno dos Maestros, a valentia dos Forcados e a renovada, em boa hora, associação do Campo Pequeno à TVI (oxalá tenha sequência no futuro), mas acima de tudo a grande moldura humana que foi ontem a praça de toiros de Lisboa.
Debrucem-se agora os empresários do Campo Pequeno e os empresários todos do país, sobre as conclusões a tirar deste grande sucesso. Este é o rumo e esta é a fórmula para que a Festa continue. As outras fórmulas, as touradinhas de merda (desculpem o termo, mas não encontro outro) que se dão só por se dar, essas, meus senhores, levarão a Tauromaquia rapidamente pelo precipício abaixo. Estas, como a de ontem, só a engrandecem e a levantam e a honram.
Tomem nota: menos corridas (muitas menos, mesmo), mas todas boas e todas grandes acontecimentos - e assim, o público vai e as praças estarão sempre cheias.
Depois desta, não é nada fácil montar as próximas três corridas da temporada lisboeta. Acredito plenamente nas capacidades de Rui Bento, que continua a ser o homem certo no lugar certo numa equipa liderada pelo bom senso da Drª Paula Resende. Agora, arregassem as mangas, vejam o exemplo de ontem, tirem todas as conclusões e estudem todas as ilacçãoes e venham de lá três cartelazos para voltar a encher a praça!

Fotos Maria Mil-Homens