sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Era uma vez... eu júri ontem na Arruda dos Vinhos...

O momento em que os três decidíamos em conjunto e em perfeita sintonia, a
atribuição dos cinco prémios ontem na Arruda. Ninguém protestou pelas nossas
decisões. Em baixo, cinco cavaleiros na arena no momento da atribuição dos
troféus. Falta só Manuel Telles Bastos, que alegou não querer estar incluído na
disputa do prémio para a melhor lide por se tratar de um concurso de ganadarias

Miguel Alvarenga - Não sou, nunca fui, espero nunca vir a ser aquilo que teimam em me chamar: crítico tauromáquico. Primeiro, odeio esse título, acho muito mal escolhido, chamar crítico a uma pessoa é o mesmo que dizer que está sempre a dizer mal. Criticar nunca significou dizer bem, por muito que possa haver críticas positivas. É, à partida, um selo negativo chamar crítico tauromáquico a um ser humano. Mas é assim que está estabelecido, paciência.
Hoje não há críticos tauromáquicos. Havia muitos no tempo em que entrei neste mundo dos toiros pela mão de meu Pai e como simples aficionado (até isso eu era muito mais do que se sou hoje, mas adiante…). Os críticos tauromáquicos, assim chamados, eram Senhores que percebiam desta arte, que ensinavam, que explicavam. Eu percebo cada vez menos, não ensino nada a ninguém.
Sou jornalista, isso sou. Há 41 anos. Com uma das mais antigas Carteiras Profissionais. Um dia destes ainda me chamam veterano ou coisa parecida.
E um jornalista que se preze observa, descreve e escreve sobre tudo. Eu escrevo de toiros há quatro décadas, mas escrevo de muito mais coisas. Numa corrida de toiros, a descrição jornalística do que aconteceu, que é o que eu faço, não tem propriamente a ver com a crítica tauromáquica de um entendido. Hoje não há entendidos. Mas antigamente havia. Muitos. E bons.
Observo e descrevo o que vi e o que senti na alma. Seja uma corrida de toiros, seja um jogo de ténis ou de golfe ou uma festa, tanto faz. Isso não faz de mim crítico tauromáquico. Não sou, não quero que me chamem isso, pronto.
E Deus me livre, preferia cair de Vespa e partir uma perna, de ser júri de prémios numa corrida de toiros. Pode ser ou não ser incompatível com a minha função jornalística, não é esse o problema, apenas e só, não gosto, não quero.
Mas ontem na Arruda dos Vinhos fui “apanhado na esquina” pelo empresário Engº Jorge de Carvalho, que me pediu para integrar o júri, juntamente com Catarina Bexiga e António Lúcio (por quem tenho consideração e respeito), que ia atribuir os prémios, ainda por cima uma carrada deles, à melhor lide, à melhor pega, ao melhor grupo em praça, ao toiro mais bravo e ao toiro melhor apresentado. Logo cinco de uma vez. Chiça, penico, chapéu de côco...
Por mim, tinha desaparecido dali. Mas aos amigos não se diz que não. Sou amigo do Engº Jorge de Carvalho, admiro-o e admiro sobretudo a sua imensa aficion. Não é um homem qualquer. Professor Universitário, homem de uma cultura acima da média, dedicou uma vida, apenas pela sua enorme aficion, aos toiros. Foi toureiro a cavalo, é ganadero de alma e gere com denotado entusiasmo a praça da Arruda. Não lhe podia dizer que não. Por nada deste mundo. Por respeito e educação, primeiro que tudo.
Houve problemas a meio da corrida. À medida que se iam desenrolando as lides, alguns apoderados dos cavaleiros vinham ter com o empresário, que estava numa barreira a meu lado e por isso ouvi tudo, alegando que os seus toureiros não queriam ser incluídos na disputa do prémio para a melhor lide por se tratar de um concurso de ganadarias e não de uma corrida completa de uma só ganadaria.
Sinceramente, não sei qual é a diferença. Uma melhor lide é sempre uma melhor lide, seja com que toiro for e em que circunstâncias for. Mas respeito a opção dos cavaleiros que decidiram sair fora da disputa do troféu.
O único que no final não foi à arena foi o Manuel Telles Bastos, que à saída da praça falou comigo e disse que considera “uma injustiça” a disputa de um troféu para a melhor lide num concurso de ganadarias. Respeito a opinião do Manuel. Já não respeito a sua ausência na arena na altura da entrega dos prémios. Estavam todos, menos ele. Não foi um gesto bonito e não foi, sobretudo, um gesto de um Ribeiro Telles, que são Senhores de gestos senhoriais.
Só não entendi uma coisa e pode ser que um dia alguém me explique: há 19 anos que esta corrida na Arruda tem um prémio em disputa para a melhor lide. E em 19 anos, salvo algum ano em que tenha havido excepção, foi sempre um concurso de ganadarias. A disputa dos prémios (menos a de melhor grupo) estava anunciada nos programas da corrida, que já sairam para a rua há quase um mês.
Os cavaleiros que não queriam disputar esse troféu, já nem digo os cavaleiros, mas os seus apoderados (se fossem profissionais, se fossem apoderados como os que havia antigamente) deveriam ter acautelado e esclarecido essa situação no dia em que foram contratados. Quanto mais não fosse, no dia da corrida, à hora do sorteio, uma vez que neste país tudo se faz e tudo se resolve em cima da hora. Nunca, em tempo algum, no decorrer da corrida e conforme as lides iam decorrendo. Aí é que se lembraram de que não queriam disputar o prémio? Falta de senso e falta, acima de tudo, de profissionalismo. Mas é a Festa que temos.
Aos prémios já me referirei a seguir. Mas decidimos os três jurados em conjunto e em total e perfeita unanimidade, sem haver discórdia em nenhum deles. No fim, também não houve protestos nem assobios do público. Houve aplausos unânimes a todos os premiados.
Pelo sim, pelo não, não fosse o caso de algum espectador discordante querer protestar, mantive-me na praça até ao final. De pé e sereno. Mas ninguém se me dirigiu a protestar. Foi porque gostaram e aprovaram a nossa decisão. Antes assim.
E por amor à Santa, não me peçam mais para ser júri de nada. Ainda se fosse de Misses… mas de toiros, credo!

Fotos Carlos Silva