João Moura Caetano consolidou em dezoito anos (onze de alternativa e sete como praticante) de carreira profissional uma posição cimeira entre os grandes do toureio a cavalo. Digno sucessor de um nome com História feita em mais de trinta anos nas arenas - o de seu pai, o Maestro Paulo Caetano -, João impôs-se com um estilo muito próprio e provavelmente a melhor quadra de cavalos de toureio dos últimos anos. Em 2017 regressou em apoteose ao Campo Pequeno, praça onde não toureava há dois anos, e triunfou nas principais catedrais da tauromaquia nacional. Foi um dos mais destacados triunfadores do ano. Nesta entrevista ao "Farpas", faz o balanço da temporada, fala de si e dos seus projectos. Vamos ouvir a Figura.
Entrevista de Miguel Alvarenga
- Mais uma temporada em grande, marcada com o regresso ao Campo Pequeno em duas noites de muito fulgor. Que balanço do ano de 2017?
- O balanço que faço é muito positivo, foi uma temporada com um bom número de corridas e na qual os maiores êxitos surgiram nas praças de maior importância, o que nem sempre acontece, por vezes temos grandes actuações em praça de menor visibilidade e nos sítios chave não há sorte, este ano graças a Deus tudo se conjugou nos dias cruciais. O regresso ao Campo Pequeno em duas corridas motivou-me muito e foi fundamental na minha temporada. Foi uma época que me senti a tourear a gosto em que as coisas foram fluindo naturalmente e que terminouem grande.
- Anunciou-se ontem o final do teu relacionamento profissional com João Pedro Bolota, quem é o senhor que se segue no apoderamento?
- O João Pedro é um amigo de muitos anos e vai continuar a sê-lo. Considerámos, por mútuo acordo e na maior das cordialidades, que era o momento de se fechar este nosso ciclo, que foi muito positivo. Já houve alguns contactos, dentro de dias será anunciado o novo apoderado.
- O “Temperamento”, o “Aramis”, o “Xispa”… muitos apontam que se trata da melhor quadra de cavalos do momento. Consideras que sim?
- Ser a melhor ou não é muito subjectivo e para mim uma análise pouco importante, penso que é uma quadra que me permite enfrentar todos os compromissos em Portugal e Espanha com boas hipóteses de triunfar e resolver os problemas que me aparecam. O "Temperamento", o "Xispa" e o "Aramis" são os que dão mais nas vistas mas sem os “operários” como é o caso do "Pidal" ou do "Fogo", que deram a cara todos os dias, principalmente em Espanha e nos toiros mais complicados, a quadra não funcionaria tão bem. Há também dois cavalos novos que já se estrearam este ano e que têm tudo para no futuro poderem ser os craques da quadra, o "Hidrogénio" e o "Hip-Hop".
- Teu pai é o teu mestre e concerteza o teu ídolo. Tiveste outros ídolos no toureio?
- Sem dúvida, o meu pai é o meu ídolo e a pessoa que me ensinou tudo o que sei. Admiro muitos toureiros, aliás, acho que com todos podemos aprender qualquer coisa. Apesar de só ter tido o previlégio de o ver em videos, eu inspiro-me muito e admiro muito a maneira de tourear do Mestre João José Zoio, a maneira como aguentava a investida do toiro de praça a praça era genial. Sou tambem um grande amante do toureio a pé e aí tenho dois grandes idolos, o Curro Romero e o Morante de la Puebla.
- Sentes que atingiste a perfeição ou ainda não te sentes realizado no toureio?
- Não; acho que a perfeição é praticamente impossível de atingir, mas como toureiro realizado isso sinto-me, pelo facto de ao longo destes 18 anos (onze de alternativa e sete de praticante) ter conseguido ser fiel ao meu estilo e à minha maneira de sentir o toureio sem precisar de “imitar” ninguém, sendo completamente transparente de sentimentos dentro da praça, nos bons e nos maus momentos, o facto de ter chegado até aqui sendo eu próprio, sem filtros, é muito gratificante para mim.
- Como vês o panorama taurino actual? Há corridas a mais? Devia haver menos?
- Eu estou optimista em relação ao mundo dos toiros, nós vimos este ano belíssimas casas em grande parte dos espectáculos, principalmente do meio para a frente. O único conselho que posso dar a quem montar as corridas é que apostem forte nas datas tradicionais e não se ponham a inventar datas e a exagerar no número de corridas em cada praça.
- Lês todas as crónicas das tuas actuações? Faz uma crítica à crítica…
- Sim, tenho por hábito ler as críticas das corridas que toureio, acho que de todas elas se pode tirar algo construtivo para o futuro. Não é de todo o meu papel criticar a crítica (risos)... mas talvez seja importante serem um bocadinho mais didácticos e explicarem mais, sobretudo aos mais novos aficionados, o motivo de certas coisas que se passam numa lide, por exemplo a diferença de um toureiro levar um toque na montada por ter arriscado até ao limite, para um toque pelo facto do cavalo se ter atravessado ou de o toureiro se ter querido aliviar, como tambem a diferença de uma sorte bem feita e devagar para uma bem feita mas em velocidade, antigamente abordava-se muito certos aspectos e eu acho que nunca se deveriam perder esses ensinamentos e esses valores.
- O toiro Murube está a retirar emoção à Festa?
- A minha opinião é que há corridas de toiros boas e más, há grandes corridas de Murube e corridas que saem mal, mas tambem acontece isso com todos os outros encastes. Ainda este ano uma das corridas mais completas que vi foi a da Gala no Campo Pequeno e era da ganadaria Passanha, encaste Murube, assisti tambem a dois concursos de ganadarias, um em Arronches e outro em Moura, venceram a bravura dois “Murubes”, vi uma grande actuação em Évora do António Telles também com um toiro do tio Francisco Tenório. Por exemplo, da nossa ganadaria, da parte Murube, saíu uma corrida em Lisboa à qual faltou casta e sobrou nobreza, mas da mesma ganadaria sairam três toiros em Portalegre extraordinários e a proporcionarem-nos grandes actuações, portanto acho que é errado individualizar os encastes, há toiros bons e maus, corridas boas e más, é simples.
- Qual o cartel ideal para esgotar uma praça?
- Sinto falta daquele tipo de cartéis que se montavam por exemplo nas corridas TV, na corrida da Rádio, na corrida da Renascença, cartéis de seis cavaleiros, seis dos que mais força tinham no momento, acho que esse tipo de corridas traz competição e oferece ao público um espectáculo diverso e completo. Bons exemplos disso foram este ano a corrida da TV Norte e a corrida de Gala do Campo Pequeno.
- Consolidaste em onze anos de alternativa, com um estilo muito próprio onde impera o temple e a arte, a tua tauromaquia. O que podem os aficionados esperar do João Moura Caetano em 2018?
- Podem esperar o máximo empenho e dedicação da minha parte. Penso que o meu género de toureio tem tudo para ir a mais com o passar dos anos, baseia-se no temple, tentando pisar os terrenos o mais devagar possível, a idade traz-nos um “pouso” e uma calma fundamentais para que o toureio de arte evolua. Por isso, 2018 tem tudo para ser mais um passo em frente.
- Espanha vai continuar a fazer parte do teu roteiro, das tuas temporadas?
- Sim, tenho sempre o prazer de poder fazer algumas corridas do lado de lá, Espanha foi muito importante nos meus inícios, trouxe-me muita experiência e ensinou-me a lidar com os imprevistos e as adversidades. Vou basear a minha temporada em Portugal, mas sempre de olho em algumas corridas interessantes que vão surgido em Espanha.
- Recorda os teus maiores êxitos desta temporada.
- Foi uma temporada feliz e em crescendo. Em Espanha cortei orelhas em quase todas as corridas, em Portugal lembro-me, por exemplo, das actuações em Alter do Chão, em Santarém, na corrida da TV Norte na Póvoa de Varzim, em Monforte, Portalegre, Elvas e a cereja no topo do bolo penso que foi a corrida de encerramento no Campo Pequeno.
- Concordas com João Telles quando me disse que há pouca união e muita falta de profissionalismo no meio taurino hoje em dia?
- Sim, concordo, é urgente rever certos pontos na nossa tauromaquia e só com essa necessária união de todos se pode mudar o que está mal. Hoje em dia os profissionais da Festa, às vezes, são tratados como amadores e isso tem que mudar, está nas nossas mãos.
- Que sonhos tens ainda por alcançar, João?
- Sou uma pessoa que pensa muito no dia a dia, só quero ser feliz, dentro e fora da praça, continuar a evoluir e ter o privilégio de poder transmitir emoções ao público a tourear, não defino metas específicas, simplesmente trabalhar muito para manter o nível até que Deus queira.
- Quem são na actualidade os teus maiores rivais, os cavaleiros que mais “apertam”?
- Neste momento há um lote de cavaleiros de grande nível, qualquer um deles pode apertar e ser competitivo, isso é muito bom porque nos obriga a trabalhar e a treinar cada vez mais para poder estar na frente nesta competição. Quanto a mim, o cartel que junta mais competição é o dos “3 Jotas”, J. Caetano, J, Moura Jr. e J. Telles Jr.. Este ano, por exemplo, em Elvas também se montou um cartel que resultou numa grande corrida de toiros com dois grandes amigos meus, o Marcos Bastinhas e o Duarte Pinto. Há imensos cartéis que se podem montar com base na competição, como disse antes, graças a Deus neste momento a Festa tem grandes executantes.
- Ser Moura e ser Caetano traz-te uma maior responsabilidade quando entras em praça?
- Claro que sim, levar dois dos maiores apelidos da tauromaquia, traz-me muita responsabilidade, mas ao mesmo tempo um enorme orgulho.
- Superstições, tens? E fé?
- Tenho muita fé e também sou bastante supersticioso. A começar por só pôr bandarilhas brancas (como o meu pai), só usar calções de tourear pretos, vestir-me em quartos sempre com número ímpar, amarelo nunca. São coisa que não têm grande lógica, mas que em momentos tão duros e de tanta responsabilidade nos ajudam a agarrar-nos à ideia de que vai tudo correr bem.
- Ser toureiro é…
- Ser toureiro é um modo de vida. Pôr a vida em risco a cada tarde para poder transmitir um sentimento real a quem nos está a ver. É para mim a profissão mais bonita e inquietante do mundo.
- Alguma frase ou citação muito tua?
- “Triunfar ou fracassar, a indiferença nunca”.
Fotos Maria Mil-Homens e Emílio de Jesus