Trinta anos depois do "boom" de Pedrito de Portugal, a última estrela do nosso toureio a pé que cintilou e brilhou além-fronteiras depois do longo e glorioso reinado do Maestro Vitor Mendes, João Silva "Juanito" reivindicou ontem em Badajoz o estatuto de nova figura lusa na alta roda do toureio mundial. Um triunfo memorável do novo matador de toiros de Portugal que o consagra em definitivo como nova e importante vedeta deste país nos primeiros palcos de Espanha
Miguel Alvarenga - António Ferrera e Morante de la Puebla, dois figurões do toureio actual, quase tinham passado despercebidos nos dois primeiros toiros da quentíssima tarde de ontem na Monumental de Badajoz, primeira das duas corridas da regressada Feira de San Juan, com as bancadas cheias de aficionados portugueses e a lotação permitida (50%) cheia. Tinham passado três décadas sobre a última vez que um toureiro português, Pedrito de Portugal, ali triunfara. Numa praça inaugurada há exactamente 54 anos (24 de Junho de 1967) pelo então Presidente da República de Portugal, Almirante Américo Tomás, e que ao longo de meio século foi palco de muitos e importantes triunfos de toureiros deste país - uma tradição que se perdera e ontem foi por "Juanito" memoravelmente recuperada.
Sereno, tranquilo, ousado e confiante, atravessou "Juanito" a praça e de joelhos em terra se colocou diante da porta dos sustos, capote aberto, esperando que ela se abrisse e de lá saísse o terceiro toiro da ganadaria Zalduendo. Desenhou uma emotiva "afarolada" que todos aplaudiram com entusiasmo. Esteve a ponto de sofrer uma colhida, mas levantou-se, firme voltou a enfrentar o toiro com cingidas "verónicas" e com a certeza de que estava ali para abrir caminho e se juntar aos da frente, restituindo-nos a emoção, a honra e o orgulho de termos de novo um toureiro a defender as cores da nossa Bandeira nos primeiros palcos da tauromaquia mundial.
Foi um triunfo sonante, marcante e importante para a carreira de "Juanito". Mas foi sobretudo um triunfo que volta a consagrar além-fronteiras o estandarte do nosso toureio a pé. Fazia falta - há quantos anos! - que isso voltasse a acontecer.
O toiro não foi exageradamente picado, esteve bem a quadrilha de "Juanito" a bandarilhá-lo e depois seguiu-se um recital de arte, de magia e de temple, de poderio também, da nossa novíssima estrela. Faena artística, profunda, mandona, o toureiro cheio de raça, de atitude e de vontade de demonstrar e de provar que voltamos a ter razões para acreditar, para apoiar e para nos entusiasmarmos outra vez pelo toureio a pé no nosso país. Fazia falta que isso acontecesse, repito.
Foi-se o toiro apagando, mas jamais deixou "Juanito" que se apagasse a chama da sua ilusão, da sua força e da sua tremenda raça. Pés parados, muleta mandona, a sacar os últimos passes a um toiro que chegava ao fim. Estocada certeira, público de pé, lenços brancos pedindo a orelha, depois pedindo a segunda e muito justamente lhas concedeu o presidente da corrida, fazendo-as passear nas mãos de "Juanito" numa pausada e muito aplaudida volta ao ruedo, sorriso estampado no rosto, a felicidade conquistada numa tarde que não vai mais esquecer.
E de novo voltou à arena para enfrentar o sexto e último Zalduendo da tarde, que começava já a ser noite, depois de um também memorável triunfo de António Ferrera no quarto, a que cortou, provocado e obrigado por "Juanito", as duas orelhas e o rabo.
Toiro de menos qualidade e mais parado este sexto, mas com o qual voltou o nosso toureiro a estar superior, bonitos lances com o capote, serenos muletazos, os primeiros de joelhos em terra, valente como as armas, e a seguir, artista como os eleitos. Bonita e valorosa faena, a confirmar a classe que deixara na primeira. Merecedora também das duas orelhas, depois de outra certeira estocada, mas só uma lhe concedeu o presidente e que importa isso se "Juanito" se consagrara já como grande triunfador da tarde, em ombros saindo ao lado de Ferrera e nós todos radiantes, a abandonar a praça a falar dele e do novo ídolo que nos devolveu a esperança.
Ambiente grande o que "Juanito" deixou ontem em Badajoz, a fazer aumentar a grande expectativa de o revermos no dia 16 de Julho em Lisboa na corrida dos matadores em que se vai homenagear o Maestro Vitor Mendes, agora a seu lado, agora também seu apoderado em parceria com Joaquín Domínguez, o taurino que nele acreditou, que o lançou e que seis anos depois teve ontem também uma quota parte no sucesso deste triunfo. Merecido.
A seguir subi ao seu quarto no Hotel Rio. Vi a alegria estampada nos olhos emocionados de seu pai e sua mãe, a euforia do Rodrigo, seu irmão, a abrir uma garrafa de champanhe para que se comemorasse condignamente o triunfo, o sentir do dever cumprido nos olhares também emocionados de Joaquín Domínguez e de Vitor Mendes, certamente revivendo com justificada emoção momentos de uma carreira de glória que dele fizeram primeiro entre os primeiros, o contentamento de Francisco Calejo Pires, ganadeiro que ali estava também em nome da amizade e a felicitar o toureiro. Tranquilo, sorridente, agarrado ao telemóvel a ler o que dele escreviam os cronistas dos principais sites espanhóis, "Juanito" era a imagem da alegria. Do triunfo, depois de tanta luta e tanto esforço. Da renovada esperança por ter alcançado mais um importante e tão marcante patamar.
A Morante brindou a lide do seu segundo toiro, grato pela oportunidade que o Maestro lhe deu de estar a tourear a seu lado. Um gesto bonito e humilde, também de grandeza humana, de quem é agradecido e não esquece quem o apoiou.
Para nós, aficionados de Portugal, a corrida de ontem em Badajoz valeu acima de tudo por "Juanito" e pela certeza que ele nos deu de que a nossa Bandeira, em que se envolveu para dar a volta à arena no seu primeiro toiro, volta agora a estar erguida nos principais palcos da tauromaquia mundial. Muitas mais corridas importantes virão ainda esta temporada em arenas de Espanha. E as Américas, no final do ano, serão também cenário da presença do nosso novo matador. O caminho está aberto. Que Deus te acompanhe sempre!
Bem apresentados, de jogo desigual, os toiros da ganadaria Zalduendo não deram ontem hipóteses ao genial Morante de la Puebla, que se enfrentou com o pior lote. Uma lindíssima "meia verónica" no segundo toiro da tarde e uma expressiva série de "naturais", mais duas cingidas "verónicas" no quinto, pinceladas de uma arte à parte, foram tudo - e foram tanto - o que Morante nos deixou em Badajoz. E já valeu a pena vê-lo por isto, mesmo sem ontem o termos visto...
António Ferrera também teve poucas hipóteses no primeiro Zalduendo da tarde, cumprindo apenas com ofício a tentativa de sacar faena onde ela não existia. No segundo, quarto da ordem, "Derrota" de seu nome, um toiro magnífico, voltou a ser o grande Ferrera, nitidamente provocado pelo triunfo de "Juanito", que o espevitou e o fez sacar dos seus galões. Faena grande, inspirada, de momentos únicos. Cedo pediu o público o indulto do toiro e tarde se decidiu Ferrera a matá-lo, chegando a escutar um aviso, esperando em vão pelo perdão do presidente, que o público exigia em sonora petição e que nunca veio. Matou a receber, com uma estocada enorme, citando a meia praça, foi premiado com as duas orelhas e o rabo e o toiro teve honras de volta à arena. Depois deu Ferrera a volta, com a praça eufórica, de pé a aplaudir e a ele se juntou o maioral da ganadaria para receber os aplausos, merecidos, por um toiro que devia ter regressado ao campo.
Já a seguir não perca todas as fotos da corrida de ontem em Badajoz, veja com que arte toureou "Juanito", como Ferrera empolgou na lide do quarto Zalduendo que não foi indultado mas merecia tê-lo sido, como Morante, mesmo sem lá ter estado, esteve em algumas pinceladas de arte. E mais logo, veja aqui todas as fotos dos Famosos que ontem marcaram presença em Badajoz.
Fotos M. Alvarenga
Portugal-Espanha com um empate 1-1 de "Juanito" e Ferrera |
Tarde de glória para "Juanito", que "provocou" Ferrera e o fez também sair aos ombros Foto FIT |
E viva Portugal, viva "Juanito"! |