António Ferrera conquistou a Chamusca! |
Miguel Alvarenga - Mais uma corrida agradabilíssima ontem na Chamusca, numa das mais tradicionais datas taurinas do Ribatejo e do calendário nacional, a de quinta-feira de Espiga/Ascensão, onde apesar do muito calor que se sentia e do facto de se terem lidados, à antiga, oito toiros, ninguém de lá saíu maçado (apenas acalorado... quem assistiu à corrida nos sectores de sol), antes pelo contrário.
Os toiros (de nota alta, sobretudo os lidados a cavalo) de Varela Crujo não deram trabalho de maior aos forcados dos dois grupos da terra (Amadores e Aposento), que os pegaram num ápice com valor e arte, nem aos campinos (da casa Manuel José da Ursula, ambos filhos do saudoso ganadeiro) na hora de recolherem aos currais. A corrida decorreu com ritmo, sem tempos mortos - e para isso contribuiu a decisão do novo empresário José Luis Gomes (que se estreou com o pé direito), apoiada pelos toureiros intervenientes (a quem a empresa expressou público agradecimento) e pelo director de corrida Marco Cardoso, de alterar a ordem normal de lide, por forma a evitar as demoras do tira-e-põe-burladeros. Abriram praça os cavaleiros Manuel Telles Bastos e Francisco Palha lidando os dois primeiros toiros, depois os matadores António Ferrera e Manuel Dias Gomes tourearam os quatro seguintes e a corrida fechou de novo com as actuações dos cavaleiros a lidarem os dois últimos toiros da tarde, sétimo e oitavo. Uma coisa bem feita!
Para não sobrepor mais uma corrida às três que se realizam este sábado (amanhã), José Luis Gomes suprimiu - e bem - o segundo festejo que nos últimos anos se costumava realizar ao sábado na Chamusca (normalmente com menos público que na quinta-feira) e por isso decidiu compensar os aficionados com oito toiros na corrida de ontem e com a realização de mais uma corrida no próximo dia 25 de Junho, além da que promoverá a 1 de Outubro para despedida de Pedro Coelho dos Reis, o grande cabo do grupo do Aposento da Chamusca. Uma temporada atractiva e bem delineada, diga-se em abono da verdade.
Ninguém protestou pela ausência da corrida de sábado - que só se tornou tradição há poucos anos - e a realidade é que ao excelente, atractivo, diferente e bem rematado cartel de ontem o público respondeu como se impunha comparecendo em peso, preenchendo três quartos fortes das bancadas e das galerias e camarotes da centenária e bem cuidada praça. Os sectores de sombra estavam "à cunha" (e a praça não é das mais confortáveis...) e os de sol apresentavam também uma boa moldura humana. Heróicos os aficionados que ontem neles se sentaram...
Para o sucesso da corrida contribuiu a excelente qualidade e comportamento dos muito bem apresentados e rematados toiros da ganadaria Varela Crujo, sobretudo os quatro lidados a cavalo, mas também dois dos que sairam para os matadores, nomeadamente o primeiro de Ferrera e o segundo de Dias Gomes. O ganadeiro António Manuel Varela Crujo foi muito merecidamente premiado com volta à arena no último toiro, fazendo-se representar pelo maioral António Rita.
Em destaque, como triunfadores máximos da tarde, sairam ontem o matador António Ferrera e o cavaleiro Francisco Palha, mas é de louvar também o grande brio profissional e o amor próprio com que Manuel Dias Gomes, não querendo deixar a glória apenas por mãos espanholas, toureou o sexto toiro da corrida, com atitude, com empenho e com aquele temple sevilhano que é apanágio da sua bonita forma de interpretar a arte de Montes.
Manuel Ribeiro Telles Bastos não deu nenhum petardo (a sua classe e o seu valor não permitem tal coisa), mas a realidade é que não esteve ontem nos seus melhores dias. A lide do primeiro toiro, a abrir praça e com o público ainda meio frio, foi apenas regular, apesar da boa qualidade do oponente.
No seu segundo toiro, sétimo da corrida, Manuel Telles Bastos teve um início de lide meio irregular e meio descomposto, mas depois veio-lhe a raça acima e a lide foi de (muito) menos a (muito) mais com ferros curtos de boa marca, com a banda a tocar finalmente já na fase final da actuação e com o público, que antes até protestara, a entregar-se a um toureiro que é dos bons.
Francisco Palha "aterrou" imparável nesta temporada de 2022 e não me engano nada se disser que caminha em galopante ascensão - e apesar de a época ainda agora se ter iniciado - decidido a conquistar este ano o trono de grande triunfador.
Está um toureiro mais maduro, muito mais confiado e a inspirar confiança - e a tourear como nunca. Muito bem montado, superiormente moralizado e embalado pelos primeiros e marcantes triunfos que alcançou já, Palhinha deu ontem na Chamusca mais dois grandes recitais de valor e de arte, de ousadia e de risco, bregando superiormente, recriando-se em ladeios emotivos e arriscadas mudanças de terrenos, cravando ferros de levantar o público das bancadas, a pisar terrenos de alto compromisso, a entrar, como sempre, na linha de fogo e de alto risco.
Em suma, duas lides verdadeiramente empolgantes e no final, como não podia deixar de ser, a distinção de ganhar o troféu em disputa para a melhor lide, pela última da tarde, a um magnífico toiro de Varela Crujo.
A pé, deitou cartas o consagrado António Ferrera - que chegou toureadíssimo à Chamusca, ao contrário do seu alternante luso -, conquistando o público pelo seu valor e tremendo mérito, pelas suas enormes potencialidades de grande lidador e toureiro temerário.
O seu primeiro toiro tinha qualidade e Ferrera não perdeu a oportunidade de com ele alcançar um sonoro triunfo. Muito bem com o capote (azul) em cingidas e compassadas verónicas - e depois, uma empenhada e variada faena de muleta, com pinceladas de muita arte e imenso mando. Poderoso e artista. Toureiro de outros campeonatos!
O quinto toiro era manso e passou o tempo a fugir da muleta de Ferrera. Mal entrou na arena, espreitou o ambiente, não gostou e voltou para trás... acabando depois por regressar ao palco, mas sem vontade nenhuma de ir à luta.
Muito bem com o capote, de novo em bonitas verónicas, António Ferrera encastou-se com um ou outro protesto do público que duvidou do seu elevado profissionalismo e pensou que ele iria despachar o "toiro mau" - e abriu o livro, fazendo das tripas coração para conseguir sacar, com entrega e muito esforço, os muletazos que pareciam impossíveis à partida.
Uma faena de grande esforço, muita entrega e alto brio profissional, que no fim Ferrera viu premiada com duas aplaudidas voltas à arena.
Manuel Dias Gomes enfrentou em quatro lugar um toiro que não lhe deu grandes opções de triunfar. De investidas pouco claras, parado, complicado. O valoroso matador português toureava ontem a sua primeira corrida da temporada, ao contrário de António Ferrera, que chegava à Chamusca super-rodado e já com quase meia temporada feita. Manuel toureara apenas e só, em praça, dois novilhos-toiros, um no festival em Serpa e outro no de Sobral de Monte Agraço, mas a realidade é que pouco se deu por isso, parecia ele que já vinha de muitas outras actuações.
Com esse seu primeiro toiro, esteve valoroso e esforçado, mas sem conseguir o brilho sonhado. Não deu volta à arena, agradecendo apenas uma ovação do público nos médios, em reconhecimento pela sua entrega e pelo seu querer.
No sexto toiro, de muito melhor comportamento, as coisas mudaram de figura. Bonito e elegante - como sempre - com o capote, Manuel Dias Gomes iniciou a faena de muleta de joelhos em terra, com ganas e atitude, levando o toiro dos médios para o centro, realizando depois uma faena variada e destemida, com inspiração suprema, com bonita arte e com temple.
Muito brio profissional e um enorme amor próprio do matador lusitano, picado pelo triunfo de Ferrera, decidido a não deixar só nas mãos do companheiro espanhol os momentos maiores da corrida. Que também foram seus.
Dos forcados e das pegas já aqui falei pormenorizadamente esta noite. Volto a aplaudir as actuações dos Amadores e dos do Aposento, com destaque para as grandes pegas da segunda parte, as de Francisco Rocha (Amadores da Chamusca) e de Francisco Souto Barreiros Andrade (Aposento da Chamusca), aos dois últimos toiros da corrida, sendo a segunda a vencedora do prémio para a melhor da tarde. Destaque, que já aqui foi merecidamente cantado, para a enorme primeira-ajuda dada no segundo toiro da corrida pelo cabo Pedro Coelho dos Reis (Aposento) ao seu sobrinho Vasco. Como só ele sabe!
A corrida contou, como sempre, com a honrosa presença do muito aficionado presidente da Câmara da Chamusca, Paulo Queimado, que assistiu numa barreira e foi brindado por Manuel Dias Gomes - e foi bem dirigida, com acerto e aficion, pelo antigo forcado Marco Cardoso, que esteve assessorado pelo competente médico veterinário José Luis da Cruz.
A lamentar, apenas, o (imperdoável) esquecimento de um minuto de silêncio em memória de Eurico Lampreia, um Forcado histórico e heróico, que morrera na véspera e hoje mesmo foi a sepultar.
Fotos M. Alvarenga
Com a louvável decisão de alterar a ordem de lide (aceite por todos os intervenientes), a corrida teve maior ritmo e evitou-se a repetição constante desta cena do põe-e-tira-burladeros |
Imparável, Francisco Palha deu ontem mais dois recitais de muita cátedra na arena da Chamusca |
Manuel Dias Gomes realizou bonita e templada faena no segundo toiro do seu lote |
Manuel Telles Bastos encastou-se no final da lide do seu segundo toiro, recompondo-se de um início menos feliz |