Duarte Pinto nasceu no seio de uma família de estrelas de firmamentos distintos, mas todas com o mesmo brilho - e não fugiu à regra. Tornou-se também ele uma estrela. Das arenas, como o pai, Emídio Pinto, um clássico que foi figura dos anos 70 e 80 e que por aqui passou com aplaudida dignidade e reconhecida arte, deixando marca. Não estrela dos ringues de hóquei em patins, onde seu avô, que não chegou a conhecer, Emídio Pinto também de seu nome, foi um dos maiores craques de que há memória no país e até mesmo a nível mundial. Mas o Duarte nunca se ajeitou aos patins. Aos cavalos e aos toiros, isso já foi uma outra conversa.
Profissional a duzentos por cento e altamente perfeccionista, seguiu o modelo paterno desde que aqui chegou ainda jovem. Toureavam todos “à moderna”, quase todos, e ele toureou sempre “à antiga”. É um clássico dos tempos modernos, interpreta o toureio como o sente, sobretudo com ousadia e risco, e verdade, imensa verdade… que de mentiras anda o mundo cheio e o Duarte é um Senhor. E os Senhores não mentem.
Este ano cumpre quinze temporadas como cavaleiro de alternativa. “Apenas quinze anos”, diz ele com a simplicidade, quase humildade, que o caracteriza, “nada que se compare com as grandes marcas de grandes figuras do toureio”. Não vai haver grandes festejos, nem especiais comemorações. “Não sou dessas coisas”, diz ele.
Quando o desafiei para esta entrevista, ficou satisfeito, mas pediu-me que fizesse “uma coisa simples, com classe, mas simples”. “Não gosto de espalhafato e muito menos de polémicas”, avisou. E eu sei.
Emídio Pinto andou uma vida nas arenas sem nunca o termos visto envolver-se em qualquer tipo de polémica, sem nunca lhe ouvirmos uma queixa ou uma palavra menos agradável fosse para quem fosse. Seu pai, o avô que infelizmente o Duarte não chegou a conhecer (morreu no ano antes de ele nascer), foi o maior exemplo do que deve ser o pai de um toureiro. Nunca o vimos envolvido em nada da carreira do filho, assistia às corridas ao lado de sua Mulher na última fila da bancada, incógnito, muitas vezes juntamente com Manuel Conde e a Mulher, de quem era amigo.
E o Duarte afina pelo mesmíssimo diapasão da família. É discreto, engole em seco as injustiças que lhe fazem, especialmente algumas empresas, que muitas vezes o esquecem, sem fazer comentários. “Já o meu pai costuma dizer que devemos enaltecer e lembrar as coisas boas, o resto…”.
O Duarte fala como toureia. Com arte, com temple, com verdade - e sem medo. De frente. Foi um gosto esta conversa, muito mais conversa que entrevista. Dá gosto falar com ele.
No fim fiz-lhe mais um desafio: que fosse ele a escolher e a eleger as fotografias que haviam de acompanhar esta peça jornalística. E ele escolheu-as e mandou-mas. “São de autores diferentes, mas são todas minhas, pode publicar, Miguel. Todas elas marcam qualquer coisa nestes quinze anos de alternativa, todas têm para mim um significado especial”. Pedi-lhe que legendasse ele próprio apenas duas das fotos, aquelas em que está com o pai e as que está com Luis Miguel Pombeiro, o apoderado-eterno, o amigo de sempre.
O resto, está aqui - já a seguir. Duarte Pinto por ele próprio.
Entrevista de Miguel Alvarenga
- Quinze anos é uma vida, Duarte… valeu a pena?
- Valeu muito a pena, Miguel! Não deixam de ser "apenas quinze anos de alternativa", uma pequena marca comparado com grandes marcas de grandes figuras do toureio. Mas para mim, o mais importante foi toda a evolução, todas as conquistas, toda a consistência e regularidade que penso que tenho atingido como toureiro. Foram quinze temporadas de alternativa seguidas a tourear uma média de cerca de 20 corridas por ano, com enorme selecção qualitativa, com aprendizagem permanente e conquistas inesquecíveis, como toda a valorização das diversas empresas tauromáquicas e o grande reconhecimento do público aficionado que me acarinha e valoriza por onde passo. Isso sim, enche-me de orgulho!
O arranque em 2006, ainda como praticante, com o prémio para a melhor lide numa corrida da temporada de reinauguração do Campo Pequeno |
- Tem sido fácil ou difícil triunfar num “mundo moderno” sendo um toureiro clássico?
- É sempre difícil triunfar, quer se seja mais clássico ou mais moderno, mas para mim existem bases de que não prescindo: a verdade do toureio e a classe e poderio do mesmo.
É bom existirem diferentes estilos e diferentes formas de tourear, diversidade de abordagens. Eu próprio estou permanentemente a querer evoluir!
A partir daí, os resultados aparecem e o público é o maior juiz!
O que eu considero mais difícil nos tempos modernos é a conjuntura económica.
Eu, no meu caso, e quem bem me conhece sabe o quanto luto há vários anos por aquilo que sinto e que o meu pai sempre me aconselhou: cartéis fortes, em todas as praças e datas tradicionais mas sempre com condições económicas justas e cachet’s dignos! E isso, nos tempos que correm, não é nada fácil!
Luto por isso há vários anos!
A noite mágica de 9 de Agosto de 2018 no Campo Pequeno: para recordar pelo impacto! |
- Aquele triunfo histórico no Campo Pequeno, há quatro anos (creio que não estou errado, ou foi há cinco?) serviu para alguma coisa? Ou hoje em dia os triunfos não têm a força que tinham noutros tempos?
- Concordo consigo que os triunfos podem não ter tanta força como noutros tempos, mas foi muito importante para mim ter sido considerado unanimemente triunfador do Campo Pequeno na temporada de 2018. Quer por aquela noite histórica de Agosto na corrida do emigrante, como na repetição, logo um mês depois, em Setembro, na corrida de despedida de Portugal do maestro Padilla, com outras duas grandes actuações e outra noite marcante para mim!
A catedral do toureio equestre mundial têm essa força!
Aliás, tem sido uma praça talismã para mim.
A distinção com o prémio para a melhor lide nesta praça, ainda como cavaleiro praticante, foi especial. Desde a noite da alternativa, noite inesquecível e irrepetível por tudo o que envolveu, e passado 15 anos, toureei 22 corridas no Campo Pequeno, com grandes noites de enorme competição, frente a todo o tipo de ganadarias, e com importantes e marcantes triunfos!
"Uma referência, um exemplo em cada pormenor, uma figura ímpar, principalmente o meu pai, Emídio Pinto!" |
- Ser filho de um toureiro respeitado e com história, como Emídio Pinto, ajudou ou complicou (pelas responsabilidades acrescidas)?
- Miguel, como bem o conheceu e antes de mais, ser neto do campeão do mundo de hóquei em patins, Emídio Pinto, que infelizmente não tive oportunidade de conhecer, pois faleceu um ano antes do meu nascimento, já é uma responsabilidade acrescida. Foi o criador da nossa coudelaria com o ferro marcante dos dois sticks de hóquei em patins e uma presença assídua, quer na ajuda inesgotável na carreira do meu pai, como nas praças de toiros para assistir às corridas do meu pai, sempre resguardado na última fila das praças, na companhia da minha avó. Curiosamente, são nestas últimas filas que a minha mãe sempre gostou de estar e a minha mulher, Marta, também gosta, quando está a ver todas as minhas corridas.
Ser filho do cavaleiro Emídio Pinto, e em resposta direta à sua pergunta, ajudou (e ajuda) muito e nunca complicou. Responsabilidade de ser filho de tamanha figura do toureio, em tantos aspectos que isso envolve, isso muita! Mas nunca complicou, isso não.
Imagina, Miguel, a ajuda que tem sido para mim, ter o meu pai ao meu lado em tudo, diariamente e sem faltas? É indispensável e, ainda para mais, somos verdadeiros amigos!
A paixão diária pela equitação e construir cavalos referências para os aficionados e para a carreira! |
- Hoje tens a tua profissão “paralela” à de cavaleiro tauromáquico. Ser só toureiro é possível ou é preciso ter outra actividade?
- Trabalho há 15 anos, numa empresa com âmbito na agricultura, a "AgroGes", na qual tenho muito orgulho pela grande "família" que é. E ao mesmo tempo, sou 100 por cento profissional do toureio, penso e vivo o toureio e o cavalo cada dia! É a minha forma de tornar tudo possível!
Monto muitas horas todos os dias, pela minha paixão e pela vontade ser cada dia melhor cavaleiro e toureiro e luto, por ter cada ano melhores quadras de cavalos. Penso que uma das minhas características, ao longo destes 15 anos e que tanto me têm ajudado, é ter cavalos de qualidade que marcaram e marcam a diferença. E que os aficionados desfrutem pela qualidade destes grandes animais!
- Sentes-te realizado como toureiro ou faltam metas, objectivos que não tenhas ainda alcançado?
- Como o Miguel sabe, sou perfeccionista e trabalho cada dia para ser melhor. Tenho orgulho por muitas coisas que conquistei ao longo dos anos, pelo reconhecimento do público, pelo respeito dos aficionados. Mas quero muito mais! Quero dar muito mais aos aficionados e responder cada vez mais às suas exigências! E é com essa exigência e responsabilidade que trabalho diariamente!
- Quem é o melhor cavaleiro português?
- Muito difícil de responder! Vejo e acompanho directamente corridas de toiros há muitos anos, mais regularmente há mais de 25 anos, ao lado do meu pai. Admiro e fiquei fascinado, com tamanha qualidade que vi da geração do meu pai. De todas as gerações que vieram a seguir e as actuais. E em todas elas continuei e continuo a ver qualidade e aprendi tanto com tantos toureiros, que é difícil responder, sinceramente!
- Com quem te custou mais tourear, quem te “apertou” mais numa praça?
- Outra pergunta difícil. Penso que já toureei e competi com todos os toureiros portugueses, quer figuras com mais de 45 anos de alternativa, como com todos os jovens de alternativa, na grande maioria das praças em Portugal. Já fui “apertado” por muitos, sem dúvida.
E sempre senti forte competição e “aperto” com a grande maioria deles. Aquela garra e ambição grande, que é uma máxima minha, sinto muito de todos. E isso para mim não é problema, aliás é a base que nunca se deve perder. Adoro "apertar e ser apertado", assim saímos todos a ganhar.
- No ano passado, actuaste pela primeira vez ao lado de Pablo Hermoso de Mendoza. Que sentimentos nessa noite?
- Pela figura do maestro Pablo Hermoso, um respeito e uma admiração imensa, pelo exemplo como grande profissional, cavaleiro e toureiro que é.
Dessa noite, a minha maior satisfação foi mais uma noite de gala na catedral do toureio a cavalo, de grande competição entre todos e que, penso, me correu muito bem, numa actuação de qualidade que chegou forte ao público aficionado e, por ser televisionada, a tantas pessoas de mais de 95 países!
- Claro que é. As corridas televisionados são muito importantes para todos. Para todos os profissionais, por chegar a muito mais pessoas do que simplesmente às pessoas que estão na praça. E para todas as pessoas, quer sejam mais ou menos aficionados, que por um ou outro motivo não possam estar presentes na praça, têm a possibilidade de assistir.
Nestes quinze anos de alternativa, participei em mais de dez corridas televisionadas, várias pela RTP no Campo Pequeno, Póvoa do Varzim, Chamusca, Montijo, Idanha-a-Nova e Reguengos de Monsaraz e uma pela TVI no Sobral de Monte Agraço. E no passado ano pela Onetoro, televisão espanhola, que chegou a mais de 95 países!
E, como disse anteriormente, para mim e todos, foi muito importante!
"Uma ligação de 16 anos com Luis Miguel, que começou um ano antes da alternativa e que é muito mais que um apoderamento. Única!" |
- Luis Miguel Pombeiro é um apoderado eterno?
- O Luis Miguel abordou-me no início de 2008, pela amizade e admiração que tinha pelo meu pai e por gostar de me ver tourear, ainda eu sem alternativa, para ser meu apoderado. Aceitei sem hesitar, pela sua atitude. Nos dias que correm não é normal isso acontecer.
Estamos juntos há dezasseis anos! Tornou-se por mérito próprio, e por tudo o que tem sido e feito para mim e por mim, muito mais que um apoderado, um amigo. Ganhou a minha verdadeira amizade, a minha admiração e o meu respeito. Todas as grandes conquistas que consegui e quem sou como toureiro, foi conquistado ao seu lado. Não estou com ele por ser hoje o empresário do Campo Pequeno e de outras praças. Estive mais de dez anos ao seu lado, ou sem praças nenhumas ou só com a praça da Idanha. Várias vezes o Luis Miguel me disse, por achar que poderia ser melhor para mim, que deveria juntar-me a outras pessoas e ele sabe bem a resposta que sempre lhe dei.
Santarém, uma praça marcante na carreira de Duarte. A tarde na temporada de 2012 ficou eternizada, mas outras temporadas e outras tardes também foram marcantes na "Celestino Graça" |
Uma relação especial com Vila Franca, uma praça especial. Várias tardes e noites na Feira de Outubro nas últimas temporadas, conquistando a aficion - com verdade, respeito e emoção! |
- O melhor e o pior momento destes quinze anos?
- Os piores momentos são sempre aquelas corridas que não correm como nós pretendemos, por um ou outro motivo, mesmo que tudo façamos em contrário. Felizmente não tenho muitas nestes 15 anos de alternativa… Claro que outros piores momentos estão sempre associados ou à perda ou a lesões graves de cavalos importantes. Por tudo o que significam para nós e pela importância dos mesmos no nosso toureio, no que sentimos e tentamos transmitir aos aficionados.
Os melhores momentos felizmente são alguns, nestes 15 anos de alternativa.
Ter sido considerado unanimemente triunfador do Campo Pequeno na temporada de 2018, pelas duas grandes noites, foi marcante para mim!
Tourear 22 corridas no Campo Pequeno desde a alternativa, com grandes noites de recordação, na catedral do toureio equestre mundial, é motivo de orgulho!
Participar e competir nestes 15 anos de alternativa, nas grandes praças e datas importantes, com destaques positivos, é motivo de grande satisfação. Relembrar duas inesquecíveis tardes em Santarém ou algumas tardes e noites marcantes na mítica praça de Vila Franca, é uma honra.
Dar a cara todos os dias, independentemente da praça, dar a mesma importância a qualquer praça e data, disso não prescindo fazer. E, claro, os troféus e as distinções que tive a honra de receber nestes anos e o reconhecimento do público aficionado, são a cereja no topo do bolo!
As corridas televisionadas, os troféus e as distinções tiveram impacto nestes 15 anos porque "o reconhecimento de todos os aficionados é meritório e incentiva!" |
- Serão importantes, certamente, todos os troféus e todas as distinções que um toureiro recebe ao longo da sua carreira e já foste contemplado com muitos…
- Não sou desse tipo de coisas, mas sabe sempre bem sentir valorização e reconhecimento.
Tive a sorte e senti-me sempre muito honrado pelas distinções e troféus que recebi, pela sua importância.
Recordo-me de troféus ou distinções destes 15 anos, e peço desculpa se me esqueci de alguns:
Troféus de melhor lide e triunfador da temporada no Campo Pequeno (uma temporada), na Chamusca (em duas temporadas), na Arruda dos Vinhos (em quatro temporadas), na Azambuja (em três temporadas), no Montijo (numa temporada), em Santarém (em duas temporadas), na Amieira (uma temporada).
Distinções por prestigiadas entidades como por exemplo: jornal “Farpas”, jornal “Olé” e revista “Novo Burladero”; diversos sites tauromáquicos; várias tertúlias tauromáquicas, que eu tanto prezo e admiro como por exemplo a Tertúlia “Festa Brava” (em duas temporadas), Tertúlia “Piriquita” (em duas temporadas), Tertúlia Tauromáquica de Estremoz, algumas rádios como a Rádio Portalegre (programa “Três Tércios”) e até algumas galas tauromáquicas.
Obrigado a todos pela honra que me proporcionaram!
- Quantos anos mais nas arenas, Duarte?
- Não sei Miguel, vivo um dia de cada vez, e sei que a conjuntura actual não é fácil em vários temas.
Mas luto, como disse, para ser melhor todos os dias e dar tudo aos aficionados o máximo de anos possíveis!
Fotos D.R./@Duarte Pinto
Campo Pequeno: em 15 anos, foram 22 corridas com grandes noites e recordações , competição e actuações que marcam! |