segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

David e Golias: nem sempre igual à história...




Miguel Alvarenga - A candidatura à Monumental de Madrid da sociedade composta por Tomás Entero, pela Sociedade Campo Pequeno (representada por Rui Bento), por Beca Belmonte e pela seguradora Ariete era, à partida, uma espécie de reedição no meio tauromáquico da velhinha história de David e Golias, muito embora aqui o final não fosse tão feliz como no conto, isto é, desta vez era provável a vitória do "gigante".
O francês Simon Casas é há vários anos pretendente à gestão de Las Ventas. No último concurso, chegara mesmo a interpor uma acção judicial contra a Comunidade de Madrid e a empresa "Taurodelta" (a que agora se associou, estilo "se não consegues vencer, junta-te a eles"). O anúncio de uma "Troika" composta pela "Taurodelta" de Martínez Uranga, pela Casa Matilla e por Casas, que na altura considerei e continuo a considerar exemplar - não é todos os dias que empresários taurinos se decidem unir, em lugar de concorrerem isolados uns contra os outros - pressupunha, à partida, uma vitória assegurada e garantida no concurso de adjudicação da primeira praça de toiros do mundo. Só que...
Quando ninguém esperava, na semana passada, dez minutos antes do fecho da aceitação de propostas, deu entrada na Comunidade Autónoma de Madrid a candidatura de uma segunda sociedade formada por Tomás Entero, Beca Belmonte e, surpreendendo tudo e todos e em especial a aficion portuguesa, a Sociedade Campo Pequeno. Foi, como se usa dizer, o bom e o bonito. Num negócio que aparentemente estava "cozinhado" para ser ganho pela poderosa "Troika" das principais empresas de Espanha, veio "imiscuir-se" e "intrometer-se" um David a querer batalhar contra o "gigante" Golias - mas que o fez tremer.
Tomás Entero é um empresário sério e com provas dadas, mas mesmo assim alguma imprensa espanhola referenciou-o como "modesto empresário", tendo em conta os poderosos contra quem se candidatava. Beca Belmonte, antigo matador de toiros, neto do mítico Juan Belmonte, tem experiência na Monumental de Madrid, mas não tem a força de Uranga, de Matilla ou de Casas, obviamente. Rui Bento e a Sociedade Campo Pequeno têm o prestígio reconhecido de obra feita na principal praça de toiros de Portugal. Não são propriamente uns "coitadinhos" e o facto de ousarem candidatar-se à gerência da principal praça de toiros do mundo é, só por si, de louvar. Como escrevi anteriormente, mesmo que não ganhassem - o que era previsível - aumentaram a sua cotação a nível mundial e atiraram uma importante e significativa pedrada ao charco. Só por isso, terá valido a pena.
Os espanhóis e sobretudo a Comunidade de Madrid, tinham que pegar por algum lado. Havia que tentar inviabilizar, a todo o custo, a candidatura de uma sociedade que "não estava no programa" e que, dez minutos antes de ficar assegurada, por exclusão de partes, a vitória da "Troika", a tinha vindo ensombrar e incomodar. Vai daí, optaram por humilhar-nos, aos portugueses, "decretando", como se fosse possível um qualquer "convénio" de um país estrangeiro vir ditar leis noutro país, que a Monumental do Campo Pequeno era "uma praça de segunda categoria". Noutros tempos - e estou a lembrar-me, por exemplo, dos anos da "ditadura" do Prof. Salazar - esta "brincadeira" teria causado, certamente, um incidente diplomático. O governo português acabou por vir prontamente a terreiro dizer que não senhor, que o Campo Pequeno é uma praça de primeira, sempre o foi. "Nuestros hermanos" acataram e não mexeram mais no assunto. Pelo meio, deram uma publicidade inesperada à primeira praça de Portugal - hoje e graças à "gaffe" espanhola, nas bocas de todo o mundo...
A partir da intervenção - louvável - do governo português, havia que pegar por outro lado qualquer. A Comunidade de Madrid veio hoje, cautelosamente, afirmar que a rejeição da proposta do grupo de Entero e Bento nada teve a ver com o Campo Pequeno, nem com a análise à experiência empresarial deste grupo, mas simplesmente ao facto de uma empresa seguradora lhes estar associada e, na gestão de uma praça de toiros, não ter nada a ver com o objecto social proposto...
O trabalho pertence agora aos advogados de Entero e Bento. Na certeza de que, por mais que aleguem, já pouco poderão fazer para inverter a situação. O negócio estava aparentemente montado para abrir as portas de Las Ventas à "Troika". O final da guerra entre David e Golias, aqui, prometia ser diferente do que aconteceu no conto. Valeu a intenção. Valeu a vontade expressa pela empresa do Campo Pequeno e a demonstração de que tem capacidades para gerir "mais além". Valeu o reconhecimento público, a nível internacional, do valor e do estatuto de Rui Bento como um dos mais credenciados e avaliados taurinos da actualidade. O resto, foram simples cantigas de embalar. Com um final que estava previamente anunciado...

Fotos D.R.