Miguel Alvarenga - Glória a João Moura
nas alturas e paz na Festa aos homens de boa vontade! Aos outros, os de má
vontade, resta-lhe engolir o sapo e reconhecer, se o conseguirem, que tão cedo
não vão lograr mandar para casa aquele que há quarenta anos, trinta e cinco dos
quais como toureiro de alternativa, tem mandado no toureio a cavalo. Sábado em
Elvas, ficou provado, se dúvidas ainda subsistissem, que o trono é dele e dele
será até querer. João Moura pode já não ter, e não tem, é natural, a força de
bilheteira que tinha em 1979 quando esgotou Santarém na primeira
"encerrona" - mas uma coisa é certa: ninguém, ainda, em tempo algum,
toureou como ele (ainda!) toureia! E o resto são cantigas. Foram sempre.
Glória a Moura nas alturas e paz na
Festa aos homens de boa vontade!
Vamos por partes. Analisando a quente o
que se passou no sábado em Elvas, é preciso concluir, sem mais rodeios, que se
o Coliseu "Comendador Rondão de Almeida" não esgotou, como se queria
e o acontecimento impunha, isso se ficou a dever a João Moura e só a ele. Mas
ele sabe. Não preciso aqui lembrá-lo. Na recta final da sua carreira de glória
(nem sei bem se será recta final, pelo andar da carruagem vamos tê-lo, graças a
Deus, por muitos e bons anos, tal a forma que evidenciou), João Moura - ele e
só ele - tem conduzido a sua trajectória de modo quase desastroso, com
presenças constantes em praças portáteis e em corridas onde não prestigia a sua
figura e, sobretudo, a sua história - que é única e que tem sido diferente de
todas as outras.
O resultado - só o de bilheteira,
consequente da afluência de público, que no plano artístico só há louvores a
fazer - da corrida de sábado em Elvas pode agora, e deve, servir de reflexão ao
Maestro para redefinir a continuidade da sua carreira. Impõe-se que toureie dez
ou quinze (no máximo) corridas por temporada, elegendo as melhores praças, as
melhores datas e os melhores cartéis. Um Toureiro como Moura não pode andar aí
por todas as freguesias e em quaisquer cartéis. O Inverno é longo e a
redefinição urgente da estratégia vai, certamente, ser delineada. Ele, melhor
que ninguém, sabe que assim terá que ser.
A realização de um festival em Beja, de
uma outra tourada no Redondo e de uma grande corrida de toiros em Zafra
(Espanha), no mesmo dia, não pode servir de justificação para que Elvas não
tenha esgotado. O Coliseu registou mais de meia casa - mas não encheu. E tinha
que encher. Adiante.
O mais importante, contudo, aconteceu. E
era mesmo o que precisava de acontecer: aos que diziam que João Moura estava
"acabado", não tinha cavalos para um desafio como este, não ia
conseguir, etc. e tal, respondeu o Maestro com a sua garra e com a sua força:
estou aqui! E estava mesmo. Igual a si próprio, como se o tempo tivesse voltado
atrás, como se tivesse outra vez 16 anos e aquela arena fosse a de Madrid na
tarde história e épica do "Ferrolho".
Não foi a corrida de consagração de João
Moura - porque não era preciso consagrar nada. Está tudo consagradíssimo. Foi,
antes, a corrida de reafirmação de uma certeza, única e indesmentível: o Mestre
continua a tratar os toiros por tu e continua a ser único, sem que alguma vez
alguém o tenha conseguido igualar. Quase que apetece passar, a partir de agora,
a designar por "Moureio" a sua arte. É mesmo. Uns toureiam, ele "moureia".
O estilo foi ele que o impôs, a forma foi ele que a decretou, a revolução foi
ele que a fez. E quarenta anos depois, não houve ainda golpe de estado algum
que a conseguisse deitar abaixo.
João Moura passou no sábado por sete toiros, ao
longo da tarde, com uma serenidade, uma calmaria, uma tranquilidade e uma
maestria que impressionam. Tudo pareceu fácil, em todos os pormenores houve
temple e suavidade, houve técnica e bom gosto. Em sete toiros, falhou um único
ferro - e isso diz tudo. É preciso dizer mais?
João Moura teve cavalos para todos os
toiros. Imprimiu ritmo e emoção a todas as faenas. Arrepiou em alguns ferros
"do outro mundo". Impôs verdade e saber em todos os momentos. Bregou
como só ele sabe. Toureou, "moureou", como só ele toureia.
A História da Tauromaquia está escrita
por alguns génios como Belmonte, Gallito, Manolete, João Núncio, Mestre Batista
e João Moura. Em Elvas, no sábado, o livro abriu-se e todos vimos passagens,
únicas, inesquecíveis, da Tauromaquia segundo João Moura. Foi uma tarde de
sonho.
Repartiu, na ferragem curta, as lides do
quinto e sexto toiros, respectivamente, com seus filhos João e Miguel - que
responderam e corresponderam da melhor forma, comprovando que a escola deixa
seguidores e que souberam aprender do Pai os bons exemplos e o bom toureio. O
toiro-extra, o sétimo (sobrero) foi lidado emotivamente pelos três, com o
público de pé, a querer mais e mais.
Se há corridas (tantas) em que ao
terceiro toiro já estamos todos fartos (eu que o diga, que faço cada frete...),
nesta, pelo contrário, tal o ritmo e a glória que foram tónicas de todas as
lides, se mais seis houvesse, mais seis víamos de bom grado. Foi essa a
diferença. Foi isso que marcou.
Resumindo e concluindo, mal gerido, bem
gerido, magro ou gordo, com dívidas ou sem elas, adorado ou odiado, aplaudido
ou criticado, uma coisa é certa e é única: ninguém toureia como ele e a verdade
é que Moura está para dar e durar e o resto são cantigas. Ninguém ainda o
destronou, apesar das mil e uma tentativas que fizeram. Ninguém ainda conseguiu
chegar onde ele chegou, por mais ensaios e mais cópias que por aí tenham
existido. Moura é Moura e aos 53 anos continua a ser Moura - doa isso a quem
doer. O primeiro.
Foram lidados toiros de Francisco Romão
Tenório e de Inácio Ramos. Todos contribuiram, na generalidade e sem
comprometer nada nem ninguém, para o sucesso da tarde. Uma curiosidade: os
cabrestos e os campinos nunca pisaram a arena, porque nem foi preciso recolher
os toiros, todos eles regressaram aos curros "sem oferecer
resistência", isto é, por sua livre vontade.
João Moura teve a seu lado um naipe de
belíssimos bandarilheiros e uma extraordinária Selecção de Forcados dos
melhores grupos - sobre cuja actuação falarei de seguida - bem como uma praça
replecta de grandes e bons aficionados, na maioria seguidores seus.
Brindes, houve para todos: à memória do
Pai, do Tio e do irmão Benito; à Mãe; aos filhos; a Filipa, sua Mulher; a toda
a sua equipa e a todos os seus funcionários; a alguns amigos em particular e também
a todos os forcados que integraram a Selecção.
Para o sucesso do espectáculo - que não
tenho dúvidas em referenciar desde já como a Corrida do Ano! - contribuiu de
forma decisiva a fantástica direcção de corrida levada a cabo por Manuel Gama. O
novo director segue a forma de Rogério Jóia, isto é, numa tarde que era de
festa, não facilitou, mas ajudou. Toiros houve em que a música tocou logo aos
primeiros ferros, premiando muito mais do que aquela lide, mas antes a carreira
e o historial de quem estava em praça. Gama primou pelo bom gosto e pela grande
aficion - é um dos grandes directores de corrida do momento. Para mim, a
revelação de 2013. Parabens!
Feitas as contas, João Moura venceu o
desafio - nunca duvidei que o não vencesse. Respondeu, porque isso também
estava em casa, aos de má fé, que ainda vive e ainda mexe e, mais que isso, que
ainda é o primeiro. E foi bem explícito, como o foi sempre nos trinta e cinco
anos que leva de profissionalismo: o resto, meus amigos, são, foram e serão
sempre cantigas!
A tarde de sábado em Elvas foi como
todas as tardes dos tempos primeiros. Magistral e marcante. Como o João me dizia, já em fim de festa,
depois do jantar que se seguiu no Clube de Tiro de Elvas, vamos mas é beber um
gin e recordar tempos passados!
Vamos!
Glória a Moura nas alturas e paz na
Festa aos homens de boa vontade! A corrida de Elvas foi única e foi marcante. O
"Moureio" existe e está para durar. João Moura é, ainda e sempre,
único!
Como bem cantou o Manuel da
Câmara ao intervalo, o sonho de João Moura permanece. E continua. Olé, olé,
João Moura!
Não perca, já a seguir: todas as fotos e todos os pormenores da memorável corrida de sábado em Elvas!
Fotos M. Alvarenga