Miguel Alvarenga - Já não vinha há alguns anos a esta praça tão carismática de Abiul e que, como está escrito sobre as bancadas, é referenciada como "a mais antiga do país" (há quem diga que é mais ou menos verdade essa afirmação, mas sem total precisão histórica, que a praça mais antiga foi aqui, sim senhor, mas não esta propriamente, uma outra que existiu por ali perto, mais abaixo).
Aqui, onde ainda me encontro para assistir hoje à segunda corrida da Feira do Bodo (que estava marcada para as 18h00 e cujo início foi adiado uma hora, começa às 19h00, para de algum modo atenuar o sacrifício do público dada a vaga de muito calor prevista para este domingo), o público aficionado é de um entusiasmo enorme, vai aos toiros para se divertir, apoiar os toureiros e não para barafustar por dá cá aquela palha.
O público de Abiul é aficionado e entendido, também não come gato por lebre, como o público da Ilha Terceira, e gosta de se emocionar e de ver um espectáculo com risco e verdade, como o público de Paio Pires, a que ainda ontem aqui me referi. Em suma, a Festa em Abiul continua a ter um gostinho muito especial, que entusiasma, que é contagiante. E o trabalho dos membros da Junta de Freguesia, que continuam a gerir a praça pombalina, tem sido notável ao longo dos anos. Assim se defende e se engrandece a tauromaquia. Com seriedade e aficion, sem tropelias e sem infantilidades.
A corrida de ontem à noite registou uma belíssima entrada de público, com mais de três quartos da lotação preenchidos - como o mostram as fotos que aqui damos à estampa.
Foram lidados seis toiros da ganadaria do Engº Jorge de Carvalho (que chegou à praça numa cadeira de rodas, mas assistiu à corrida sentado num burladero, ainda a recuperar de uma operação a uma perna motivada por uma queda - as melhoras, Engenheiro Amigo!), todos muito bem apresentados, de jogo desigual, mas a cumprirem, sendo exigentes, não dando tréguas e não permitindo deslizes aos artistas.
Houve alguém que disse um dia que "não há quinto toiro mau", mas ontem foi precisamente o quinto, que coube a Miguel Moura, o pior dos seis, manso, encrençado nas tábuas, a tentar saltá-las para fugir à luta. O sexto também foi mansote e cedo procurou igualmente o refúgio nas tábuas, tendo Rouxinol Jr. resolvido o problema com ousados e cingidos ferros a sesgo, bregando muito bem para dar a volta ao seu complicado oponente. O primeiro foi um toiro nobre e exigente, um toiro de respeito. O segundo foi um bom toiro, bravo, a pedir contas. Os lidados em terceiro e quarto lugares foram toiros de nota alta, toiros de respeito e que transmitiram emoção.
Filipe Gonçalves, que comemora 20 anos de alternativa (recebeu-a na Moita numa das primeiras Corridas "Farpas"), não tem toureado muitas corridas - e merecia mais atenção por parte dos empresários. Lidou primorosamente o primeiro toiro da noite, destacando-se por brilhante brega e ousados ferros, animando a lide com cingidas piruetas. O quarto era também um toiro sério e a pedir contas e Filipe voltou a estar muito bem, conquistando o público com ferros de muita verdade, pondo a carne no assador, arriscando. Não o vira ainda esta temporada e deixou a todos uma excelente impressão. Segue hoje para a Ilha Terceira, onde vai actuar amanhã, segunda-feira, na corrida das Festas da Praia, assim como Luis Rouxinol Jr., que ontem também toureou aqui em Abiul.
Miguel Moura está num momento muito alto, moralizado, confiante e bem montado, com uma quadra que lhe permite segurança e tranquilidade. Triunfara forte na véspera em Paio Pires e ontem repetiu o êxito em Abiul, sobretudo no segundo toiro da corrida, um exemplar da ganadaria do Engº Jorge de Carvalho de excelente nota e bravo comportamento. Moura esteve "à Moura", fazendo alarde da arte dinástica que lhe corre nas veias. Lide brilhante, com muito temple e emotivos ladeias e ferros de grande efeito que levantaram o público entusiasta dos seus lugares para o aplaudir calorosamente.
O seu segundo toiro foi o já referido quinto mau, manso, a tentar saltar as tábuas e a procurar refúgio junto delas. Pedia uma lide em curto e em cima dele, Miguel Moura assim não entendeu, fazendo antes o seu tipo de toureio usual, com cites de largo, a que o toiro nem sempre respondeu. Cada toiro tem a sua lide, não pode ser a que se traz estudada de casa. E lidar um toiro manso tem outra ciência, não tem a ver com o habitual mais do mesmo... Miguel Moura já é um cavaleiro experiente e consagrado. Mas ontem não entendeu este manso e as coisas não resultaram como se impunha. Mesmo assim, teve música, deu volta e recebeu fortes aplausos.
Luis Rouxinol Júnior lidou em terceiro lugar um toiro colaborante, que não criou grandes dificuldades e com o qual pôde brilhar com o seu toureio animado e emotivo e que depressa conquista as bancadas. Excelente brega, lide perfeita. Com o sexto toiro, um manso a fugir para as tábuas, esteve mandão e a definir com grande afirmação que quem mandava ali era ele. Resolveu os problemas com arriscadas e emotivos sortes a sesgo e no fim ainda cravou mais dois ferros, saindo em beleza... rumo aos Açores!
Destaque para o facto de Rouxinol ter brindado esta segunda lide a todos os elementos do injustiçado Grupo de Forcados Amadores de Abiul, que continuam, inexplicavelmente, sem possibilidade de se estrearem nesta sua praça por não terem sido aceites no seio da Associação Nacional de Grupos de Forcados. Uma vergonha. Os forcados de Abiul, que se encontravam na bancada, enquanto o cabo Hélder Parker assistiu na trincheira, foram calorosamente ovacionados com carinho pelo público.
Bom desempenho dos seis bandarilheiros, havendo a criticar apenas um ou outro capotazo a mais durante as lides, aliás logo protestado pelo conhecedor público desta terra. Coadjuvaram as lides dos cavaleiros e colocaram os toiros para os forcados os bandarilheiros João Goilão e Duarte Silva (quadrilha de Filipe Gonçalves); João Bretes e Jorge Alegrias (Miguel Moura); e Ricardo Alves "Pagã" e João Martins (Luis Rouxinol Jr.).
Ontem pegaram os forcados Amadores da Moita, de Coimbra e do Cartaxo. Pelos moitenses foram forcados de cara Carlos Rodrigues (à terceira tentativa) e Tiago Silva (à primeira, bem ajudado pelos companheiros). Por Coimbra pegaram Henrique Góis e Paulo Barros, ambos ao primeiro intento, com excelentes intervenções de todos os companheiros a ajudar com coesão. Pelo Grupo do Cartaxo executaram as pegas os forcados Bernardo Sá (à primeira) e José Oliveira (à segunda).
Esta primeira corrida da Feira do Bodo em Abiul foi dirigida com todo o acerto e aficion por Sandra Strecht, que esteve assessorada pelo reputado médico veterinário José Luis da Cruz. A dar os toques esteve, esta temporada a cumprir 30 anos de actividade nesta emblemática praça, o cornetim-mor do reino José Henriques.
Até logo, outra vez na praça de Abiul!
Fotos M. Alvarenga
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Praça cheia e grande entusiasmo popular ontem em Abiul |
Filipe Gonçalves |
Miguel Moura |
Luis Rouxinol Jr. |