Duarte Pinto teve ontem na Póvoa de Varzim uma lide digna de prémio, mas... |
Miguel Alvarenga - Para a Tauromaquia
ser levada a sério, os homens dos toiros tinham que se dar ao respeito. E não
dão. Permitem e cometem escandaleiras como a de ontem à noite na Póvoa de
Varzim, ainda para mais em directo para o país inteiro pela televisão. E com isso, meus amigos,
a Festa perde toda a sua credibilidade, banaliza-se como um espectáculo sem rei
nem roque, onde tudo é permitido e onde tudo é lei feita em cima do joelho. E à
balda.
Se a Tauromaquia tivesse hoje a
credibilidade que teve noutros tempos - e que Manuel dos Santos tão dignamente
lhe deu, por exemplo, nas célebres "Reportagens do Exterior" que eram
as nocturnas de quinta-feira no Campo Pequeno na RTP - os telejornais da semana finda
teriam dado o destaque que merecia o facto de Rui Fernandes ter ganho em
França, na praça de Mejanes, o mais prestigiado troféu que naquele país se
outorga ao toureio a cavalo, o "Rojão de Ouro", em aguerrida
competição, apenas e só, com a grande Figura que é Diego Ventura. Mas todas as
televisões ignoraram essa enorme honraria que Rui Fernandes trouxe para terras
lusas. E porquê? Porque ninguém leva a Tauromaquia a sério...
O que ontem vimos em directo pela RTP,
já no final da Corrida TV/Norte, é a imagem do descrédito e da bandalheira -
porque é mesmo uma bandalheira - em que caíu o espectáculo tauromáquico nos
últimos anos. Lamentável. Lamentável é pouco. Triste e desolador.
Luis Rouxinol é um grande Toureiro,
grande mesmo. Um Toureiro que lutou em 25 anos, com a maior das dignidades e o
mais respeitado mérito, pelo lugar cimeiro que hoje ocupa. Merece tudo e mais
alguma coisa. Menos o prémio para a "melhor lide" que ontem lhe
concederam, vá lá saber-se por quê. E ele mesmo o disse, quer nas expressões
desoladoras que exibiu durante a lide, quer nas declarações finais que fez para
a RTP. Teve um toiro quase ilidável e lidou-o com a garra, o querer e a
maestria que são seu apanágio em todas as corridas. Mas não alcançou, como ele
próprio o frisou, o triunfo que desejava.
Levou vários "bombazos" em
cada ferro que cravou, inclusivé com a famosa égua "Viajante", que é,
só e apenas, uma das melhores montadas da actualidade. Levou esses
"bombazos" (empurrões) porque arriscou, porque pisou terrenos
ousados, porque é Toureiro dos de cima. Foi uma lide de imenso valor, mas não
foi, de modo algum, uma lide digna de um prémio.
Os deuses devem estar loucos. O júri
(quem era, afinal?) ou se enganou, ou bebeu antes da corrida ou fumou cigarros
daqueles que fazem rir. Das três, uma...
Comparado com este escândalo, a proeza
de Castelo Branco a brincar aos Forcados no célebre programa da SIC foi um hino
de louvor à Tauromaquia. Mas os mesmos (ditos) "aficionados" que
entraram em perfeita paranóia com o feito de Castelo Branco, não mexeram agora
uma palha para denunciar o escândalo de ontem na tourada da Casa do Pessoal da
RTP...
A Corrida TV/Norte foi uma verdadeira
seca, sem a lotação esgotada que era usual (apesar de uma praça muito bem
composta) e sem o êxito artístico que se desejava, muito por culpa dos sonsos toiros
de Passanha. Os toureiros esforçaram-se e os forcados estiveram heróicos. O
prémio para a "melhor pega" ficou muito bem entregue a Mário
Gonçalves, dos Amadores do Ribatejo, um grupo que está a regressar em força à
ribalta e que é hoje, sem margem para dúvidas, um dos melhores desta temporada.
Márcio Francisco, dos Amadores de Vila Franca, fez também um pegão que merecia
ser premiado, mas aqui havia que decidir a sério. E o troféu ficou bem
entregue.
No que respeita aos cavaleiros, o prémio
podia ter sido entregue ao Maestro Bastinhas (que teve o único toiro bom da
noite) pela sua lide perfeita e extremamente racional. Bastinhas entendeu o
toiro na perfeição e deu-lhe a lide adequada, ao seu melhor e mais exuberante
estilo - que continua, 30 anos depois, a contagiar e a galvanizar as gentes.
Ou devia ter sido entregue ao valente
Duarte Pinto, autor de uma lide empolgante a um toiro que não tinha lide e que
ele "espremeu" ao máximo, impondo a sua verdade, a sua técnica e a
sua tremenda ousadia, pondo "a carne no assador", cravando ferros de
parar corações, por outras palavras, dignificando a sua arte, o seu toureio e o
apelido de peso que tem no nome. Olé Duarte!
Sónia Matias protagonizou também uma
actuação de muita raça, a confirmar o grande momento que está a atravessar;
Brito Paes reafirmou que está a vir acima, finalmente, bem montado e cheio de
ganas de se afirmar em definitivo; e o jovem João Maria Branco quis muito
frente a um toiro que não queria, teve ganas e teve argumentos, mas não
conseguiu o triunfo que se impunha e desejava.
De resto, a Corrida TV/Norte, bem
dirigida pelo eficiente Nuno Nery, foi ontem um verdadeiro "quadro de
miséria" - da triste miséria e do quadro desolador em que se encontra a
Festa Brava em terras de Portugal.
Que saudades dos tempos em que isto era
levado a sério, era respeitado e era dignificado pelos que cá andavam. Hoje,
para mal dos nossos pecados, os maiores inimigos da Festa estão dentro dela. E
por muito que nos custe, isto tem os dias cada vez mais contados...
É que assim, meus amigos, ninguém nos
leva a sério. Somos uns eternos
brincalhões.
Fotos Emílio de Jesus/Arquivo e D.R.